Sistematização das deduções relacionadas aos direitos fundamentais e à praticabilidade tributária

AutorFernando Ferreira Castellani
Ocupação do AutorDoutor e Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP
Páginas151-210
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CAPÍTULO VI
SISTEMATIZAÇÃO DAS DEDUÇÕES
RELACIONADAS AOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS E À PRATICABILIDADE
TRIBUTÁRIA
A capacidade contributiva, como visto, é um princípio
importante, contextualizado e complementado por uma série
de outros princípios e regras.
Inexistirá, ou, ao menos, deveria inexistir, qualquer tri-
butação sobre a faixa de renda relacionada à manutenção da
prévia e efetiva garantia do mínimo existencial ou vital. Tais
valores são inatingíveis pela tributação, ao menos se respeita-
dos a essência e o conteúdo de tal princípio.
Resta analisar, buscando elementos para a sistematiza-
ção de identificação de tais valores, o perfil do consumo da
família e do cidadão, para, ao menos de forma geral, traçar
um adequado modelo para as deduções aplicáveis ao imposto
sobre a renda da pessoa física.
Passemos a isso.
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O IMPOSTO SOBRE A RENDA E AS DEDUÇÕES DE
NATUREZA CONSTITUCIONAL
6.1. O mínimo existencial e o mínimo existencial digno
Discorre-se, de maneira constante, sobre a necessidade
de o Estado garantir, ao cidadão, uma série de direitos e de
garantias mínimas, não apenas no campo jurídico, mas princi-
palmente de maneira efetiva, ou seja, no dia a dia das famílias.
Fala-se, então, na garantia de uma vida com dignidade.
A Constituição Federal, em seus artigos iniciais, assim
dispõe:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união in-
dissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, consti-
tui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
II — a cidadania;
III — a dignidade da pessoa humana;
(...)
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil:
I — construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II — garantir o desenvolvimento nacional;
III — erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desi-
gualdades sociais e regionais;
IV — promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
216
É transparente a determinação constitucional para a bus-
ca, pelo Estado, da garantia do exercício de uma cidadania
digna. Percebe-se, mais que isso, que o Estado deverá tomar
medidas concretas para a busca da existência de condições
mínimas de sobrevivência com dignidade, sem deixar de
atentar para o desenvolvimento nacional.
A definição dessa parcela da riqueza ou patrimônio
deveria, ao menos em tese, obedecer a um critério inicial,
216. CF, arts. 1º e 3º.
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FERNANDO FERREIRA CASTELLANI
nitidamente objetivo. Natural que se pense na natureza do
bem objeto de proteção, sob o prisma da sua essencialidade e
relação com a garantia dos direitos mínimos e das necessida-
des elementares.
Clara a relação, nesse aspecto, do mínimo essencial e o
princípio da seletividade, aplicável, principalmente, aos im-
postos sobre o consumo (ICMS e IPI). Nesses impostos, tra-
balha-se com a variação de alíquotas a partir da análise da
essencialidade ou não do produto, em uma relação de propor-
ção inversa. Com isso, se tributa de maneira mais intensa o
produto menos essencial, e de maneira menos intensa, o mais
essencial.217
217. O princípio da seletividade tem uma nítida vertente extrafiscal, no sentido de
pretender agir como elemento indutor na prática ou na abstenção de condutas.
Apesar disso, nos impostos sobre o consumo, em especial, ao definir como critério
definidor da variação a essencialidade dos produtos, acaba por mensurar, ainda
que de forma presumida e geral, a capacidade contributiva da faixa de consumo e
do respectivo consumidor. “No ápice da escala, a sofrer incidência pelas maiores
alíquotas encontram-se os produtos de luxo, que por definição se tornam menos
úteis e não essenciais ao consumo do povo, restringindo-se às necessidades das
classes mais abastadas. (TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional,
financeiro e tributário, Vol. III: Os direitos humanos e a tributação: Imunidades e
isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 441). O conceito de seletividade, contu-
do, é um conceito aberto e indeterminado, de forma que a legislação e a doutrina
poderão atribuir diferentes significados e conteúdos. “Essencialidade não é, entre-
tanto, conceito determinado. Surge, no texto constitucional, de forma aberta, po-
dendo ser preenchido, a par das questões oriundas da justiça distributiva, igual-
mente por forças de ordem estrutural. Não parece impróprio, nesse sentido,
entender ‘essencial’ um equipamento que possa modernizar o parque industrial,
motivando, daí, alíquota seletiva mais reduzida que outro equipamento poluente,
cuja produção se deseje desestimular.” (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributá-
rio. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 385). O autor ainda cita Ruy Barbosa Nogueira, na
seguinte passagem: “Quando a Constituição diz que esse imposto será seletivo em
função da essencialidade dos produtos, está traçando uma regra para que esse tri-
buto exerça não só função de arrecadação mas também de política fiscal, isto é, que
as suas alíquotas sejam diferenciadas, de modo que os produtos de primeira neces-
sidade não sejam tributados ou o sejam por alíquotas menores; os produtos como
máquinas e implementos necessários à produção, produtos de combate às pragas e
endemias etc., também sofram menores incidências ou gozem de incentivos fiscais;
produtos de luxo ou suntuários, artigos de jogos ou vícios etc., sejam mais tributa-
dos. Este é o sentido da tributação de acordo com a essencialidade.” (NOGUEIRA,
Ruy Barbosa. Direito financeiro: Curso de direito tributário. 3. ed. São Paulo: José
Bushatsky, 1971, p. 90).
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