Social suffering and Workers' Health/Sofrimento sociale a Saude do Trabalhador.

AutorMendes, Jussara Maria Rosa
CargoDossie Trabalho, Saude e Ambiente

Introducao

Este artigo trata do sofrimento social, um sofrimento que avanca paralelamente ao desenvolvimento social e economico contemporaneo, produtor da miseria, da pobreza, das pessimas condicoes de vida geradas no interior do sistema capitalista de producao. Tal sofrimento constitui-se em expressao da precariedade e da precarizacao da vida causada pelos processos de desenvolvimento e incitacao economica vividos na sociedade contemporanea. Sofre-se e sofre-se muito, notadamente nos espacos em que o trabalho humano se desenvolve. Sofre-se com o adoecimento e mesmo com a possibilidade da morte que, aos poucos, vai sendo delineada nos ambientes de trabalho. E a morte pelos acidentes de trabalho, pelas doencas desenvolvidas em espacos insalubres, descuidados, nocivos, deleterios que aumentam a fadiga nervosa, a fadiga psiquica, a ansiedade, a depressao, os suicidios. Tal quadro e representativo do quao voraz e perverso pode ser esse sistema, carregando processos que transformam a vida das pessoas, gerando sofrimento, um sofrimento ampliado que nos faz sofrer a todos: o sofrimento social. Assim, este artigo trata do sofrimento e da dor, buscando distingui-los da visao acerca do sofrimento em alguns pensadores classicos e contemporaneos e do sofrimento social, categoria importante para pensar os tempos contemporaneos e sua perversidade.

O sofrimento e a dor

Embora a questao do sofrimento, nao raras vezes, apareca envolvendo elementos de dor fisica, a maioria dos autores que trata dessa tematica enfatiza que seria muito mais do que isso (WILKINSON, 2005). O sofrimento estaria presente nos sentimentos de isolamento social, de perda, de sentimentos aliados a depressao, ansiedade, culpa, humilhacao e estresse. As pessoas sofrem quando ha estados de privacao material, com a perpetuacao da injustica social e com a perda da liberdade em todas as suas formas e expressoes (WILKINSON, 2005). Conquanto o sofrimento tenha sido estabelecido em contradicao a dor, essa seria uma sensacao fisiologica e o sofrimento, por sua vez, uma especie de resposta psicologica, subjetiva a dor. O sofrimento nao teria um local especifico de manifestacao no corpo, como a dor, mas se estenderia a todo o ser. Nos ultimos anos tem-se entendido que a dor nao pode ser apenas explicada pela dimensao fisica; assim, a dicotomia entre dor e sofrimento tenderia a ficar com as fronteiras obscurecidas, contestando, em boa medida, a divisao cartesiana estabelecida entre corpo e mente. Cada vez mais, aspectos fisicos, afetivos e culturais estariam vinculados a dor e ao sofrimento humano, borrando fronteiras e o sofrimento poderia, dessa forma, ser elucidado como uma experiencia incorporada, encarnada por um contexto social e cultural determinado. De acordo com Vergely (2000), haveria um "convencionalismo arraigado" que consistiria em afirmar que o sofrimento teria algum sentido. Essa questao centrar-se-ia em quatro ideias fundamentais, a saber: a ideia do sofrimento como um sinal, como um saber, como um salario e, por fim, como salvacao. A ideia do sofrimento como sinal relacionar-se-ia a constatacao de que a dor fisica seria um mal revelador de uma crise interna, mas, tambem, de certa agressao externa que o corpo pode sofrer. Desse modo, a existencia do sofrimento seria uma coisa boa, uma vez que se constitui em aviso, em advertencia sem a qual nao haveria a possibilidade de se reconhecer doencas escondidas que poderiam afetar o corpo em silencio. Assim, a dor seria especie de anuncio, contribuindo para a descoberta de enfermidades ou de que algo nao estaria bem no corpo. Seria um grito da sensibilidade humana, alertando acerca do perigo.

