Social contestation movements in Ibero-European and North American Social Work from 1960 to 1980/Os movimentos contestatorios no Servico Socialiberoeuropeu e da America do Norte no periodo de 1960 a 1980.

AutorEiras, Alexandra A.L.T.S.
CargoTexto en portugues

Introducao

Neste artigo--em ambito preliminar--, apresentamos parte da bibliografia identificada em nossa pesquisa (1) acerca do Servico Social na Europa ibera (Portugal e Espanha) e na America do Norte (EUA e Canada), no periodo de 1960 a 1980, tendo como referencia e possivel interlocucao o Movimento de Reconceituacao do Servico Social na America Latina (MRLA), cuja datacao historica consensual na bibliografia sobre o tema remete ao periodo de 1965 a 1975 (NETTO, 1991; ALAYON, 2005; FALEIROS, 2005). Tal movimento, em nossa compreensao, expressou o novo posicionamento etico e politico do Servico Social, alinhado as lutas progressistas e aos novos referenciais teorico-metodologicos que buscaram superar as referencias utilizadas pelo Servico Social tradicional.

Servico Social tradicional: a pratica empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada dos profissionais, parametrada por uma etica liberal-burguesa e cuja teleologia consiste na correcao--desde um ponto de vista claramente funcionalista--de resultados psicossociais considerados negativos ou indesejaveis, sobre o substrato de uma concepcao (aberta ou velada) idealista e/ ou mecanicista da dinamica social, sempre pressuposta a ordenacao capitalista da vida como um dado fatual ineliminavel. (NETTO, 1991, p. 118).

O debate sobre o MRLA e polemico; ha divergencias que manifestam, inclusive, a particularidade desse processo em cada pais onde destaca damente o movimento se expressou: Argentina, Uruguai, Chile e Brasil. Mas, na bibliografia sobre o tema, ha uma convergencia: o MRLA e compreendido como um movimento heterogeneo, no qual emerge um posicionamento etico-politico que se compromete com a realidade social da America Latina e explicita o lugar do Servico Social na reproducao das desigualdades sociais, bem como sua funcao social, implicacao sociopolitica e valores ideologicos, com pretensao de intervir na alteracao dessa realidade. Desse modo, os trabalhadores sociais (assistentes sociais) questionam a neutralidade tecnica, recusam a importacao de referencias norte-americanas e combatem a "tecnica transplantada". Simultaneamente, buscam construir referencias latino-americanas para a acao profissional. Ha tambem uma construcao que transcende os paises, que se expressa na criacao de organizacoes de trabalhadores sociais de carater latino-americano, como a Asociacion Latinoamericana de Ensenanza en Trabajo Social (Alaets) e o Centro Latinoamericano de Trabajo Social (Celats), que impactam sobre a organizacao dos assistentes sociais no continente, bem como na elaboracao e divulgacao das novas referencias produzidas pelo MRLA. Ha relacao entre o MRLA e os processos de lutas e enfrentamentos sociais na particularidade de cada pais, os quais interpelam o Servico Social, assim como articulacoes progressistas que resistem aos processos repressivos, implementados atraves de ditaduras civis-militares em diferentes periodos Brasil, 1964; Uruguai, 1972; Chile, 1973; Argentina, 1976. Essas ditaduras foram heterogeneas, bem como suas resistencias (MOLJO, 2005). A vinculacao do Servico Social com esse processo diretamente ou com suas demandas constitui os fundamentos socio-historicos de alteracao das bases para o novo posicionamento etico-politico.

Ao questionar seus referenciais, a profissao assume as inquietacoes e insatisfacoes de uma conjuntura historica de intenso movimento politicocultural, que reune profissionais, intelectuais, trabalhadores e segmentos medios e das classes populares em torno da luta anti-imperialista na defesa de projetos de transformacao social. Nesse contexto destacam-se as transformacoes da Igreja Catolica, agora sob a egide do Concilio Vaticano II (1962), dando origem a chamada Teologia da Libertacao, que ira interferir nas lutas contestatorias que marcaram o continente neste periodo historico.

E no bojo deste movimento e em seus desdobramentos historicos que se definem e se confrontam diferentes tendencias na profissao, as quais incidem nos seus fundamentos teoricos e metodologicos e na direcao social de sua intervencao. Marcam esse processo as experiencias de grupos de assistentes sociais, vinculados a esquerda catolica e a outros grupos politicos de esquerda, aos projetos de educacao de base e de organizacao popular em comunidades urbanas e rurais, inspirados pela educacao para a libertacao e pelo metodo de alfabetizacao de Paulo Freire.

