Sistema Tributário Brasileiro e suas Similitudes com o Sistema Fiscal Português

AutorDaniel Castro Gomes da Costa
Páginas27-78

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2.1. Sistema Constitucional Tributário

A Constituição é a norma suprema de um Estado e consiste em um conjunto integrado de comandos normativos - postulados, princípios, regras - os quais devem ser interpretados e aplicados sistematicamente, pois servem de fundamento de validade para as demais normas que lhes são hierarquicamente inferiores: leis, decretos, resoluções e medidas provisórias.

Ao mesmo tempo, a Constituição é o fundamento de validade do Sistema Tributário no direito brasileiro, assim como também do direito português.

Nas palavras de Luís Roberto Barroso, a "constituição, já se teve oportunidade de assinalar, é um sistema de normas jurídicas. Ela institui o Estado, organiza o exercício do poder político, define os direitos fundamentais das pessoas e traça os fins públicos a serem alcançados."1Sendo a Constituição um conjunto integrado de princípios, regras e postulados que regem o Estado, sua estrutura e seus órgãos, ela deve ser interpretada de maneira contextual e sistemática para garantir os

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dogmas por ela estabelecidos em benefício do bem comum.2É o que chamamos de sistema constitucional3.

A Constituição brasileira de 1988 possuiu um corpo normativo, por meio do qual os princípios, as regras e os postulados que lhe servem de base para elaboração irradiam e dão significação, o que é denominado de sistema constitucional integrado.4Nesse espírito, André Ramos Tavares5aponta que o sistema constitucional é um somatório de normas, sendo catalogadas normas, regras e princípios. No mesmo sentido se pronuncia Nelson Nery Junior.6

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Usualmente, os vocábulos "princípios" e "postulados", "regras" e "normas" são comumente empregados como sinônimos. Contudo não o são, porquanto cada um deles é provido de própria significação, motivo pelo qual se torna necessária a diferenciação entre regras e princípios.

As regras consistem em normas descritivas, cuja aplicação dependem da análise da subsunção entre sua conceituação hipotética e os fatos, enquanto os princípios constituem normas finalísticas, cuja aplicação depende da análise da correlação entre "o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção", como ainda explica Humberto Ávila7.

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A diferenciação de ambos os institutos é muito explorada pela doutrina de José Joaquim Gomes Canotilho8e Humberto Ávila9, os quais, ao analisarem os estudos de pensadores pretéritos e contemporâneos, realizam tal distinção.

Com efeito, o termo "princípio", proveniente do vocábulo latino principium ou principii, significa o início, o começo, o ponto de partida. Nas palavras de Roque Antonio Carrazza, "Em qualquer Ciência, princí

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pio é começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo. Nessa medida, é, ainda, a pedra angular de qualquer sistema."10Na ciência do direito, os princípios são, portanto, os valores a partir dos quais se delineia todo um sistema jurídico de normas e com base nos quais devem ser interpretadas as demais regras jurídicas do ordenamento, e podem estar inseridos na Constituição ou nas leis que lhe são inferiores.

Muitos sentidos diversos estão vinculados à palavra "princípio" e podem ser atribuídos o significado ao ponto de começo de algo, ou seja, o início - princípio (caráter normativo): "significa norma que contém o inicio ou esquema de um órgão, entidade ou de programa, como são as normas que chamamos de "princípio institutivo" e de "princípio programático". Contudo, quando a palavra princípio é utilizada, por exemplo, no Título I da Constituição Federal do Brasil, traz o significado de "mandamento nuclear de um sistema."11Princípios são normas que exigem a realização de algo da melhor maneira imaginável, dentro da reserva do possível, e não exigem nada em termos de "tudo ou nada"12. Podem ser cumpridos em diferentes graus, a depender do contexto fático e/ou jurídico.13

