O sindicalismo na contemporaneidade: liberdade, solidariedade e crise

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas345-351

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Apresentação

O objetivo deste artigo é discutir a crise do atual modelo sindical, bem como a forma com que o modelo de trabalho é por ela afetado. Para isso, é preciso discorrer sobre as alterações vivenciadas na sociedade, desde os tempos de modernidade sólida até a modernidade líquida, época em que as relações se tornaram instáveis, dinâmicas e rapidamente alteradas. Essas características também são marcantes no campo do trabalho, pois os empregos são voláteis e rotativos, de modo que a preocupação com a profissão é momentânea e de curto prazo. A instabilidade no trabalho também desestabiliza as relações sindicais, pois os trabalhadores não pertencem especificamente a nenhuma categoria profissional, o que gera a ausência de reconhecimento com seus pares. Discute-se, também, o surgimento de novos tipos de trabalhadores, o que constitui um grande desafio para as entidades coletivas de trabalho, que ainda são baseadas nos conceitos da velha fábrica fordista. Por essa razão, há falta de representatividade efetiva, o que, juntamente com a ausência de liberdade sindical, desencadeia a crise. Estuda-se, ainda, a liberdade sindical no contexto nacional, pois, como o trabalhador não tem liberdade de escolha do sindicato o representará, não há identificação e pertencimento de classe, sendo que o modelo da unicidade enfraquece a própria estrutura sindical. Disso decorre a falta de interesse em participar de assembleias e movimentos paredistas no geral, o que também é constatado pela queda das taxas de sindicalização nas últimas décadas. Com isso, vivencia-se o enfraquecimento dos sindicatos, o que exacerba a crise enfrentada atualmente. Pretende-se analisar também outros fatores que contribuem para a ausência de representatividade e mitigação do sentimento de solidariedade entre os trabalhadores. Ao final, defende-se que as entidades representativas das categorias busquem adotar medidas para identificação dos trabalhadores, para que haja maior participação coletiva e fortalecimento da luta sindical.

1. Introdução

No cenário hodierno, denominado de pós-moderno, a sociedade passa por constantes transformações econômicas, políticas, culturais e sociais. Nos dizeres de Bauman, trata-se da passagem da modernidade sólida para a modernidade líquida, tempos em que as relações são liquefeitas e sofrem mudanças instantâneas (BAUMAN, 2008).

A modernidade sólida era época em que dominava a rotina e a estabilidade das relações sociais, cuja organização produtiva seguia o modelo fordista. Nesse cenário, as fábricas eram grandes e centralizadas, com processos e maquinários planejados e estáveis, de forma que havia certeza e segurança no trabalho. Capital e trabalho caminhavam juntos, lado a lado. A economia da modernidade sólida era marcada pelo planejamento, intervenção estatal e promoção de políticas sociais pelo poder público com a finalidade de atingir a igualdade.

A modernidade líquida, ao revés, é instável, dinâmica e as relações são alteradas de forma rápida. Os sujeitos se tornam individualistas, com predomínio da meritocracia, ou seja, cada um é responsável pelas consequências de sua vida, de forma que a pobreza é justificada na própria inca-pacidade profissional do sujeito.

A economia é marcada pela desregulação dos mercados, não intervenção do Estado e não mais existe a grande

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fábrica. Com o desenvolvimento da tecnologia, as empresas são virtuais e se modificam em uma velocidade tão rápida que o trabalho não consegue acompanha-las.

Nas palavras de Teodoro:

O capitalismo hoje se apresenta também líquido, mas o trabalho, porém, permanece tão imobilizado quanto no passado. A diferença é que a sua âncora ao buscar a rocha firme que o sustentava, nada mais encontra do que areia movediça. (TEODORO, 2014, p. 2.)

Atualmente, em razão da velocidade das mudanças, os empregos também são voláteis e há grande rotatividade. A preocupação com a ocupação profissional dos indivíduos é momentânea e de curto prazo. Não há qualquer estabili-dade no trabalho, o que também desestabiliza as relações sindicais, pois os indivíduos não pertencem especificamente a nenhuma categoria profissional.

