O Sistema Nacional de Capacitação Judicial

AutorIves Gandra Martins Filho
Ocupação do AutorMinistro do Tribunal Superior do Trabalho
Páginas68-92

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I) Introdução

No presente estudo, escrito para associar-nos às justas homenagens ao ilustre e dileto Prof. José Pastore, procuraremos, aproveitando a experiência como membro do Conselho Nacional de Justiça (2009-2011) e 1S Diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (2006-2007), mostrar como a harmonização das relações sociais e especialmente as trabalhistas passa pela melhor qualificação do Poder Judiciário, por meio de uma contínua, aprofundada e abrangente capacitação judicial.

Com efeito, a bandeira do Tribunal Superior do Trabalho ostenta o dístico tirado da Escritura que define a causa final da Justiça: Opus lustitiae Pax (Isaías 32,17). Ou seja, a finalidade da Justiça é promover a paz social, mediante a composição de conflitos e a harmonização das relações sociais.

Às vezes nos esquecemos desse objetivo fundamental e ficamos a traçar metas quantitativas de produtividade para a Justiça, batendo recordes de julgamentos e decisões, sem nos perguntarmos se essas decisões estão, afinal, sendo satisfatórias, ou seja, compondo os conflitos sociais, de modo a que as próprias partes em litígio, especialmente a perdedora, conclua que o direito não lhe assistia e não deseje recorrer.

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O Conselho Nacional de Justiça, nos Encontros Nacionais do Judiciário, reunindo presidentes e corregedores dos tribunais brasileiros, tem traçado as Metas para o Poder Judiciário, entre as quais se tem destacado a Meta 2, de produtividade, julgando todos os processos antigos, de modo a conseguir maior celeridade na prestação jurisdicional.

O problema é que a rapidez pode comprometer a qualidade das decisões, conforme se percebeu nos anos de 2009 e 2010, quando se louvou o Poder Judiciário e muitos de seus Tribunais, pelos recordes de produtividade, ao mesmo tempo em que se criticavam muitos dos expedientes adotados para se chegar ao cumprimento dessas metas, precarizando-se a prestação jurisdicional.

Investir na qualidade da Justiça é investir no magistrado que presta jurisdição, tornando-o mais bem capacitado para o desempenho de sua missão institucional de pacificar a sociedade, distribuindo justiça.

Seguindo nessa linha é que foi aprovada, no dia 22 de fevereiro de 2011, a Resolução n. 126 do CNJ, instituindo o Plano Nacional de Capacitação Judicial e o Sistema Nacional de Capacitação Judicial, de integração de todas as Escolas Judiciais brasileiras num todo orgânico, coordenado pelo CNJ. E para implementar e aperfeiçoar essa resolução, foi realizado em Florianópolis, no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no dia 15 de abril de 2011, o Encontro Nacional do Judiciário sobre Capacitação Judicial, reunindo os presidentes dos tribunais brasileiros e os diretores das escolas judiciais pátrias.

O presente artigo tem por escopo trazer a lume a gestação da Resolução n. 126 do CNJ e comentar os resultados do Encontro sobre Capacitação Judicial, que nortearão o aperfeiçoamento e a implementação do Plano e do Sistema Nacionais de Capacitação Judicial.

II) A Resolução n 126 do CNJ

O Conselho Nacional de Justiça, no desenho que lhe deu o Constituinte Derivado de 2004 (Emenda Constitucional n. 45), possui dupla missão (CF, art. 103-B, §4e): a coordenação administrativa e financeira do Poder Judiciário; o controle disciplinar dos magistrados.

A atividade disciplinar é exercida especialmente pela Corregedoria Nacional de Justiça e a coordenação administrativa por meio da atuação das comissões temáticas permanentes, que desenvolvem as atividades para as quais foram instituídas (RICNJ, art. 28).

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À Comissão de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas, instituída pela Portaria n. 604, de 7 de agosto de 2009, foi atribuída, dentre outras, a tarefa de desenvolver projetos e adotar medidas voltadas à capacitação de magistrados e servidores, como meio fundamental para se chegar a uma prestação jurisdicional célere e eficiente.

Nesse diapasão é que a referida comissão colocou como um de seus projetos prioritários o do desenvolvimento de um Plano Nacional de Capacitação Judicial, que integre as várias escolas judiciais brasileiras, especialmente as de âmbito nacional (CF, arts. 105, parágrafo único, I, e 111-A, § 2S, I), contribuindo para a otimizaçao de recursos, a maximização de experiências e a ampliação de ações formativas em todos os âmbitos.

