Sistema prisional brasileiro e a seletividade no tratamento das detentas gestantes, parturientes e lactantes

AutorSenhor Alexandre Bernardino Costa, Senhorita Claudiane Carvalho, Senhorita Lorena Santos
CargoProfessor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, UnB Doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais E-mail: abc.alexandre@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-3198-6058 / Doutoranda em Direito, Estado e Constituição pela Faculdade de Direito da UnB e membro do Comitê de Ética em Pesquisa em ...
Páginas131-157
Revista Direito.UnB |Revista Direito.UnB | Setembro-Dezembro, 2021, V. 05, N. 03 | ISSN 2357-8009 | pp. 131-150 Setembro-Dezembro, 2021, V. 05, N. 03 | ISSN 2357-8009 | pp. 131-150
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SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A SELETIVIDADE
NO TRATAMENTO DAS DETENTAS GESTANTES,
PARTURIENTES E LACTANTES
BRAZILIAN PRISON SYSTEM AND THE SELECTIVITY IN THE
TREATMENT OF PREGNANT, PARTURIENT, AND LACTANT INMATES
Alexandre Bernardino Costa
Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília,UnB
Doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais
E-mail: abc.alexandre@gmail.com
https://orcid.org/ 0000-0002-3198-6058
Claudiane Silva Carvalho
Doutoranda em Direito, Estado e Constituição pela Faculdade de Direito da UnB e
membro do Comitê de Ética em Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais (CEP/CHS)
E-mail: claudiane.carvalho@unb.br
https://orcid.org/0000-0002-0310-9672
Lorena Silva Santos
AAdvogada. Professora do Centro de Ensino Superior do Extremo Sul da Bahia (CESESB) - FACISA.
E-mail: lenalorenassantos@gmail.com
ORCiD: https://orcid.org/0000-0002-0783-111X
RESUMO
O artigo teve como propósito utilizar os pressupostos teóricos da criminologia crítica para analisar as
implicações da política criminal que reverbera a seletividade no sistema prisional feminino – especificamente
no encarceramento de mulheres gestantes, parturientes e lactantes. Metodologicamente optou-se pela
pesquisa bibliográfica, pautada epistemologicamente na lente decolonial de análise sobre os dados oficiais
disponibilizados por órgãos do Sistema Penitenciário Nacional, legislações, normativas, portanto, sobre a
heterogeneidade de práticas que se articulam e se realimentam ou se realinham para cumprir com os
anseios e lógicas do processo da colonização, a desumanização. Neste sentido, verificou-se que os eixos
de espoliação raça, gênero, classe e geração atravessam as mulheres grávidas e puérperas encarceradas
no Brasil, e que o exercício da maternidade diante dessa conjuntura é obstaculizado pelas políticas branco-
cis-heteronormativas que fundamentam o sistema e alcançam os filhos dessas mulheres em situação de
prisão, infringindo frontalmente o princípio constitucional da pessoalidade previsto no Art. 5º, inciso XLV,
remontando o mosaico colonial, cuja condição política (racial) era o único elemento fundante para os
efeitos da desumanização, sem distinção de gênero e geração.
Palavras-Chave: Sistema Prisional Brasileiro. Mulheres grávidas e puérperas encarceradas. Racismo
Institucional. Seletividade. Punitivismo.
Recebido: 25/03/2021
Aceito: 30/11/2021
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ABSTRACT
TheThe article aimed to use the theoretical assumptions of critical criminology to analyze the implications of
criminal policy that reverberates selectivity in the female prison system - specifically in the incarceration of
pregnant women, parturients and lactating women. Methodologically, bibliographic research was chosen,
based epistemologically on the decolonial lens of analysis on official data made available by bodies of the
National Penitentiary System, legislation, normative, therefore, on the heterogeneity of practices that are
articulated and re-aligned or re-aligned to comply with the desires and logic of the colonization process,
dehumanization. In this sense, it was found that the axes of spoliation race, gender, class and generation
cross pregnant women and puerperal women incarcerated in Brazil, and that the exercise of motherhood
in the face of this situation is hampered by the white-cis-heteronormative policies and reach the children
of these women in prison, head-on violating the constitutional principle of personality set out in Art. 5, item
XLV, going back to the colonial mosaic, whose political (racial) condition was the only founding element for
the effects of dehumanization, without distinction of gender and generation.
Keywords: Brazilian Prison System. Pregnant women and puerperal women incarcerated. Institutional
Racism. Selectivity. Punitivism.
1. Introdução
Em encarceramento como engrenagem de um longo processo de colonialidade, Em encarceramento como engrenagem de um longo processo de colonialidade,
evidencia a representação do sistema penal como o ponto fulcral no projeto colonial da evidencia a representação do sistema penal como o ponto fulcral no projeto colonial da
Modernidade (DUARTE, 2019), na continuidade das lógicas racistas forjadas no período Modernidade (DUARTE, 2019), na continuidade das lógicas racistas forjadas no período
colonial de desumanização do “outro”, fundamentadas na escravização como parte do colonial de desumanização do “outro”, fundamentadas na escravização como parte do
processo pelo qual o civilizado e o selvagem foram diferenciados para se implantar o processo pelo qual o civilizado e o selvagem foram diferenciados para se implantar o
projeto de dominação.projeto de dominação.
Neste sentido, uma das preocupações centrais deste estudo é evidenciar o Neste sentido, uma das preocupações centrais deste estudo é evidenciar o
crescimento exponencial da população feminina custodiada no Sistema Penitenciário crescimento exponencial da população feminina custodiada no Sistema Penitenciário
Brasileiro e, consequentemente, o aumento de mulheres grávidas e puérperasBrasileiro e, consequentemente, o aumento de mulheres grávidas e puérperas11 em em
situação prisional no país, sob a lente de análise decolonial, entendida esta em seu situação prisional no país, sob a lente de análise decolonial, entendida esta em seu
sentido amplo como a epistemologia que elucida a colonialidade do poder, do ser e do sentido amplo como a epistemologia que elucida a colonialidade do poder, do ser e do
saber baseada numa longa tradição de resistência das populações negras e indígenas. saber baseada numa longa tradição de resistência das populações negras e indígenas.
(BERNARDINO-COSTA, 2020). (BERNARDINO-COSTA, 2020).
Dados divulgados pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Dados divulgados pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias –
Infopen de dezembro de 2019 (BRASIL, 2021), mostram um novo aumento do número de Infopen de dezembro de 2019 (BRASIL, 2021), mostram um novo aumento do número de
mulheres privadas de liberdade no país. Após o grande aumento ocorrido no período de mulheres privadas de liberdade no país. Após o grande aumento ocorrido no período de
2000 a 2016 – o qual revelou que a população carcerária feminina teve um crescimento 2000 a 2016 – o qual revelou que a população carcerária feminina teve um crescimento
superior ao dobro do aumento da população carcerária masculina – o encarceramento superior ao dobro do aumento da população carcerária masculina – o encarceramento
feminino teve uma leve diminuição. Considerando-se que em 2016 o número de mulheres feminino teve uma leve diminuição. Considerando-se que em 2016 o número de mulheres
1 Seguindo a linha adotada por Braga e Angoti (2014, passin) foi utilizado o termo puérpera para se
referir às mulheres que têm filhos entre zero e seis meses, classificação utilizada pela equipe multidisciplinar
do Centro Hospitalar de São Paulo, onde fica parte das puérperas do estado.

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