Por outro lado, o Servico Social tradicional latino-americano recebeu influencia direta e sustentava-se nas producoes europeias (franco belgas) (2) e norte-americanas. A tradicao franco-belga resultou de influencias da Escola de Servico Social de Bruxelas, que oferecia um curso de Servico Social voltado para a acao social. Esta, por sua vez, recebeu influencia do cardeal Mercier e das Ligas Operarias Femininas, cuja perspectiva era a acao social. Na Franca, a formacao em Servico Social era oferecida pela Escola Normal Social de Paris (primeira escola de Servico Social da Franca, criada em 1911) e na Escola Superior de Estudos Sociais do Instituto Catolico de Paris.

E necessario assinalar que esta matriz se encontra na genese da profissao em quase toda a America Latina, embora com particularidades diversas e coexistindo com outras tendencias, como, por exemplo, na Argentina e no Chile, onde vai somar-se ao racionalismo higienista (3).

A influencia norte-americana inicia-se em 1941, quando foram concedidas bolsas de estudos a professores de escolas da America, que vao se aprimorar nas abordagens profissionais desenvolvidas no ambito da matriz positivista, na perspectiva de ampliar os referenciais tecnicos para a profissao. Este processo reitera, para a profissao, o caminho do pensamento conservador pela mediacao das Ciencias Sociais.

No decorrer do MRLA, houve uma recusa e uma busca de superacao das referencias teoricas tradicionais. Foi um momento impar em termos de unidade e diversidade acerca dos questionamentos das bases conservadoras do Servico Social, que suscitou diferentes debates e elaboracoes teoricas nos distintos paises latino-americanos.

A elaboracao de novas referencias no Servico Social latino-americano, sustentadas na perspectiva critica, com aproximacoes a tradicao marxista, expos uma nova perspectiva para apreensao e analise da profissao e de suas demandas socio-historicas. Nesse periodo, observamos um protagonismo do Servico Social latino-americano na construcao de novos posicionamentos e novas referencias, distanciando-se e questionando as referencias teoricas europeias e norte-americanas (EIRAS; SANTOS, 2017).

Contudo, sabemos que tanto na America do Norte como na Europa (Inglaterra, Reino Unido, Espanha, Portugal, Alemanha, dentre outros) houve movimentos contestatorios reformistas ou revolucionarios que influenciaram o Servico Social nesses paises, abrindo novos horizontes e novas vinculacoes etico-politicas. Alem disso, a bibliografia indica a emergencia ou ativacao do Servico Social critico e/ou radical nesse periodo nesses paises.

Desse modo, indagamos sobre o contexto em que essas referencias emergem, quais sao suas origens e vinculacoes, a relacao entre essas expressoes e os movimentos contestatorios do periodo, em quais canais essa perspectiva se expressa (formacao, producao academica, exercicio profissional), o que estao considerando por Servico Social critico e/ou radical, bem como a natureza e conteudo dessa critica.

No esforco preliminar de responder as perguntas que deram origem a este estudo, este artigo estrutura-se em dois topicos. No primeiro, apresentamos um panorama das questoes historico-economicas e dos movimentos contestatorios politico-sociais relevantes no periodo analisado (1960 a 1980). No segundo, indicamos os movimentos do Servico Social critico ou radical--suas referencias etico-politicas e teorico-metodologicas, as quais o diferenciam do Servico Social tradicional naqueles paises (EUA, Canada, Portugal e Espanha). Apontamos, quando pertinente, as interlocucoes desses movimentos/producoes com o MRLA.

  1. Panorama historico-economico e movimentos contestatorios (1960 a 1980)

    Como sabemos, os anos de 1960 foram decisivos para grandes transformacoes no mundo em todos os dominios. A particular conjuntura dessa decada assinala redefinicoes da ordem capitalista internacional e uma crise de fundo da "civilizacao urbano-industrial", que se irradia por todas as esferas da vida social. Uma referencia emblematica desse contexto e o "maio de 1968", expressao de uma fenomenal conjugacao de fatores e predisposicao cultural e politica para as mudancas que colocam em xeque a ordem burguesa e o conjunto de suas instituicoes. Na America Latina, esse processo se cruza com expectativas de mudanca desencadeadas a partir da Revolucao Cubana.

    Uma das questoes centrais em nossa abordagem nesta pesquisa remete ao processo de reproducao social da ordem capitalista no periodo analisado. Naquele momento, o capitalismo se expressa como modo de producao/reproducao consolidado, que possui como antagonista o socialismo real vinculado a URSS. A bipolarizacao do mundo, acentuada no pos-guerra, e um elemento fundamental, assim como a alteracao progressiva desse contexto, que se desenvolve ate o final da decada de 1980, na derrocada do sistema socialista. Nao analisaremos, neste artigo, a relacao e as particularidades historico-economicas entre capitalismo e socialismo. Contudo, entendemos que o contexto de polarizacao fortalecia posicionamentos e demandas progressistas, seja pelo relativo sucesso do socialismo sovietico, que permitiu sua expansao como potencia...

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