Social-environmental conflict around a pesticide factory in Ceara-Brazil/ Conflito socioambiental no entorno de fabrica de agrotoxicos no Ceara-Brasil.

AutorRosa, Islene Ferreira
CargoDossie Trabalho, Saude e Ambiente

Introducao

Este artigo tem como objetivo analisar dimensoes de um conflito socioambiental com repercussoes sobre a saude, em curso, entre uma fabrica de agrotoxicos e comunidades situadas no seu entorno, em municipio da Regiao Metropolitana de Fortaleza, Ceara. O conflito difunde-se publicamente em 2004, quando a comunidade se organiza para levar ao Ministerio Publico o depoimento de varios moradores que apresentavam queixas de saude e os relacionavam a poluicao ambiental gerada pela empresa, e e entao objeto de noticia em jornal de grande circulacao (JORNAL DIARIO DO NORDESTE, 2006).

A comunidade residente nas proximidades da empresa reclama insistentemente da poluicao atmosferica continua e persistente, gerada pela formulacao dos agrotoxicos. De acordo com as reclamacoes, a presenca constante de odor, semelhante ao "cheiro de rato podre" que, dependendo da acao do vento, da intensidade e quantidade dos processos produtivos e do tipo de produto formulado, sao insuportaveis e causam grandes transtornos aos moradores do local. Os mais prejudicados sao os residentes no Bairro Novo Mundo, os quais afirmam que, alem do desconforto pelo odor forte, estao sujeitos a problemas de saude, tais como nausea, alergias, cefaleia, ansiedade, "desgosto", problemas respiratorios e ate casos de cancer.

De fato, os agrotoxicos constituem-se em importante fator de risco para a saude humana, responsavel por intoxicacoes agudas e efeitos cronicos bastante diversificados, como alteracoes na reproducao, sistema endocrino, funcao hepatica, canceres, dentre outros. Entre os expostos, estao os trabalhadores que os produzem, transportam, comercializam ou aplicam; os moradores no entorno das fabricas--como no caso aqui estudado--e dos empreendimentos agricolas; os consumidores de alimentos ou agua etc.

O mercado mundial de agrotoxicos e dominado por cerca de 20 grandes industrias, com um volume de vendas da ordem de 20 bilhoes de dolares por ano e uma producao de 2,5 milhoes de toneladas de agrotoxicos, sendo 39% de herbicidas, 33% de inseticidas, 22% de fungicidas e 6% de outros grupos quimicos. As companhias agroquimicas que controlam esse mercado sao: Syngenta, Bayer, Monsanto, BASF, Dow AgroSciences, Du Pont, MAI e Nufarm. Recentemente o Brasil se tornou o maior consumidor mundial de agrotoxicos (SINDAG, 2009), movimentando 6,62 bilhoes de dolares em 2008, para um consumo de 725,6 mil toneladas de agrotoxicos --o que representaria 3,7 kg de agrotoxicos por habitante.

Verifica-se um cenario fertil para a ampliacao dos impactos dos agrotoxicos sobre a saude de diferentes segmentos populacionais e sobre o ambiente, a partir dos quais podem se conformar conflitos socioambientais. Quando ha projetos e modos diferenciados de apropriacao, uso e significado do territorio por distintos grupos sociais, as atividades desenvolvidas por um dos agentes pode comprometer a manutencao das praticas de outros agentes, "interconectadas materialmente e socialmente atraves das aguas, do solo ou da atmosfera" (ACSELRAD, 2004a). O conflito se instaura em funcao da denuncia dos efeitos indesejaveis da atividade de um dos agentes sobre as condicoes materiais do exercicio das praticas de outros.

Grande parte das questoes que ocasionam os conflitos socioambientais pode ser compreendida como problemas de injustica ambiental. As dinamicas que geram discriminacao, pobreza e miseria estao por tras de importantes caracteristicas ambientais e de consumo de regioes e grupos populacionais especificos, determinando ou condicionando a forma como as pessoas adoecem e morrem (FREITAS; BARCELLOS; PORTO, 2004).

Na perspectiva de Porto (2007), no contexto brasileiro os conflitos socioambientais podem ser um caminho para conhecer e tentar transformar o modelo de desenvolvimento que produz os riscos ambientais e injusticas sociais a grupos populacionais mais vulneraveis. O Banco Tematico da Rede Brasileira de Justica Ambiental classifica e exemplifica esses conflitos os associados ao uso da terra; a mineracao e a producao industrial (quimicas e petroquimicas, aco e aluminio); a producao de energia e grandes obras de infra-estrutura; e os urbanos.