Além disso, atualmente a forte relação do capital ocorre com o consumo e não mais com o trabalho. A mudança para o sistema “just in time” impõe a necessidade do consumo e não da produção. Em outras palavras, para o capital, o trabalho é relevante porque cria consumidores. Os indivíduos devem trabalhar para consumir, invertendo a estrutura capital-trabalho fixada outrora.

Essa nova realidade social impôs ao obreiro a adaptação do trabalho, o que o obrigou a exercer diferentes funções ao mesmo tempo e a desenvolver novas habilidades, acentuando a alienação.

Gomes destaca que:

O trabalhador também se sente assim, um ser heterogêneo que não mais se define categoricamente, que pode ser vários em um só, improvisando, adequando-se, remodulando-se a todo tempo. Ao mesmo tempo em que ele exerce múltiplas funções no trabalho, ele tem múltiplos gostos que antes poderiam até parecer contrastantes, mas que agora se relacionam entre si, negando-se, ao mesmo tempo em que se afirmam. E esse indivíduo multifacetário está inserido em uma imensa heterogeneidade, seja no trabalho, na família ou no meio social. (GOMES, 2012, p. 213.)

Nesse cenário, o modelo sindical tradicional encontra dificuldades de se estabelecer como entidade representativa dos empregados. Diante de uma realidade em que há aumento da precarização do trabalho, das mazelas sociais e, ao mesmo tempo, regressão da proteção do trabalho por meio de medidas flexibilizadoras, o sindicato não consegue atender as demandas operárias.

2. Os novos tipos de trabalhadores e a relação sindical

Nesse novo contexto social, as relações de trabalho também se modificaram. As mudanças perpetradas pela globalização e pelo desenvolvimento dos meios tecnológicos desencadeiam um novo tipo de trabalho e, com ele, um novo tipo de trabalhador.

Atualmente os trabalhadores estão inseridos em uma estrutura multifuncional, horizontal e cada vez mais enxuta. Além disso, os novos meios de comunicação permitem que o sujeito permaneça o tempo todo conectado com o trabalho, de forma que as vidas particular e profissional permaneçam entrelaçadas. Dessa forma, cada vez mais o trabalhador é tolhido de sua subjetividade, pois se envolve emocionalmente com a empresa. Trata-se do conhecido jargão empresarial “vestir a camisa da empresa”.

Um dos exemplos dessa mistura entre a vida particular e o trabalho é visível no documentário “Google — a melhor empresa para trabalhar dos EUA”. O documentário evidencia que a empresa disponibiliza aos empregados restaurantes, salão de beleza, piscina, massagens e diversas outras atividades recreativas. Ainda que em um primeiro momento pareça uma iniciativa louvável da instituição, na verdade, o real objetivo é a apropriação da subjetividade do indivíduo, de modo que ele não mais consiga se perceber longe da organização.

Nesse sentido, Teodoro e Domingues destacam que:

O trabalho passa a ser em equipe e surge a figura dos colaboradores. O colaborador é tomado também em sua subjetividade, aumentando o processo de estranhamento do trabalho, na medida em que o importante passa a ser o trabalho intelectual ou imaterial, que leva o trabalhador a se envolver emocionalmente com a ideologia empresarial. Dessa maneira o capital tenta se apropriar da subjetivi-dade do trabalhador, através do trabalho imaterial, fazendo o colaborador se sentir parceiro do próprio capital, a ele se aliando. (DOMINGUES, TEODORO, p. 3.)

Esse novo modo de produção exige trabalhadores cada vez mais flexíveis e multifacetados, o que exacerba a terceirização, o trabalho temporário e todas as medidas de precarização do trabalho. Também há transformação de parte dos empregados em autônomos, cooperados ou estagiários, em verdadeira fraude...

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