A legitimidade ativa das associações sindicais e das federações sindicais para a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade

AutorCaio Freire Leal
Páginas141-152

Page 141

A permanência a todo custo da fidelidade a uma ideologia jurídica que já não merece aplausos é atitude injustificável13

I Introdução

Em diversos precedentes, o Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que, no âmbito das organizações sindicais, apenas estão aptos a propor o controle concentrado de normas as confederações sindicais, excluindo-se, por conseguinte, as associações sindicais e as federações sindicais, ainda que possuam abrangência nacional. Noutros termos: dentro da estrutura sindical brasileira, somente as confederações sindicais disporiam, nos termos da jurisprudência do STF, de legitimatio ad causam em tema de controle concentrado de constitucionalidade.

Page 142

Leia-se o art. 103, IX, da Constituição Federal, ipsis litteris:

“Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

(...)

IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”

Pois bem, a estrutura sindical brasileira é como uma pirâmide: no piso estão as associações sindicais, no meio estão as federações sindicais e no cume estão as confederações sindicais 4 .

Há quem entenda que as centrais sindicais compõem a estrutura sindical no Brasil 5 . Porém, concordamos com o pensamento de quem entende de modo diverso 6 . E as nossas convicções excluem as centrais sindicais dessa estrutura, pois estamos a demonstrar a viabilidade para a propositura de ações direta de inconstitucionalidade pelas associações sindicais e federações sindicais, não como entidades de classe de âmbito nacional, mas como se fossem confederações sindicais. Esticar o raciocínio às centrais sindicais seria conferir ao intérprete o uso abusivo da prerrogativa constitucional.

Ao se levar em consideração que existem associações sindicais com mais membros que muitas confederações sindicais, e que, “excepcionalmente, admite-se que a federação tenha representatividade interestadual ou nacional” 7 , cremos que não há razão lógica para se negar o acesso de associações e federações sindicais ao Supremo para argüir a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Pela extensão no território nacional ou pela significativa quantidade de filiados, há associações sindicais e federações sindicais que possuem, talvez, muito mais legitimidade para promover ações direta de inconstitucionalidade que algumas confederações sindicais. Outros motivos a seguir expostos corroboram este raciocínio.

Page 143

II A questão do interesse coletivo

Pela leitura dos incisos do art. 103, percebe-se que para propor ADI‟s deve haver um interesse coletivo para que não se emperre o trabalho do Supremo. Repita-se: interesse coletivo, não interesse público. O interesse público pode esmagar direitos fundamentais de minorias 8 , então o interesse coletivo, aquele que seja a composição da soma dos interesses individuais, é o mais adequado para reivindicar a atuação do Supremo Tribunal Federal em leis ou atos normativos tidos como inconstitucionais para um grupo expressivo de pessoas.

Contudo, sabe-se que ao sindicato cabe defender direitos e interesses coletivos e individuais 9 e que “a garantia constitucional dos direitos fundamentais revela-se essencialmente em sua proteção processual” 10 . Sabe-se que o trinômio “indivíduo-grupo- Estado” 11 tem mais força para a proposição de ações que atendam a um interesse coletivo comum. Sabe-se que a distinção entre federações sindicais e confederações sindicais não é muito exata 1213 . Sabe-se que negar às confederações sindicais e às entidades de classe de âmbito nacional o direito de proporem ação direta de inconstitucionalidade “significaria desconhecer um dos aspectos mais importantes das relações entre o capital e o trabalho, assim como da relação social” 14 . Só não se sabe por que negar categoricamente a propositura de ADI‟s às associações e federações sindicais pelo simples fato de não estarem na organização máxima do sindicalismo brasileiro.

Page 144

Impende objetivar que as Mesas da Câmara e do Senado, o Procurador- Geral da República e os Governadores de Estado ou do Distrito Federal, por exemplo, possuem irrestrita legitimidade para a propositura de ADI‟s. Nada impede que apontem como as razões de impugnação de uma norma interesses meramente setoriais e limitados a um grupo reduzido de pessoas. Ora, se cabe somente às confederações sindicais e às entidades de classe de âmbito nacional demonstrar a “pertinência temática” da matéria levantada para ADI – do inciso I ao VIII no art. 103 15 não se exige este requisito –, este óbice é já um parâmetro para perquirir a “utilidade” ou o real “interesse coletivo” na impugnação da norma acoimada inconstitucional.

Não obstante, se o inciso VIII declara que somente os partidos com representação no Congresso podem propor ADI, tem-se claro que, também neste caso deve haver um interesse coletivo razoável na propositura de ADI.

Pelo sim, pelo não, há associações sindicais de inegável expressividade territorial e numérica que são impedidos de propor ADI porque carregam o estigma de se enquadrarem como associações sindicais. Do mesmo jeito, as federações sindicais sempre terão, para os efeitos de uma interpretação restritiva do inc. IX do art. 103 do Texto Maior, o fardo de se denominarem “federações sindicais” para os efeitos da lei (CLT, art. 535). As Federações sindicais jamais deixarão de ser uma “unidade de pluralidades” 16 , uma “associação de associações” 17 .

Page 145

Não se pretende aqui demonstrar que o constituinte queria dizer “associações, federações e confederações sindicais”, quanto mais que a segunda parte do inciso IX do permissivo constitucional pode enquadrar as associações sindicais e federações sindicais como sendo entidades de classe de âmbito nacional (quando presentes em pelo menos 9 Estados da Federação, ou seja, 1/3 dos Estados-membros, que é o mesmo critério adotado pelo STF para aferir o “caráter nacional” dos partidos políticos). Embora o esse último recurso interpretativo já tenha sido usado.

Assim é que já na ADI n° 2, o Min. Paulo Brossard superou a positividade do texto constitucional para atribuir efetividade a um dispositivo constitucional que, na sua essência, não há de esquecer que há sindicatos e federações que não deixam de ser entidades de classe de âmbito nacional, mesmo que não sejam confederações. Na ocasião, a FENEM (Federação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino) propôs uma ação direta de inconstitucionalidade de cuja decisão do Relator se extrai:

"Entendem o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União que a requerente, por ser uma federação sindical, falece legitimidade para pleitear, em ação direta, a declaração de inconstitucionalidade. Ouso discordar dos doutos pareceres. Ela não é uma confederação, como quer a Constituição, art. 103, IX, mas é uma federação sindical de caráter nacional e não existe confederação específica (...). Se a federação em causa não tem a qualificação legal para provocar o Supremo Tribunal Federal à apreciação de inconstitucionalidade em tese através de ação direta, ainda que as federações, como as confederações, sejam associações sindicais de grau superior, a teor do que dispõe a CLT, art. 533 (...), ela estaria habilitada a ajuizar a presente ação com base na cláusula final do aludido inciso IX do art. 103 da Constituição, uma vez que não deixa de ser uma „entidade de classe de âmbito nacional" (grifo nosso) 18

Page 146

É cediço que a Constituição Federal de 1988 “preserva o sistema confederativo da organização sindical brasileira” 19 . Então não se propõe que se desmonte o conceito de confederações sindicais para abarcar as associações e federações sindicais na ação direta de constitucionalidade. De fato, “a ação sindical obtém seus melhores resultados quando a unidade do grupo profissional é maior” 20 . Só que as normas constitucionais têm estrutura, densidade e função diferenciadas, devendo-se analisar a tipologia das normas constitucionais 21 para entender a ratio do legislador constituinte.

Sem embargo de que a Emenda Constitucional 45/2004, ao alterar alguns dispositivos do art. 103, pudesse ter acrescentado as associações e federações sindicais no inciso IX do citado artigo, não o fez...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT