Sistema de justiça criminal e população negra: contribuições para uma prática antirracista

AutorElias Fernandes, Charles Vinicius, Jeane Tavares
CargoDoutora em Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Coletiva da UFBA (ISC/UFBA). Professora adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). E-mail: jeanetavares@hotmail.com https://orcid.org/0000-0001-5745-1417 - Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Mestre em Ciências da Saúde e Biológicas pela ...
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SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL E POPULAÇÃO NEGRA:
CONTRIBUIÇÕES PARA UMA PRÁTICA ANTIRRACISTA
CRIMINAL JUSTICE SYSTEM AND BLACK POPULATION:
CONTRIBUTIONS TO AN ANTIRACIST PRACTICE
Jeane Saskya Campos Tavares
Doutora em Saúde Pública pelo
Instituto de Saúde Coletiva da UFBA (ISC/UFBA).
Professora adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
E-mail: jeanetavares@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0001-5745-1417
Elias Fernandes Mascarenhas Pereira
Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).
Mestre em Ciências da Saúde e Biológicas pela
Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).
E-mail: eliasmasc12@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-8012-0373 ;
Charles Vinicius Bezerra de Souza
Doutorando e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) .
E-mail: charles_cdm@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0003-2494-5992
RESUMO
O sistema de justiça, enquanto instituição, reproduz as desigualdades raciais
historicamente mantidas pelo racismo estrutural. A partir da Psicologia Social é possível
pensar que o racismo também se perpetua por intermédio de processos cognitivos e
sociais implícitos que vão além da discriminação ou da violência explícita sobre a
população negra. Dessa forma, este ensaio tem o objetivo de apresentar as contribuições
da psicologia social para discussões sobre as relações raciais e o racismo dentro do
sistema de justiça criminal, assim como contribuir para que os operadores do Direito
desenvolvam estratégias antirracistas para a modificação desse cenário. A partir
da análise, constatamos que a principal consequência do racismo no campo jurídico,
apresentada nos estudos analisados, esteja refletida no encarceramento sistemático e
massivo da população negra e na criação destes como inimigos públicos. Contudo, torna-
se necessário pontuar que existem outras formas de negação de direitos, violências físicas
e simbólicas ligadas ao racismo que estão intimamente ligadas ao sistema judiciário –
necessitando de mais estudos que as desvelem. Apostamos que uma via possível para
a construção de ações e práticas antirracistas esteja em direcionar esforços para que
os legisladores do Direito construam novos conceitos e ampliem as suas visões sobre as
pessoas negras.
Palavras-chave: Estereótipos. Seletividade Penal. Raça. Branquitude. Necropolítica.
Recebido: 14/02/2021
Aceito: 08/04/2021
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ABSTRACT
The justice system, as an institution, reproduces racial inequalities historically determined
by structural racism. From social psychology it is possible to think that racism is also
perpetuated through implicit cognitive and social processes that go beyond discrimination
or explicit violence against the black population. In this way, this essay aims to present
the contributions of social psychology to discussions on race relations and racism within
the criminal justice system, as well as to help the operators of law to develop anti-racist
strategies to change this scenario. From the analysis, we found that the main consequence
of racism in the legal field, presented in the analyzed studies, is reflected in the systematic
and massive incarceration of the black population and in the creation of these as public
enemies. However, we must point out that there are other forms of denial of rights, and of
physical and symbolic violence linked to racism that are closely connected to the judicial
system – requiring further studies to reveal them. We believe that a possible way to build
anti-racist actions and practices is to direct efforts so that lawmakers build new concepts
and expand their views on black people.
Keywords: Stereotypes. Criminal Selectivity. Race. Whiteness. Necropolitics.
1. Introdução
O debate sobre a desigualdade racial dentro do âmbito de justiça não é novo;
contudo, apesar das discussões públicas e estudos acadêmicos, pouco se tem avançando
efetivamente para mudar a realidade da população negra no Brasil. Segundo o Anuário
Brasileiro de Segurança Pública (2020), uma pessoa negra vive sob o risco três vezes
maior de ser morta de forma violenta do que os não negros no Brasil. Apenas em 2019,
74,4% das vítimas de homicídio eram negras e esse índice cresceu para 79,1% quando
o autor do assassinato foi um policial, sendo as vítimas das intervenções policiais
geralmente do sexo masculino (99,2%) e jovens de no máximo 29 anos (74,3%). Nas
prisões, 64% da população carcerária é composta por jovens negros, com idades entre
18 e 29 anos (55%) (DEPEN, 2016).
Os dados demonstram que situações de violência e discriminação estão longe
de serem raras e representam um claro recorte da relação entre a população negra,
seletividade penal e a violência no Brasil. Contudo, mesmo frente à brutal realidade, o
sistema de justiça criminal procura respaldo a partir de justificativas sobre racionalidade
e imparcialidade de sua instituição, discurso que traz demérito às importantes discussões
sobre o papel dos fenômenos sociais de hierarquizações raciais para a reprodução de
processos de seletividade e criminalização do Direito Penal.
Com isso, permanecem as questões: por que os operadores da justiça e suas
estruturas não atingem a todas e todos da mesma forma, mas principalmente determinados
grupos sociais? Como podemos falar em democracia racial no Brasil quando os dados
nos mostram um sistema de segurança e prisional que pune e penaliza prioritariamente

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