Sistemas Plurais de Direito: desde Práticas Sociais e Insurgências Latino-Americanas

AutorAntonio Carlos Wolkmer - Débora Ferrazzo
CargoPesquisador nível 1-A do CNPq e consultor Ad Hoc da CAPES - Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Páginas47-75
Direito, Estado e Sociedade n. 48 p. 47 a 75 jan/jun 2016
Sistemas Plurais de Direito: desde Práticas
Sociais e Insurgências Latino-Americanas*
Plural Legal Systems: from Social Practices and
Latin-American Insurgencies
Antonio Carlos Wolkmer**
Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis-Santa Catarina, Brasil
Débora Ferrazzo***
Universidade Federal do Paraná, Curitiba-Paraná, Brasil
1. Introdução
A formação social do continente latino-americano é caracterizada por uma
grande diversidade de sistemas e culturas, existentes tanto nos povos ori-
ginários quanto nas comunidades que foram se constituindo ao longo dos
* O artigo que aqui se apresenta constitui resultado parcial do Projeto de Pesquisa “Pluralismo Jurídico, In-
terculturalidade e Constitucionalismo na América Latina”, cadastrado em 2014 na plataforma do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científ‌ico e Tecnológico (CNPq), bem como, resultado de visita realizada
à Bolívia, profícua interlocução com pesquisadores e juristas do país, além de pesquisas teóricas desenvol-
vidas no âmbito da pós-graduação da UFSC e do Núcleo de Estudos e Práticas Emancipatórias (NEPE) ao
longo dos últimos anos.
** Pesquisador nível 1-A do CNPq e consultor Ad Hoc da CAPES. Professor dos Programas de Pós-Graduação
do UNILASALLE-RS e da UFSC, bem como do Mestrado em Direitos Humanos da UNESC. Doutor em
Direito. Professor visitante de cursos de pós-graduação em várias universidades do Brasil e do exterior
(Argentina, Peru, Colômbia, Chile, Venezuela, Costa Rica, Porto Rico, México, Espanha e Itália). Membro
do Grupo de Trabalho CLACSO: “Crítica Jurídica Latinoamericana, Movimientos Sociales y Procesos Eman-
cipatórios”. E-mail: acwolkmer@gmail.com.
*** Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR); Mestra em Direito pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora no curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Cata-
rinense (UNESC). Integrante do Núcleo de Estudos e Práticas Emancipatórias (NEPE/UFSC) e do Núcleo
de Pesquisas em Desenvolvimento Regional (FURB). Pesquisadora no Grupo de Pesquisas em Pensamento
Jurídico Crítico Latino-americano (UNESC). E-mail: dferrazzo@hotmail.com.
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Direito, Estado e Sociedade n. 48 jan/jun 2016
Antonio Carlos Wolkmer
Débora Ferrazzo
séculos, pelo ingresso de trabalhadores escravos e de novos colonizadores a
serviço das metrópoles. No âmbito jurídico, equivale a dizer que existe um
pluralismo jurídico, materializado na coexistência de diversos sistemas, al-
guns de caráter popular e democráticos, outros mais voltados à reprodução
de relações de dominação. Mas, há de fato, uma signif‌icativa pluralidade
de sistemas jurídicos que coexistem e eventualmente se opõem ao direito
of‌icial. Esta realidade é categoricamente demonstrada nas recentes Cons-
tituições que reconhecem o pluralismo jurídico em seus âmbitos, como é
o caso da Bolívia (2009). No país, povos indígenas, que há séculos vêm
resistindo e preservando suas tradições, inclusive seus sistemas jurídico-
-políticos, organizaram-se enquanto movimentos sociais para reivindicar,
e assim, lograram sucesso na constitucionalização dos referidos sistemas.
Em uma perspectiva pautada no compromisso com as aspirações po-
pulares, não escapa a percepção de que o sistema jurídico of‌icial, o mo-
nismo estatal, esteve sempre subordinado a interesses da tradição elitista,
negligenciando as necessidades de segmentos majoritários e violentando,
em um nível inclusive ontológico, a diversidade cultural do continente, na
busca pela concretização do projeto universalizante, um projeto que con-
duz a um único paradigma – o eurocêntrico –, negando o mosaico social
que forma a América Latina.
Nas últimas décadas, entretanto, fortaleceu-se de modo vertiginoso a
consciência e a mobilização social, eclodindo em diversas etapas transfor-
madoras no continente, em especial, na região andina (representada pelo
Equador e Bolívia). Tais processos culminaram na edif‌icação legítima e
democrática do poder político e nas mudanças das instituições of‌iciais, le-
gadas pela cultura jurídico-política colonizadora (tradição europeia). Estas
transformações são verif‌icadas tanto no âmbito jurídico, estritamente con-
siderado, quanto no âmbito político, e são marcadas por distintos níveis de
consolidação, enfrentando desaf‌ios, mas também apresentando fórmulas
profícuas para um projeto descolonizador. A discussão acerca destes pro-
cessos é fundamental, uma vez que permite, não somente a identif‌icação
de novos paradigmas que podem apontar a outras formas de compreender
e realizar o direito – libertando-o da matriz formalista e universalista –,
mas, sobretudo, contribuir na conscientização acerca dos riscos de reco-
lonização das conquistas democráticas celebradas pela sociedade latino-a-
mericana. É certo que tal debate não pode ser esgotado nas incursões que
se seguirão, mas, ainda assim, pretende-se apresentar um aporte crítico,

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