Sistemas jurídicos e sistemas de direito

AutorArthur José Jacon Matias
Ocupação do AutorMestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público
Páginas15-51
Precedentes: Fundamentos, Elementos e Aplicação 15
Capítulo I
Sistemas jurídicos e sistemas de direito
1 A acepção filosófico-histórica de sistema jurídico: os
sistemas jurídicos enquanto famílias do direito
1.1 Considerações preliminares
Como adverte Miguel Reale, no âmbito das ciências da
natureza, as palavras, invariavelmente, têm um signi cado claro
e patente, que evita confusões ou distorções. Para aqueles que
militam nesses territórios epistêmicos, os termos utilizados são
antecipadamente de nidos, mediante consensos terminológicos
a respeito da linguagem matemática ou de símbolos convencio-
nais. Coisa bem diferente acontece em relação às ciências do
espírito, vale dizer, aquelas nas quais o horizonte de projeção
consiste no estudo do comportamento humano, havendo assim
coincidência entre o sujeito cognoscente e o objeto cognoscível.
Nesse campo do conhecimento, as palavras contemplam uma
multiplicidade de sentidos:
Por serem as palavras cujas raízes se aprofundam no mundo con-
traditório dos interesses e das experiências humanas; por estarem
sempre na funcionalidade das forças inovadoras que pretendem
subordinar a regularidade dos fenômenos naturais à pauta de  ns
almejados; por re etirem, em suma, todas as aporias da existênc ia
humana, em uma incessante experiência de estimativas, as “palavras
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Arthur José Jacon Matias
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cardeais” da cultura e da civilização (liberdade, justiça, igualdade
etc.), todas elas não comportam a unicidade peculiar às coisas
neutras para o mundo dos valores.1
Estabelecido o pressuposto da multiplicidade de signi-
cados que no campo das ciências do espírito os termos podem
conter, é lícito inferir não ser possível, do ponto de vista epis-
temológico, estudar algum sistema jurídico sem antes com-
preender o que é um sistema jurídico, e quais os pontos de
vista que preenchem esse conceito. Não se pode sair a falar
em sistemas jurídicos impunemente, pois a expressão contém
diversos sentidos, que não são intercambiáveis. É preciso
escapulir da armadilha acadêmica denunciada por J. J. Gomes
Canotilho: “Não raro acontece que se dá por ensinado aquilo que
nunca se ensinou e se consideram apreendidas coisas nunca
explicadas”.2 Este livro abordará a temática dos precedentes
judiciais, e sua relevância dentro dos sistemas jurídicos que
dominam o mundo ocidental. Antes de usar a expressão sistema
jurídico, é necessário explicar sob que acepção se dá seu emprego.
É esta a nalidade deste tópico.
1.2 O direito romano-germânico
Realmente, é bastante disseminada a noção segundo a qual
o direito pode ser dividido conforme a diversidade dos sistemas
jurídicos. Estes, por sua vez, são ordinariamente identicados
pelas fontes de onde manam as normas jurídicas, ou pela forma
como se estrutura um sistema de normas que preside a vida em
sociedade, as relações dos membros da sociedade com o Estado,
e, nalmente, a forma como o Estado se organiza e realiza as
atividades a ele atribuídas.
1 REALE, Miguel. Filosoa do Direito. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 498.
2 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1995, p. 4.
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Por isso se fala, por exemplo, em direito romano-germânico
e em direito anglo-americano. Ambos podem representar, com
alguma clareza, o que seriam os dois sistemas jurídicos paradig-
ticos do mundo civilizado, sendo certo que essa divisão decorre
da substancial diferença que se pode identicar na estrutura lógica
sobre a qual cada um desses sistemas é edicado.
O direito romano-germânico caracteriza-se por considerar
que as normas jurídicas se originam de um órgão do Estado con-
gurado especialmente para fabricá-las, sendo certo que, grosso
modo, apenas as normas provenientes desse órgão são capazes
de regrar, do ponto vista abstrato e geral, a vida em sociedade,
a estrutura estatal, e as funções que competem a esta estrutura.
O direito gravita em torno da lei, em seu sentido formal. Apenas a
lei pode criar, modicar ou extinguir direitos. Somente ao Poder
Legislativo regularmente exercido, de acordo com uma divisão
de competências constitucionalmente estabelecida, é conferido
o poder de inovar no ordenamento jurídico.
A lei, considerada lato sensu, é aparentemente, nos nossos dias, a
fonte primordial, quase exclusiva do direito nos países da família
romano-germânica. Todos esses países surgem como sendo países
de direito escrito; os juristas procuram, antes de tudo, descobrir as
regras e as soluções do direito, estribando-se nos textos legislativos
ou regulamentares emanados do parlamento ou das autoridades
governamentais ou administrativas.3
Contudo, a plenipotência da lei como única fonte aceitável
do direito não seria mais que um mito. A crença presta-se mais
para permitir que países de família jurídica diferente compreendam
com maior facilidade a prática dos países de direito continental,
prática essa em que, mediante o emprego de métodos de inter-
pretação, se descobre a solução que, para cada caso concreto,
pretendeu dar o legislador.
3 DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. São Paulo: Martins
Fontes, 2002, p. 112.
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