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Os princípios caracterizamse ainda, por: a) estabelecer um "estado de coisas" vinculado à graduação comportamental, possuindo uma finalidade jurídica relevante; b) interpretação e aplicação, demandando a análise do caso concreto, correlacionando o estado de coisas (finalidade) e os efeitos decorrentes da conduta tida como necessária; c) serem complementares e parciais, tendo caráter acessório contributivo, sem gerar uma solução específica e, tão somente, contribuindo para a decisão.14José Augusto Delgado delimita os princípios em diversas qualidades de normas, por considerar que uns possuem maior grau de abstração que outros e podem ser ajustados em inúmeras situações, o que os transforma em objeto de aplicação, sendo uns destinados ao Poder Público, outros aos jurisdicionados, podendo consistir um estado ideal de coisas a ser buscado, mandados de otimização, outras com o fim de compatibilizar com outros princípios, finalísticas.15Notamos que os princípios, detentores de maior grau de abstração e generalidade - teoria clássica16-, são valores a serem considerados no

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momento de interpretação das demais normas, já que lhes dão significação e possibilitam mais amplitude interpretativa do direito material, relacionandoo, e, principalmente, adequandoo às normas presentes no ordenamento jurídico.

Tanto a Constituição brasileira quanto a portuguesa são dotadas de princípios expressos ou explícitos, ou seja, que fazem parte de sua estrutura, que decorrem do regime e sistema por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que tenha sido signatária, todos refletindo os valores e dando acepção jurídica aos textos normativos.

São exemplos de princípios explícitos inseridos na Constituição brasileira de 1988: o princípio da separação dos poderes (art. 2º)17; os princípios que regem as relações internacionais do Brasil (art. 4º)18; o princípio da igualdade (art. 5º, caput)19; os princípios que regem as atividades da Administração Pública (art. 37)20; os princípios constitucionais tributá

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rios (art. 150 a art. 152); os princípios que regem a ordem econômica (art. 170)21.

Já no que toca à Constituição portuguesa, há diversos exemplos de princípios explícitos, como princípio do Estado de Direito, Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (artigo 1), Princípio da Igualdade (artigo 12 e seguintes), Princípios da Socialidade (artigo 63 e seguintes), princípios que regem a organização econômica (artigo 80 e seguintes), princípios que regem o sistema financeiro e fiscal (artigo 101 e seguintes) e princípios que regem a organização dos tribunais (artigo 209 e seguintes).

Superando as características específicas direcionadas aos princípios, verificamos que tanto as regras quanto os postulados estão estritamente ligados àqueles para a formalização do sistema constitucional.

Do mesmo modo, José Joaquim Gomes Canotilho22divulga que as regras "são normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer excepção (direito definitivo)".

Norma, de tal modo, é o sentido ou significado que se extrai da leitura de uma disposição legal. Também nas palavras de Canotilho23, "é o sentido ou significado adscrito a qualquer disposição (ou a um fragmento de disposição, combinação de disposições, combinações de fragmen

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tos de disposições). Disposição é parte de um texto ainda a interpretar; norma é parte de um texto interpretado.

E, conforme sopesado, norma é um gênero do qual as regras e princípios são espécies.24Validamente, as regras jurídicas podem ser definidas como disposições jurídico constitucionais, legais e regulamentares que carregam em si normas jurídicas em sentido amplo. José Augusto Delgado delimita que as regras são determinações objetivas, com aplicação restrita, cria obrigações, permissões e proibições mediante a descrição da conduta a ser cumprida.25Nesse sentido, Humberto Ávila aduz que "As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes,

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entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos."26Já os postulados normativos são as normas que definem a metodologia a ser utilizada para a aplicação de outras normas e, por isso, chamados de metanormas.27São normas de segundo grau que não impõem um fim ou um comportamento específico, mas estruturam o dever de realizálo. Ou seja, são descrições estruturantes da aplicação de outras normas cuja função é otimizar e efetivar princípios e regras. Os postulados não se confundem com os princípios nem com as regras, porque não buscam um "fim" nem estabelecem uma "conduta".28Ou seja, são diretrizes direcionadas ao intérprete da norma e sempre implicam a existência de outras normas que lhe constituem o objeto, no caso as regras e princípios, objetos da aplicação dos postulados.29Os princípios irradiam comandos normativos e tem sentido efetivo. Já os postulados não são provados e/ou demonstrados, são apenas objetos de consenso e permitem a aceitação de uma ou mais teorias que resultam, muitas vezes, em edição de leis.

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Como exemplos de postulados de natureza constitucional...

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