Sob os primas jurídico e fático essa integração, com a coordenação do CNJ, é possível e necessária:

  1. cabe ao CNJ a coordenação do Poder Judiciário como um todo, incluindo os Tribunais Superiores, pois o CNJ, sob o prisma administrativo, só se subordina ao Supremo Tribunal Federal, como seu próprio nome o indica;

  2. as duas Escolas Nacionais de formação de magistrados, a ENFAM e a ENAMAT, estão subordinadas a dois Tribunais Superiores, quais sejam, o STJ e o TST;

  3. cada uma das duas Escolas Nacionais coordena separadamente sistemas de formação judicial que não abrangem todos os ramos do Judiciário (ficam fora a Justiça Eleitoral e a Militar) e que não têm se falado entre si, mas que poderiam aproveitar as experiências, tecnologias e recursos humanos e materiais, otimizando e racionalizando a atuação do Poder Judiciário nesse campo;

  4. apenas uma instância coordenadora que abrangesse todos os ramos do Judiciário poderia propiciar essa racionalização e otimizaçao de recursos, dando maior eficiência à capacitação tanto de magistrados como de servidores da Justiça;

  5. ademais, tendo em vista que o melhor controle disciplinar é o preventivo, justifica-se o investimento sério, continuado e coordenado na capacitação judicial, incluindo não só diretrizes administrativas e financeiras, mas um mínimo de diretrizes pedagógicas, voltadas a incutir nos novos juizes os princípios e virtudes judiciais que forjarão magistrados eticamente justos, tecnicamente competentes e administrativamente eficientes e céleres.

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Esse Plano Nacional de Capacitação Judicial, tal como concebido, discutido e aprovado pelo Plenário do CNJ em 22 de fevereiro de 2011, estabelece diretrizes mínimas para integração de todas as Escolas Judiciais brasileiras num Sistema, naquilo que é comum a todas elas, respeitadas as especificidades de cada ramo do Poder Judiciário pátrio. Ademais, abrange não apenas magistrados, mas também servidores, muitas vezes não contemplados com planos e ações formativas específicas, orgânicas e permanentes.

Convidadas em 11 de outubro de 2010 a participar dos estudos para a elaboração desse Plano, ENFAM e ENAMAT enviaram para as reuniões conjuntas (realizadas em 28.10 e 30.11.2010) suas assessorias técnicas, também tendo sido convidados e se feito presentes por suas assessorias o TSE e o STM. Merecem destaque os Drs. Francisco Paulo Soares Lopes e Cinthia Barcelos Leitão Fisher Dias, da ENFAM, André Luiz Cordeiro Cavalcanti, da ENAMAT, Juliana Deléo Rodrigues Diniz, da EJE/TSE, Stela Maris Akegawa Pierre do STM e Janaína Penalva, do CJF/CEJ, além dos representantes dos Tribunais para a discussão da formação de servidores: Drs. Wilmar Barros de Castro e Mônica de Jesus Simões, do STJ, Alessandra Silveira e Zélia Maria de Melo Silva, do TST. Colaboraram também no estudo e elaboração da proposta originária as assessorias técnicas do próprio CNJ: Drs. Adilson Medeiros da Silva, do Departamento de Gestão Estratégica, Selma Vera Cruz Mazzaro, da Coordenadoria de Gestão de Pessoas, e Diogo Albuquerque Ferreira, da Coordenadoria de Cursos a Distância.

As resoluções, estatutos e experiências da ENFAM e ENAMAT, trazidas pelas assessorias técnicas, abrangendo a Justiça Estadual, Federal e do Trabalho, nortearam a confecção do Plano, e serviram de ponto de partida para a integração também da Justiça Eleitoral e da Justiça Militar no Sistema. A construção desse plano demandou estudos que identificassem pontos comuns e dificuldades específicas, formando consensos em torno de ações concretas a serem desenvolvidas.

No final de 2010 e começo de 2011, quando a matéria passou a ser discutida pelo Conselho, com base na minuta oferecida pela Comissão de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas, por mim presidida e integrada pelos Conselheiros José Adónis Callou de Araújo Sá e Jefferson Kravchychyn, recebeu várias sugestões de acréscimos e aperfeiçoamentos, especialmente dos Conselheiros Walter Nunes, Morgana Richa, Felipe Locke e Jorge Hélio Chaves de Oliveira.

Algumas das diretrizes concretas estudadas e debatidas na elaboração desse plano, aproveitando a experiência dos vários ramos do Judiciário Nacional, foram: possibilidade de organização dos concursos de ingresso na carreira da magistratura federal em âmbito nacional, conduzidos

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pelas duas Escolas Nacionais de Magistratura (EMFAM e ENAMAT), tal como almejado no próprio Estatuto da ENAMAT e já vivenciado pelo Ministério Público do Trabalho;

- possibilidade de adoção do curso de formação inicial de

- magistrados como última etapa do concurso de ingresso na magistratura, verificando a aptidão e a vocação do candidato à magistratura, à semelhança do que já ocorre no âmbito de alguns Tribunais de Justiça;

- possibilidade da adoção de módulo nacional de formação inicial para os juizes federais, organizado pela EMFAM, à semelhança do que já ocorre no âmbito da Justiça do Trabalho com a ENAMAT;

• fixação de um currículo mínimo comum de matérias a serem ministradas nos cursos de formação de...

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