Sistema e ordenamento como fundamentos para a construção de normas nulificadoras

AutorRosmar Rodrigues Alencar
Páginas285-316
249
CAPÍTULO 4
SISTEMA E ORDENAMENTO COMO
FUNDAMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE
NORMAS NULIFICADORAS
4.1 Ordenamento e nulidades processuais penais
A diferença entre ordenamento e sistema é um dos pilares
para a construção das normas que giram em torno das nuli-
dades processuais conforme defendido neste estudo. Parte-se
da premissa de que o ordenamento está no nível dos enuncia-
dos. É ordenamento jurídico todo o corpo textual posto pelos
órgãos estatais e que não estejam revogados expressamente.
Cuida-se da matéria bruta que necessita de interpretação272.
272. Importante considerar, todavia, que Paulo de Barros de Carvalho fundamenta
a noção sistemática para o ordenamento jurídico, ao asseverar que, “a despeito de
tomar as variações terminológicas como precioso recurso para a construção da des-
critividade própria do discurso científico, não vejo como se pode negar a condição
de sistema a um estrato de linguagem tal como se apresenta o direito positivo.
Qualquer que seja o tecido de linguagem de que tratamos, terá ele, necessariamen-
te, aquele mínimo de racionalidade inerente às entidades lógicas, de que o ser
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
Para que tal ordenamento possa se amoldar ao pensa-
mento sistemático, é necessário que seja formado um conceito
de sistema capaz de, nas palavras de Claus-Wilhelm Canaris,
cumprir “uma função significativa na ciência jurídica”273. No
entanto, o sistema proposto neste estudo se distingue do alvi-
trado por Canaris, porque se reputa a necessidade de fecha-
mento e de certa rigidez da produção normativa no interior
do sistema para que a abertura não seja demasiada ao ponto
de autorizar manutenção de atos processuais penais viciados,
sob o argumento da necessidade de se relativizar as nulidades
processuais penais e de conferir celeridade ao processo.
A ideia axiológica do sistema apontada por Canaris é
correta para o processo penal se, e somente se, for apto a
conferir maior eficácia para o núcleo processual penal de ga-
rantias fundamentais dispostas na Constituição de 1988. Ao
contrário, sendo utilizado o argumento de abertura valorativa
do sistema para possibilitar limitações à defesa do imputado,
com redução de possibilidade de um processo justo, haverá
incompatibilidade de conteúdo das normas jurídicas constitu-
ídas com os direitos fundamentais constitucionais.
Para o processo penal, cuja finalidade principal é aqui
entendida como de proteção à liberdade do imputado, o res-
peito às formas é bastante caro. Daí a preferência por um
sistema mais seletivo e rigoroso, diferentemente de um siste-
ma aberto274, para evitar excessos punitivos. Isso não conduz
sistema é uma das formas. Pouco importa, aqui, se o teor da mensagem é prescriti-
vo, interrogativo, exclamativo ou meramente descritivo. A verdade é que o material
bruto dos comandos legislados, mesmo antes de receber o tratamento hermenêuti-
co do cientista dogmático, já se afirma como expressão linguística de um ato de fala,
inserido no contexto comunicacional que se instaura entre enunciador e enunciatá-
rio (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed.
São Paulo: Noeses, 2013. p.217).
273. CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na
ciência do direito. Tradução: Antonio Menezes Cordeiro. 3. ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2002. p.280.
274. O ponto de vista aqui adotado é contraposto aos fundamentos de Karl Larenz,
para quem o sistema interno não é “um sistema fechado em si, mas um sistema
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
necessariamente a retroceder a uma jurisprudência de con-
ceitos, porém a propor um procedimento formal para classi-
ficar as atipicidades e para extirpá-las do processo penal por
meio da incidência eficiente de normas jurídicas.
O que se almeja é conferir ao sistema mecanismo eficaz
para cumprir sua função de previsibilidade. Daí que, para o
direito processual penal comprometido com valores constitu-
cionais, as conclusões de Juarez Freitas podem ser acatadas,
mas com algumas reservas. Concordando com Canaris, o au-
tor pondera que “a decisão jurídica transcende à esfera da
lógica formal e subsuntiva em termos dedutivos”, apontando
não abarcar o formalismo “o fenômeno jurídico, ao menos em
toda a sua complexidade e extensão”. Sob o ponto de vista do
autor, porque “a dialeticidade é sinal inerente ao sistema ju-
rídico”, que influencia a elaboração de silogismos, “a eleição
ou hierarquização das premissas é que ocupa o lugar de des-
taque, diferentemente do que sucede na atuação do raciocínio
sob prisma lógico-formal”. É, em suma, a escolha que deter-
mina a construção lógica275.
Conquanto se possa anuir que, como regra, a decisão ju-
rídica (tomada na intelecção, ainda sem expressão em forma
de linguagem) preceda a fundamentação, cabe objetar que o
procedimento decisório, mormente em matéria criminal, não
pode correr o risco de se resvalar em arbítrio. A atribuição de
valores às premissas, sem critério previamente estabelecido
pode, por exemplo, justificar a manutenção de ato processual
viciado que, ao cabo, tenha o efeito de menoscabar direitos
fundamentais. Daí que a discordância, para sugerir neste es-
tudo um sistema operativamente fechado e com possibilidade
‘aberto’, no sentido de que são possíveis tanto mutações na espécie de jogo concer-
tado dos princípios, do seu alcance e limitação recíproca, como também a descober-
ta de novos princípios; seja em virtude de alterações da legislação, seja em virtude
de novos conhecimentos da ciência do Direito ou modificações na jurisprudência
dos tribunais” (LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução: José
Lamego. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009. p.693).
275. FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. São Paulo: Malheiros,
1995. p.36-37.
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