A sociedade contemporânea e seus impactos na transmissão da informação ao consumidor: sobre qual realidade formam-se os contratos de consumo?

AutorAmélia Soares da Rocha
Páginas1-29
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A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E
SEUS IMPACTOS NA TRANSMISSÃO
DA INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR:
SOBRE QUAL REALIDADE FORMAM-SE OS
CONTRATOS DE CONSUMO?
O mundo mudou e com ele as formas contratuais (e as obrigações delas decor-
rentes), afetadas que são com a mistura de dados e informações das pessoas, Estados
e corporações. Assim, af‌igura-se importante, neste primeiro momento, examinar-se o
quão afetada pode ser a formação da vontade da pessoa consumidora1 nesta nova di-
nâmica social, articulada em “rede” na qual a informação parece ser o “novo petróleo”
(TEPEDINO; FRAZÃO; OLIVA, 2019, p. 5) em uma sociedade estruturada em barreiras
“interseccionais”2 (DAVIS, 2016) composta por pessoas que talvez não tenham consci-
ência de que “sua” vontade pode estar sendo construída de fora para dentro.
Se tal exame sobre o campo social não ocorrer, corre-se o risco de uma conclusão
inef‌icaz, por afastada da realidade, desprovida de efetividade, quanto mais ao se lembrar,
como o faz Rizzato Nunes (2013), que a proteção do consumidor pressupõe entender
a sociedade a que pertencemos e atuamos como consumidores. Essa sociedade tem
uma origem bastante remota, que precisa ser pontuada para que se entenda a chamada
“sociedade de massa”, com sua produção em série, a dar causa à necessidade da garantia
constitucional contida no art. 5º, XXXII3 da CF/88 (NUNES, 2013, p. 347), pois, como
ensina Manuel Castells (2010, p.35), teoria e pesquisa só servem se têm a capacidade
de dar sentido à observação de seu objeto de estudo.
Aqui, o objeto de estudo é a compreensão da informação pela pessoa consumi-
dora e sua repercussão no cumprimento voluntário dos contratos e na redução das
assimetrias informacionais, diminuição dos custos de transação e melhoramento
do mercado.
1. Por opção metodológica, prioriza-se a referência à pessoa consumidora em vez de se referir a consumidor, con-
sumidora ou consumidor e consumidora. Tal decisão decorre do entendimento de que a desigualdade de gênero
precisa ser desconstruída em todos os espaços, sobretudo no científ‌ico e todo “detalhe” é importante.
2. Fruto da análise de Ângela Davis sobre raça, classe e gênero.
3. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à pro-
priedade, nos termos seguintes: [...] XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
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CONTRATOS DE CONSUMO • AMÉLIA SOARES DA ROCHA
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Imprescindível, portanto, antes de se tratar especif‌icamente do direito do consumi-
dor, examinar como se comporta a sociedade contemporânea, se tem estruturas similares
ou não à de quando o direito do consumidor surgiu e se isto afeta – ou não – sua aplicação.
Ou seja, no propósito de uma pesquisa efetiva e baseada nos “conf‌litos reais que
batem à porta dos tribunais” (GUEDES, 2020, p. 26), neste primeiro capítulo, com
suporte na visão de cientistas sociais sobre a nova sociedade que se apresenta, no míni-
mo, tanto em rede4, quanto de risco5 e interseccional6, busca-se (re) conhecer aspectos
dessa nova conjuntura que impactam e dialogam com o objeto deste estudo. Tal análise
é necessária para que, na sequência, examine-se, com mais segurança, o impacto do
direito do consumidor neste novo campo fático de circulação de dados e informação no
Brasil. Analisa-se, portanto, o campo social contemporâneo, para, no próximo capítulo,
examinar-se a aplicação, nele, do direito do consumidor.
Com base nessa premissa, este capítulo objetiva sistematizar um panorama concei-
tual, a partir da sociologia – e não do Direito, do qual cuidará o próximo capítulo – que
identif‌ique o campo social real de aplicação prática e concreta do direito do consumidor
contemporâneo. Examina-se sobre qual(is) estrutura(s) social(is) ergue-se – e ou se
submete – a norma jurídica atual, a f‌im de empreender o objeto geral da pesquisa de
estudar a identif‌icação do peso da informação no contrato de consumo e de uma téc-
nica ef‌icaz de compreensão da informação pelo consumidor e a consequente formação
consciente da sua vontade a se ref‌letir no cumprimento espontâneo dos contratos, com
ref‌lexos econômicos e humanitários.
1.1 A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA, A INFORMAÇÃO E A PESSOA
CONSUMIDORA
As mais variadas fontes – da ciência às religiões – apontam o tempo presente como
um período de mudanças nas relações sociais: das interações nos grupos de whatsapp7,
aos meios de produção e transmissão de riquezas, passando pelo processo decisório
político- eleitoral. Há em curso uma transformação da vida social, não apenas no
Brasil, mas em todo o mundo. Esse processo ocorre de modo transversal e amplo, de
modo que a humanidade está a se sustentar em inéditas e líquidas (BAUMAN, 2001)
estruturas, antes mesmo da pandemia COVID-19, que vem acelerar muitas mudanças
(sobre as quais ainda não se pode falar com mínima segurança, mas também não se
pode ignorar).
No “pós-Revolução Industrial” uma produção “standartizada”, “em série, pos-
sibilitou uma diminuição profunda dos custos e um aumento enorme da oferta, indo
4. Conceito desenvolvido por Manuel Castells (2015).
5. Conceito desenvolvido por Ulrich Beck (2010).
6. Conceito desenvolvido por Ângela Davis (2016). A publicação, nos EUA, deu-se em 1981. No Brasil, apenas em
2016.
7. Aplicativo de comunicação interpessoal que tem cerca de 120 milhões de usuários ativos no Brasil (https://exame.
abril.com.br/tecnologia/este-e-o-habito-mais-comum-dos-brasileiros-no-whatsapp/) e, no mundo, mais de 1
bilhão de usuários em cerca de 180 países (https://www.whatsapp.com/join/?lang=pt_br).
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