Nesses contextos emergem diversas formas de manifestacao de desacordo e revolta, a partir da organizacao dos atingidos em movimentos, associacoes e redes (ZHOURI; LASCHEFSKI; PEREIRA, 2005). O conflito afirma o direito a existencia e ao respeito das populacoes atingidas, o direito a serem reconhecidas na sua identidade e na sua originalidade, a diferenca e a outro projeto de futuro.

Para Acselrad (2004b), o conflito socioambiental deve ser analisado na interface entre o mundo social e sua base material, distinguida em tres praticas de: (1) apropriacao tecnica do mundo material, onde os atores sociais transformam o meio fisico; (2) apropriacao social do mundo material, configuradas pelo processo de diferenciacao social dos individuos e seus padroes de desigualdades; (3) apropriacao cultural do mundo material, movido por atribuicoes de significados a partir do processo social de construcao do mundo.

Neste artigo pretende-se analisar as formas de apropriacao tecnica, social e cultural do territorio do bairro Novo Mundo e da empresa, no decurso do conflito socioambiental instalado a partir da poluicao do ar.

O estudo do qual deriva este texto foi motivado por demanda do Ministerio Publico a Universidade Federal do Ceara, no sentido de fornecer subsidios para o entendimento das causas do conflito e para a intervencao sobre ele, e teve como base investigacoes conduzidas tanto na empresa quanto na comunidade atingida. O recorte analitico aqui enfocado fundamenta-se, do ponto de vista da pesquisa empirica, na reconstrucao da historia coletiva do conflito, na perspectiva dos diferentes agentes sociais envolvidos --os moradores do bairro, a empresa e autoridades publicas.

O primeiro passo foi a analise documental do processo em curso no Ministerio Publico, contendo depoimentos de moradores sobre queixas de doencas por eles relacionadas a poluicao, bem como informacoes prestadas pela empresa e por instituicoes publicas. Analisou-se o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) do municipio em estudo, as licencas fornecidas pela Superintendencia do Meio Ambiente do Ceara (SEMACE) e pela Vigilancia Sanitaria do municipio.

Ainda na fase exploratoria, realizaram-se reunioes com a Associacao de Moradores do bairro, em grupo de diretoria ou em assembleias convocadas para este fim, no contexto da mobilizacao.

A partir destes contatos, foram identificados agentes coletivos com papel relevante no conflito, os quais foram convidados para entrevistas semiestruturadas: duas liderancas da Associacao de Moradores do Bairro Novo Mundo, os Secretarios Municipais de Saude e de Meio Ambiente, e um representante da empresa--foi indicado o diretor quimico, que optou por responder as questoes por escrito. As questoes giravam em torno das condicoes e qualidade de vida no bairro, a percepcao sobre a chegada da empresa no territorio e suas implicacoes para a saude e o ambiente, a visao sobre as posturas da empresa, a mobilizacao da comunidade e a atuacao dos orgaos publicos.

Foram realizadas e gravadas duas sessoes de duas horas de Grupo Focai, composto por seis moradores locais: dona de casa, agente de saude, pedagoga, funcionario publico, radialista e comerciante. A atividade aconteceu numa escola publica do bairro, tendo como fio condutor a visao sobre a chegada da empresa de agrotoxico no bairro e as mudancas percebidas na vida dos moradores.

Para uma melhor compreensao das queixas de saude relativas a poluicao atmosferica, foram escolhidos dois casos de moradores com historia de adoecimento com possivel relacao com exposicao a agrotoxicos para a coleta de depoimento pessoal, em que o pesquisador concentra o relato num tema ou periodo especifico da historia de vida dos sujeitos, privilegiando a recuperacao do vivido conforme concebido por quem viveu (QUEIROZ, 1998; ALBERTI, 1990; RIGOTTO, 1999). Toda producao discursiva dos sujeitos foi analisada de acordo com a abordagem da analise de discurso proposta por Spink e Medrado (1999) e por Pinto (1999).

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comite de Etica de Pesquisa em Saude da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceara. Todos os sujeitos envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com a...

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