Mediação e emancipação social: o papel do cidadão na gestão do conflito

AutorNathane Fernandes da Silva
Ocupação do AutorMestranda em Direito Processual na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
Páginas331-336

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1. Introdução

Resolver conflitos com eficácia e rapidez é o desejo de grande parte das pessoas e principal objetivo dos sistemas judiciais. Lidar com o conflito, de fato, não é uma tarefa facilmente realizável, ainda mais quando já se firmou o costume de delegar a um terceiro o poder de solucionar lides, como ocorre no Brasil. O aparato tradicional de solução de litígios é lastreado num modelo em que os envolvidos no conflito são vistos como adversários que buscam numa terceira pessoa - o juiz - a solução mágica para o fim de suas questões. É uma receita pronta: ajuíza-se uma ação, espera-se algum tempo, o juiz dá sua decisão e põe fim ao conflito.

Tal paradigma de solução de conflitos, caracterizado pelo ajuizamento de demandas, está incrustado na sociedade, consagrado pelos diplomas legais e já obteve certo sucesso, tendo sido aclamado como o modelo ideal para garantir soluções céleres, justas e eficazes. Ocorre que, especialmente com o advento do Estado Democrático de Direito e suas novas garantias, este aparato - representado pelo Poder Judiciário - tem sido alvo de debates e discussões, uma vez que está sufocado por diversas barreiras como o excesso de demandas, custas elevadas e a morosidade, dentre outras1. A conflituosidade da sociedade tornou-se mais complexa, justamente pela concretização desses novos direitos, sem que houvesse, contudo, uma adequação do modelo tradicional de solução de litígios a essas novas demandas. Diante deste quadro de "crise", certa parcela da população já está a questionar se o aparato judicial tradicional é o melhor caminho para solucionar conflitos, pois o mesmo já não garante a receita pronta anteriormente citada: a celeridade está posta em xeque, e a decisão emitida pelo juiz nem sempre põe fim ao conflito, como antes se esperava.

O questionamento acerca da eficácia das decisões proferidas pelo Poder Judiciário ganha força especialmente no que tange àqueles conflitos de difícil solução, em que os envolvidos mantêm vínculos constantes e suas relações sociais e/ou afetivas não comportam soluções impositivas e não compartilhadas, como as oferecidas pelo aparelho judicial tradicional. Exemplos de questões como essas são as relações entre vizinhos, entre membros de uma mesma família e até mesmo de uma comunidade. Nesses casos, a convivência diária e o constante relacionamento acabam por gerar certos impasses que, por vezes, são externados de forma jurídica, enquanto sua verdadeira causa, normalmente ligada a questões subjetivas, fica a mercê da procedência ou improcedência do pedido formulado perante o tribunal, sem que seja, de fato, discutida no processo. As partes não são envolvidas na solução do litígio e novos problemas poderão surgir futuramente, uma

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vez que a causa do conflito permaneceu intocada, especialmente quando se trata de questões relacionais. Afinal, na maior parte das vezes, não há espaço para se discutir sentimentos e relacionamentos nos autos ou numa sala de audiência: o processo tem de ser célere e respeitar os procedimentos descritos na lei. Ocorre que certos conflitos humanos não podem ser resolvidos por pura técnica.

Se o acesso à justiça - em sentido amplo - está prejudicado para a sociedade de modo geral, por uma série de fatores, isto se agrava em contextos socioeconômicos mais vulneráveis, especialmente junto a populações que vivem em vilas e aglomerados de favelas, e que sofrem com violações constantes aos seus direitos fundamentais, sociais e humanos. Isto porque, nestes locais, a norma positivada muitas vezes não encontra um locus de aplicação imediata, pois o conjunto social é permeado de particularidades que, por vezes, não conseguem ser abarcadas com eficácia pelo ordenamento jurídico. Além disso, a atuação estatal nessas comunidades periféricas é precária ou insuficiente, o que acaba por distanciar tais setores do Poder Judiciário e de seu aparato, não garantindo o direito fundamental de acesso à justiça e fomentando ainda mais seu histórico de exclusão.

Diante do quadro que se apresenta, é preciso pensar em soluções capazes de promover uma resolução de conflitos mais sustentável, adequada às mais diversas demandas e contextos sociais, e, simultaneamente, de estimular o exercício da cidadania, a fim de fortalecer a busca por melhores condições de vida, especialmente em comunidades socialmente excluídas.

No presente estudo, apresentar-se-á a mediação como procedimento mais adequado a solucionar conflitos representados por relações duráveis e continuativas, que merecem ou precisam ser conservadas, bem como instrumento de emancipação social capaz de estimular o exercício da cidadania e preparar os sujeitos para uma atuação social mais efetiva, responsabilizando-os pela solução de seus próprios conflitos e por uma atuação mais efetiva na luta pelos seus direitos.

2. A gestão do conflito: perigo e sorte!

Antes de se adentrar no conceito de mediação, seus procedimentos e objetivos, é preciso analisar o papel desempenhado pelo conflito na sociedade em que vivemos. Especialmente em nossa cultura, o conflito é visto como algo negativo, que deve ser exterminado o mais brevemente possível. As pessoas, de um modo geral, não são capacitadas para resolverem conflitos de forma cooperativa, e o paradigma de vencedor-perdedor está enraizado nos mais diversos setores sociais.

O conflito aparece quando se tem dificuldade de lidar com diferenças, somada à aparente impossibilidade de coexistência de interesses. Na língua portuguesa, o significado da palavra conflito pode ser traduzido por uma oposição de interesses, sentimentos e ideias, por luta, disputa, desentendimento. A partir desses conceitos, a aversão à cooperação se instala, e os envolvidos no litígio passam a se ver como "inimigos", justamente por esta oposição de interesses individuais. Diante de um conflito não resolvido, instala-se a crise. A crise e o conflito, estreitamente ligados entre si, surgem quando há uma ruptura em uma situação aparentemente equilibrada, quando a estabilidade e harmonia de uma relação ficam abaladas. Assim, a competição domina a cena, e a cooperação é, por vezes, esquecida.

O que se verifica, no contexto do conflito, é que há...

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