O estado e a soberania

AutorCarlos Roberto Husek
Ocupação do AutorDesembargador do TRT da 2ª Região Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro da Academia Paulista de Direito, Membro da Comunidade de Juristas da Língua Portuguesa
Páginas205-212

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1. Noção de soberania

A noção de soberania está intimamente ligada ao Estado, à plenitude do Poder Público, ao exercício do mando. Vem do latim superomnia, ou superanus, ou, ainda, de supremitas, caráter dos domínios que não dependem senão de Deus, como explana Machado Paupério137.

Duas ideias caracterizam a soberania: a supremacia interna e a independência da origem externa.

É a qualidade do absoluto, daquele que não necessita de nenhum outro. Jellinek afirma que a soberania é uma propriedade não suscetível nem de aumento, nem de diminuição138.

Será que essa é uma ideia condizente com o mundo moderno, que cada vez mais se mostra dependente em suas divisões político-administrativas?

Queirós Lima afirma o caráter negativo da soberania, conceituando-a como a impossibilidade para o Estado de ter seu poder limitado por outro qualquer, tanto nas relações internas como nas externas, ou seja, todo Estado vencido que se vê forçado a aceitar as condições impostas pelo vencedor deixa, nesse momento, de ser soberano, perde essa qualidade139.

Na sua concepção clássica, a soberania tem os atributos da unidade, indivisibilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade. Pela unidade, há que se entendê-la uma só - dentro de determinada ordem não haveria mais de uma soberania. A segunda característica significa que ela não é divisível, podendo, portanto, haver delegação de poderes. Na terceira, se expressa sua intransferibilidade. Sua renúncia não é possível. Finalmente, pela última característica, a soberania é eterna140.

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Tal concepção de soberania de há muito não tem mais razão de ser. Já mesmo para Grotius, no De Jure Belli ac Pacis, a soberania era limitada pela lei divina, pela lei natural, pela lei das nações e pelos pactos celebrados entre governantes e governados.

As concepções mais modernas reconheceram na soberania uma qualidade que vinha do povo, e as Constituições de diversos países assim consignaram (EUA, Argentina, Brasil, Cuba, México, Alemanha, Finlândia, Áustria, etc.).

Kelsen igualou o Estado e o Direito e entendeu a soberania como qualidade de uma ordem que deve sua qualidade a uma ordem superior.

Não é estranho, pois, que se veja a soberania sem a qualidade de absoluta, visto que muitos assim a enxergam.

Intimamente ligada ao Estado, a soberania e este formam um binômio - Estado/soberania - que está na origem dos grandes acontecimentos mundiais.

Na ordem interna, o Estado sempre foi soberano; mas, na ordem internacional tal não ocorre com a mesma intensidade, porque o Estado, nesta, está em igualdade com os demais, embora essa igualdade seja apenas jurídica, como ensina Celso Bastos141.

A palavra "Estado", por sua vez e conforme Pontes de Miranda, apareceu para marcar a passagem da organização política medieval para as formas estatais transcendentes à land, à terra.

Ainda é o nosso jurista e professor que ensina ser o Estado cientificamente composto de relações morais, jurídicas, políticas, estéticas, econômicas, de moda, linguísticas, e não pode ser encarado como coisa ou, tal qual o fazia o realismo ingênuo, como um simples nome.

Não se pode olvidar, no entanto, que, além dessas relações que o compõem, o Estado é algo mais que coordena, normatiza e imprime o ritmo e, às vezes, o conteúdo de tais interações.

O Direito Internacional, apesar da integração e globalização, firma a soberania do Estado. A própria Carta da ONU estabelece em seu art. 2º, § 1º que: "A organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros". Também, a Carta da OEA, em seu art. 3º-F, afirma o respeito à personalidade, à soberania e à independência do Estado. Na verdade, a soberania representa a autonomia interna do Estado de resolver a vida em seu território; em relação à vida internacional o Estado é independente, e em certas situações interdependente.

O Brasil tem como fundamento a soberania (art. 1º, I da CF); mas, rege-se nas relações internacionais com independência (art. 4º, I da CF). O vocábulo "independência" (princípio da independência) significa, na área internacional,

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que o Estado tem sua personalidade; todavia, admite a personalidade de outros Estados, motivo pelo qual vive numa sociedade internacional. Tal sociedade não poderia se basear na soberania absoluta dos Estados (princípio da soberania), porque isto levaria ao caos.

A soberania é o poder absoluto. Considerada sob esse aspecto, a sociedade internacional estaria fadada a não dar certo, porque cada Estado apenas consideraria como certas as suas ações.

O conceito de soberania na Constituição Brasileira aparece dentre outros nos seguintes dispositivos: arts. 1º, I, 14, 91, 170, I e 231, § 5º. Trata-se de um conceito jurídico-positivo, como afirma José Souto Maior Borges: "Naquilo que não contrapuser ao regime constitucional positivo, a doutrina tradicional da soberania deve ser descartada. Por mais indeterminado que constitucionalmente seja, o de soberania é um conceito jurídico-positivo ou, mais especificamente, de direito constitucional. E, no Brasil, o âmbito de referibilidade da soberania, enquanto categoria jurídico-positiva, é a ordem interna".142

Em vista dessas concepções, fala-se em soberania do Estado, em soberania relativa, expressão equivocada, ou independência, na órbita internacional, e com base nesta mesma realidade (internacional) fala-se em interdependência, quando se focaliza principalmente o aspecto econômico.

Assim, não seria absurdo considerar que um Estado soberano tem independência na vida internacional e é para determinados fins...

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