Sistema multiportas e execução fiscal

AutorMônica Lima, Rita Dias Nolasco e Tarsila Ribeiro Marques Fernandes
Páginas429-446
SISTEMA MULTIPORTAS E EXECUÇÃO FISCAL
Mônica Lima
Especialista em Direito Público pela Escola da Advocacia-Geral da União. Procuradora
da Fazenda Nacional
Rita Dias Nolasco
Doutora em Direito pela PUC/SP. Adjunta da Direção da Escola da AGU. Professora
de Direito Processual Civil na Pós-Graduação da Cogeae PUC SP e da Escola da AGU.
Diretora Regional do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Cofundadora do
Projeto Mulheres no Processo do IBDP. Procuradora da Fazenda Nacional.
Tarsila Ribeiro Marques Fernandes
Doutora em Direito pela Radboud University em Nijmegen, na Holanda. Mestre em
Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília. Professora da pós-graduação
do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Procuradora Federal. Assessora de
Ministro do Supremo Tribunal Federal.
1. INTRODUÇÃO
A morosidade da justiça no Brasil gera uma insatisfação generalizada em rela-
ção à prestação jurisdicional e, uma das principais causas, é a demanda excessiva de
ações ajuizadas e recursos processuais interpostos. Em sua 16ª edição, o Relatório
Justiça em Números 2020 aponta que o ano de 2019 terminou com 77,1 milhões de
processos em tramitação no país e a produtividade média dos magistrados foi a maior
dos últimos onze anos. Os executivos f‌iscais têm sido apontados como o principal
fator de morosidade no Poder Judiciário. De acordo com o referido relatório “Os
processos de execução f‌iscal representam 39% do total de casos pendentes e 70% das
execuções pendentes no Poder Judiciário, com taxa de congestionamento de 87%.
Ou seja, de cada cem processos de execução f‌iscal que tramitaram no ano de 2019,
apenas 13 foram baixados”.1
Desjudicialização se tornou a palavra de ordem diante da necessidade de bus-
carmos a redução da litigiosidade e a adoção de soluções extrajudiciais, que venham
complementar a jurisdição estatal, fornecendo mais opções de meios de resolução
adequada de conf‌litos. O argumento da inafastabilidade do Poder Judiciário não pode
mais ser aceito para justif‌icar o ajuizamento de ações absolutamente desnecessárias,
ainda mais quando a própria Constituição Federal estabelece a premissa da “solução
pacíf‌ica dos conf‌litos”.
A concepção de acesso à justiça ultrapassou sua visão stricto sensu de acesso ao
Poder Judiciário para ser compreendida como acesso ao tratamento adequado dos
1. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/08/rel-justica-em-numeros2020.pdf.
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conf‌litos de interesse. É a denominada “justiça multiportas” – que abrange todos os
meios adequados de resolução de litígios, especialmente os métodos autocompo-
sitivos. O sistema ‘multiportas”, ao oferecer a utilização de outros mecanismos de
soluções, alternativos ao Poder Judiciário, possibilita às partes escolherem o método
mais adequado para a solução, a partir da análise das circunstâncias do caso concreto.
Um grande marco é a Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) n.
125/2010, que fomenta a utilização dos mecanismos extrajudiciais de resolução de
conf‌litos ao instituir a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos
Conf‌litos de Interesse no Judiciário, imputando aos tribunais o desenvolvimento
destes mecanismos de diversas formas, tanto na fase processual, quanto na fase pré-
-processual. Os avanços na mudança da cultura do litígio se estenderam com a edição
da lei 13.140/2015, denominada lei da mediação, e com a Lei 13.105/2015 (Código
de Processo Civil), que trouxe inovações ao integrar a autocomposição e o dever de
cooperação das partes no rol das normas fundamentais do processo.
Como bem assevera Barbosa Moreira, “tomar consciência da multiplicidade de
perspectivas possíveis no estudo do processo é despertar para a necessidade de con-
jugação de conhecimentos que até hoje, lamentavelmente, em regra, têm conservado
a cerimoniosa distância uns dos outros”.2
Um dos pilares do Código de Ética da Advocacia também é a busca pela justiça
conciliativa, conforme dispõe seu artigo 2º, que o advogado deve “estimular, a qual-
quer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo sempre que
possível, a instauração de litígios” (parágrafo único, inciso VI).
No âmbito da cobrança judicial da dívida ativa da União, por meio da execução
f‌iscal, com um procedimento engessado e desatualizado (Lei 6.830/80), a prática
evidenciou a sua insuf‌iciência. A maioria dos processos de execução f‌iscal f‌ica pa-
ralisada em razão da não localização do executado, ou da não identif‌icação de bens
a serem penhorados. Essa realidade impulsionou a reestruturação do modelo, com
mudanças procedimentais realizadas por meio de portarias e alterações legislativas,
que atualmente integram o microssistema de cobrança da Dívida Ativa da União.
O professor Leonard Susskind nos alerta que “precisamos de uma geração de
advogados capazes de desenhar, desenvolver, entregar e manter os sistemas que
substituirão as velhas formas de trabalhar. Precisamos de uma geração de engenhei-
ros legais.”3
O presente artigo tem como objetivo prestigiar a postura institucional da Pro-
curadoria-Geral da Fazenda Nacional no papel da desjudicialização da cobrança da
dívida que se encontra sob a sua responsabilidade, seja ela tributária ou não, como
2. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Sobre a multiplicidade de perspectiva no estudo do processo. Revista de
Processo, ano 13, n. 49, p. 13, São Paulo, jan.-mar. 1988.
3. SUSSKIND, Daniel. The End of Lawyers? Rethinking the Nature of Legal Services. Oxford University Press,
2010.
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