O sofrimento como um saber, por sua vez, estaria fundado em uma abordagem pedagogica: a dor seria a primeira escola da vida, cabendo a ela desasnar os espiritos novos e ingenuos, ensinando aquilo que e inerente ao humano. Mediante o sofrimento estariam presentes os primeiros vestigios da maturidade que ensinaria o viver. O sofrimento educaria e seria sinal de que se esta chegando a maturidade. Como afirma o autor, seria uma pedagogia do desasnamento que se encontraria, de forma frutifera, com uma pedagogia do adestramento (VERGELY, 2000). Seriam a dor e o sofrimento uma pedagogia de antes da pedagogia e, tambem, para alem dela. Ja o sofrimento como salario consistiria em afirmar a necessidade do sofrimento por motivos morais e sociais, ou seja, e preciso sofrer para que sejam reparadas as faltas, para saldar uma divida. Quando se transgride uma regra, pratica-se uma especie de crime que causa prejuizo a outrem. Sofrer, entao, seria a unica forma de reparacao do dano causado. Infligindo-se o sofrimento haveria sempre a lembranca e, portanto, o ato seria sempre recordado. Ademais, ja que nao se pode fazer tudo quando se vive em sociedade, o sofrimento remeteria, tambem, a uma ideia de justica, de busca da equidade, do equilibrio social. O sofrimento permitiria nao apenas reparar uma divida, mas compra-la, uma vez que as coisas deveriam ser obtidas por meio de outras coisas: "Esta lei e a que quer que nao se obtenha nada sem nada." (VERGELY, 2000, p. 46). Destarte, por haver equivalencia entre trabalho e salario, o trabalho e o sofrimento trazem a nocao de que existe um credito e um direito naqueles que sofrem. Tal pensamento teria acarretado, como consequencia, uma vontade de sofrer para adquirir esse credito e esse direito. "Resgatador, comprador, meio de pagamento, meio de desconto, o sofrimento e definitivamente uma moeda." (VERGELY, 2000, p. 50). Por fim, o sofrimento como salvacao traria em si um sentido que seria tanto social quanto economico, mas, ainda mais, teria um sentido metafisico. O sofrimento seria a prova mais dura na sucessao de provas da vida: e necessario para que o homem se supere, transfigure-se, preserve-se. Tambem seria por meio do sofrimento que os homens dariam conta do valor das coisas, do valor da propria vida. O sofrimento engrandeceria o ser humano podendo conduzi-lo a virtude. Assim, tais ideias conformaram o pensamento acerca do sofrimento de maneira geral. Todavia, a ideia do sentido do sofrimento nao estaria isenta de problemas. Para o autor, as dimensoes apontadas do sofrimento como sinal, saber, salario e salvacao podem remeter a ausencia de sentido do proprio sofrimento. A dor fisica seria um signo que traduziria a capacidade do corpo de advertir atraves de grito, lagrimas ou outra forma, o que ele e capaz de suportar ou esta suportando, entretanto nao se constituiria em sentido. "O signo e o suporte do sentido." Assim, seria uma especie de ferramenta que remeteria a algo que nao a ele proprio, nao possuindo sentido enquanto tal. Ja o sentido nao e um suporte, mas intencao manifesta em forma de discurso. Desse modo, o sofrimento seria sempre signo e raramente sentido. Tambem o sofrimento teria um carater intraduzivel: "Pois sabemos doravante que uma doenca do corpo acaba sempre por ter a longo prazo consequencias psicologicas e sociais, e, inversamente, que uma desordem psicologica e social acaba sempre por se metaforizar no corpo de uma forma ou de outra". (VERGELY, 2000, p. 50).

Sem dominar a origem do sofrimento e o seu destino, a ideia e que apenas se podera conhecer as consequencias e os intervalos pela leitura dos signos. Destarte, o sofrimento seria dificil de traduzir em razao de sua complexidade inerente. Ademais, uma das dificuldades de sua traducao residiria no proprio sujeito sofredor, nas dificuldades em compreende-lo. Restaria, por fim, no sofrimento, algo que escaparia do sentido, que resistiria a traducao devido a distancia que separaria um saber seguro do outro, do corpo e da vida. A questao do sofrimento encontra-se presente em varios autores da sociologia classica, como Durkheim, Marx e Engels e Weber; no entanto, sempre tratado como inspiracao, como influencia em seus estudos e nao como o fundamento per se. Em que pese a forte distincao entre as abordagens classicas supracitadas, vale perpassar, ainda que de modo breve, as principais questoes relativas ao sofrimento presentes em tais matrizes teoricas.

A contribuicao dos classicos na discussao acerca do sofrimento

No que se refere ao sofrimento, Engels (2008), por exemplo, apresenta a questao da degradacao social, do tormento fisico e da miseria gerada pelo trabalho realizado nas fabricas. O autor aborda a guerra social que se estabelece na Inglaterra a partir do advento do capitalismo, a guerra de todos contra todos que se torna declarada. "As pessoas nao mais se consideram reciprocamente senao como sujeitos utilizaveis, onde cada um explora o proximo" (ENGELS, 2008, p. 36). Quando se reporta as condicoes de vida da classe operaria na Inglaterra, trata da questao da morte pela fome, das pessimas condicoes de habitacao e de moradia da classe traba Ihadora, da pobreza extremada, da sujidade e das pessimas condicoes de saude dos operarios. Por cerca de 20 meses examina os intersticios da vida operaria sob as injuncoes do modelo capitalista de producao que se desenvolve no Ocidente. As ruelas sujas e infectadas, as casas minusculas e sem ventilacao, o ambiente fisico e moral, a alimentacao deficiente, as roupas precarias, denunciavam a situacao de sofrimento fisico, moral e social de toda uma classe trabalhadora que se encontrava (e se encontra) a merce de condicoes brutais de vida impostas pela classe dominante. Tambem analisa a constituicao da familia na estreita relacao com a constituicao do Estado e da propriedade privada, alem da contradicao presente na exploracao de uma classe sobre a outra. Assim, constata que os males sociais que a civilizacao traz consigo nao podem ser encobertos com o "manto da caridade que os enfeitaria", mas tal hipocrisia convencional deveria ser severamente combatida. (ENGELS, 1984, p. 235-236).

Essa situacao de sofrimento da classe trabalhadora foi tambem objeto de estudo de Marx, notadamente, no processo de aplicacao do questionario de 1880, quando buscou conhecer a...

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