Social Work in Portugal during fascism: opposition, resistance and union action/Servico Social em Portugal no fascismo: oposicao, resistencia e acao sindical.

AutorMartins, Alcina

Introducao

Com este artigo procura-se contribuir para a analise da construcao do Servico Social em Portugal, apreendendo o significado atribuido pelo fascismo a profissao no processo de institucionalizacao, nos anos de 1930 a 1950. Pretende-se tambem identificar os assistentes sociais que se foram envolvendo em movimentos de oposicao e resistencia ao regime e, nos anos 1960 e 1970, como a profissao se foi distanciando do significado inicialmente atribuido a ela, a partir da organizacao sindical corporativista, tendo em vista que se partilha a concepcao de que o Servico Social, enquanto profissao, e indissociavel do desenvolvimento das relacoes sociais capitalistas, nao se constituindo num bloco homogeneo.

O artigo esta estruturado em tres pontos: no primeiro, faz-se uma abordagem do processo historico, um breve apontamento quanto a natureza do regime em Portugal, que se autodenominou "Estado Novo", e a sua durabilidade, a mais longa ditadura da Europa. Segue-se uma referencia aos ultimos anos do fascismo, liderado por Antonio Oliveira Salazar (1928-1968) e por Marcelo Caetano (1968-1974), anos de crise e declinio, de alargamento e de radicalizacao da oposicao e resistencia antifascista.

No terceiro ponto analisa-se como o regime concebeu o Servico Social como uma finalidade da politica social corporativa e as assistentes sociais como "cooperadoras da revolucao nacional", alem do modo como elas se foram distanciando, opondo e resistindo a tal entendimento. Para tanto, identifica-se a participacao de assistentes sociais na oposicao catolica, as primeiras presas politicas, passando pelo envolvimento na oposicao democratica, nos movimentos anticoloniais, ate a acao sindical se constituir num campo de luta politica para o Servico Social.

O fascismo e o corporativismo em Portugal

Parte-se do entendimento de Fernando Rosas (2012), para quem o salazarismo constitui uma "modalidade especifica" do fascismo, que participa do movimento particular do periodo entre guerras, em que o autori tarismo procurou ser uma resposta politica a industrializacao, terceirizacao e urbanizacao, sendo uma tentativa de restauracao da acumulacao capitalista atraves da reducao dos custos do trabalho.

Sendo o regime fascista portugues o que teve maior longevidade na Europa no seculo XX, Rosas (2012) analisa a longa duracao do salazarismo como um fenomeno historico em si, identificando cinco fatores estruturais da sua durabilidade: a violencia (de tipo preventiva, intimidatoria e desmobilizadora, e a de tipo repressiva, punitiva), o controle das Forcas Armadas, a cumplicidade politica e ideologica da hierarquia da Igreja Catolica, a organizacao corporativa e o projeto totalitario do regime, com o "investimento totalitario no 'homem novo' salazarista" (ROSAS, 2012, p. 186-188). Nas palavras do autor:

O corporativismo e o fascismo enquanto regime. [...] participa da tarefa historica nas economias perifericas: sujeitar o trabalho ao capital (dependendo das realidades nacionais, atraves de uma combinatoria de violencia, demagogia obreirista ou paternalismo social) e realizar a gestao autoritaria e dirigista da economia no interesse da restauracao da acumulacao das classes dominantes e da perpetuacao do seu dominio, erigindo essa > em 'Interesse Nacional'. (ROSAS, 2012, p. 313).

O corporativismo como pilar desta ordem se traduzira num instrumento pratico central da eficacia do fascismo portugues, com uma dupla funcao de, por um lado, 'disciplinar' o trabalho, permitindo, sobre a negacao dos seus direitos e a reducao dos seus custos salariais, elevadas taxas de acumulacao; por outro lado, regular autoritariamente a economia, protegendo mercados, garantindo privilegios, regulando a concorrencia, assegurando folgadas taxas de lucro e de auto financiamento. (ROSAS, 2012, p. 355).

Ao condenar o sindicalismo, cuja liberdade de associacao e de expressao foi arduamente conquistada desde os anos 1870, que apesar das perseguicoes e condicionamentos era livre, o regime fascista poe termo, pela repressao, a hegemonia anarco-sindicalista do movimento operario sindical portugues, evidenciado a partir dos primeiros anos da implantacao da I Republica (1910). Proibe, ainda, a Confederacao Geral do Trabalho (CGT), a Uniao Anarquista Portuguesa e as greves, interdita os partidos politicos, nomeadamente o Partido Comunista Portugues (PCP), que entra na clandestinidade, persegue democratas e enceta uma dura repressao a insurreicao dos trabalhadores da Marinha Grande (1934) (NETTO, 1986; HENRIQUEZ, 2001).

Como refere Rosas (2012), quebrar a espinha do movimento operario sindical e politicamente organizado era um dos objetivos essenciais do projeto corporativo. A politica social no salazarismo nao tera lugar fora desse projeto, quer em relacao a assistencia, quer ao nivel da previdencia social. O sistema de previdencia social contempla algumas franjas de trabalhadores, mas a maioria nao sera abrangida (HENRIQUEZ, 1998).

O regime contara com outro pilar, a saber, a cumplicidade politica e ideologica da hierarquia da Igreja Catolica. Segundo Antonio Barreto (2000, p. 375),

[...] nunca a Igreja lhe faltou com o seu apoio explicito: na fundacao do regime, na limitacao das liberdades publicas, na criacao da censura, no estabelecimento do sistema corporativo, na elaboracao da Constituicao, durante a guerra, no combate ao comunismo internacional, na resistencia a descolonizacao e na conducao da guerra colonial, sempre a Igreja partilhou com ele as principais decisoes e os designios essenciais. Nao era a Igreja que influenciava o poder, era Salazar que, em boa medida, a submetia. Mas o Estado Novo nao foi, em nenhum dos seus momentos, inelutavel. A historia da oposicao e resistencia antifascista, nas suas diferentes vertentes, e disso expressao.

Com a ascensao dos regimes fascistas e nazistas na Europa, dos anos 1930 ate ao fim da Segunda Guerra Mundial, tem lugar em Portugal: a derrota e a rendicao do reviralhismo republicano, a resistencia politicomilitar dos setores do republicanismo, que nao tinham capitulado perante a ditadura militar e a consolidacao do novo regime, o colapso do movimento libertario e a organizacao do PCP, que, apos a reorganizacao de 1940/ 1943, constitui-se num forte partido clandestino, com influencia nacional nas concentracoes operarias, entre assalariados rurais do sul, junto da juventude estudantil e na intelectualidade (ROSAS, 2004).

Por outro lado, em 1945, e criado o Movimento de Unidade Democratica (MUD), ilegalizado passados tres anos. Em 1949, o movimento apoia a candidatura da oposicao do general Norton de Matos as eleicoes presidenciais. A derrota da oposicao segue-se uma decada de refluxo e desmobilizacao face ao anticomunismo reinante.

A "unidade", em meio as diversas correntes oposicionistas, entre 1956 e 1968, sera instavel, quase sempre pontual, marcada por desconfiancas. Alem disso, os momentos unitarios com expressao publica serao quase sempre hegemonizados politica e ideologicamente pela oposicao nao comunista. A candidatura em 1958 do general Humberto Delgado as eleicoes presidenciais insere-se neste processo.

A resistencia democratica consegue a mobilizacao e a participacao popular em grandes manifestacoes, provocando um abalo ao regime. Diante da pergunta acerca de que posicao tomaria perante Salazar, Delgado responde: "obviamente, demito-o", o que foi uma declaracao de guerra ao regime. Vitima da fraude eleitoral e de represalias pela Policia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), em 1959 Delgado pediu asilo politico na Embaixada do Brasil, seguindo depois para o exilio na Argelia. Convencido de que o regime nao poderia ser derrubado pelos meios pacificos, atrai chefias militares para um golpe de Estado, tomando de assalto, em 1962, o Quartel de Beja.

A oposicao catolica emerge durante a campanha. No rescaldo das eleicoes presidenciais de 1958, protesta contra a sua parcialidade, por favorecer o candidato do governo e pelo cercear da liberdade dos movimentos catolicos. Diante desse contexto, o proprio Bispo do Porto passa a distanciar-se da identificacao da Igreja com o regime.

Crise e declinio do regime: a oposicao e a resistencia

O rescaldo de 1958 e os primeiros anos de 1960 sao de sobressalto para o regime: a fuga de Alvaro Cunhal e outros militantes do PCP, a prisao de Peniche (1960), o assalto ao paquete "Santa Maria" (1961) por Henrique Galvao, a tentativa de golpe palaciano de Botelho Moniz e a Crise Academica de 1962, que marca a resistencia estudantil e as jornadas de luta pelas oito horas de trabalho no Alentejo. Alem disso, a uniao indiana ocupa os entao territorios portugueses de Goa, Damao e Diu, pondo fim ao Estado Portugues na India; tem inicio a guerra colonial em Angola (1961), na Guine (1963)...

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