Sociedades Cooperativas

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas603-617

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Do ponto de vista previdenciário, principalmente em relação aos empregados (ocupados na atividade-meio de sua administração), as cooperativas são empresas como as outras. Subsistindo alguma dúvida, o legislador preferiu aclarar esse fato no art. 15, parágrafo único, do PCSS. Resta apenas avaliar o significado do "para os efeitos desta Lei". Lei, então (1991), na qual vigente obrigação de recolher 20% da retribuição paga aos autônomos cooperados e, a partir de 1º.5.1996, de 15%, em face da Lei Complementar n. 84/1996. Mas, note-se, preocupação presente desde o art. 3º do Decreto-lei n. 959/1969.

O grande problema continua sendo a distinção entre cooperativismo e associativismo e a diferença entre cooperativa e empresa de trabalho temporário, agência de emprego ou fornecedora de mão de obra . E as evidentes simulações, obrigando o aplicador da norma a pinçar fatos da relação, esmiuçá-los e concluir. Sem falar em saber quem é o responsável laboral e previdenciariamente, caso descaracterizada a relação cooperativa.

721. Problemas vernaculares - Qualquer estudo da cooperativa, enquanto polo de relações e, particularmente, a análise dos ônus fiscais inerentes, padece com óbices semânticos. A legislação e a doutrina se utilizam de expressões indevidas, muitas delas consagradas, sem a garantia de estar descrevendo precisamente o enfocado. Assim, para dar exemplo, stricto sensu, rigorosamente, ato de comércio refere-se à venda de produto comprado por comerciante - de industrial ou de atacadista. Mas a locução também é empregada em relação a operações mercantis finais do produtor de matéria-prima mineral ou agropecuária (em que inexistente, sob rigor gramatical, comercialização) ou do fabricante.

Com alguma frequência, o vocábulo "cooperado" é substituído por "associado" (cooperativa é espécie associativa, mas a analogia deve cessar aí, pois a natureza do vínculo difere da jacente na segunda concepção). Por vezes, com certo exagero, o filiado é chamado de sócio, título reservado apenas ao componente de sociedade por quota de responsabilidade limitada, de trabalho ou de indústria, ou civil, e não para a sociedade anônima ou cooperativa. Válida, se membro integrante de associação.

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Equívoco real diz respeito à alusão a lucro, objetivo próprio do produtor de matéria-prima, do industrial ou agroindustrial, do comerciante ou prestador de serviço exercentes de atividades mercantilizadas, mas não da cooperativa em si. Ela não foi concebida para encetá-lo (exceto, é claro, quando for o caso, o do cooperado), da mesma forma como não tem lucro o consignatário, até aperfeiçoar a venda, e não o aufere o mandatário, mero intermediário no negócio jurídico. Cooperativa não empreende atividade comercial; busca e realiza ou não resultado. Algumas vezes, o seu desempenho no mundo dos negócios resulta em déficit (coloca no mercado por nível inferior ao do estabelecido pelo cooperado e, até mesmo, abaixo do custo).

O montante do bem transferido a terceiros formalmente, em seu nome, mas por conta de terceiros (cooperados) - na relação jurídica cooperativa -, pode ser fatiado em três porções básicas: a) importância entregue ao participante no momento da armazenagem, podendo ser tida como antecipação do valor final; b) despesas operacionais, entre as quais as administrativas e as de preparação para o ingresso no mercado (imediatas) ou de investimento (mediatas); e c) retorno, sobra, bonificação etc. A primeira e a última fração pertencem ao cooperado e equivalem ao desiderato pecuniário da produção do bem. Da adição desses dois itens, em relação ao custeio da produção, poder-se-ia falar em lucro do cooperado (diferença entre despesa e valor operacional).

Essas questiúnculas linguísticas devem-se, em parte, ao fato de, historicamente, as cooperativas não se terem limitado a sua função original; ao lado do procedimento ínsito, praticarem atos de comércio propriamente ditos, vale dizer, também comprarem e venderem mercadorias ou serviços, dos próprios cooperados ou de terceiros, com vistas à regulação do mercado ou para obterem meios para se desenvolver. Tudo isso acontecendo, às vezes, no mesmo espaço físico ou ente organizacional.

De outra parte, ainda, justificam-nas a multiplicidade de objetivos: a) a cooperativa de trabalho congrega mão de obra, suscitando dúvidas sobre quem presta serviços a quem e em quais condições laborais; b) a cooperativa de consumo é pessoa jurídica adquirente de mercadorias por atacado vendidas a associados, geralmente empregados de certa empresa ou grupo, a preço de custo; e c) a cooperativa de produção recebe bens e os distribui no mercado, intermediando a operação de venda do produtor, como mandatária ou consignatária.

Finalmente, é preciso reconhecer ser sutil a diferença entre os seus mecanismos e as praxes do comércio (negociação de bens mediante pagamento).

722. ato cooperado - A natureza íntima, econômica e jurídica da relação subsistente entre cooperado e cooperativa - sempre lembrando a multiplicidade de fins - vem sendo investigada há algum tempo. Será preciso perquirir profundamente a essência difusa desse esforço empresarial, sob pena de generalidade, e, após, alcançar em cada hipótese. Abstraindo a formalidade essencial do ato constitutivo, caracterizar a realidade da relação pelos modos praticados pelo participante

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e pela entidade talvez seja o melhor caminho. De cooperação, se coincidente com os da definição legal e compreensão doutrinária.

O ato cooperado é o presente no bojo da sociedade cooperativa, quando esta pratica as funções para as quais tenha originariamente sido criada conforme a regulação legal (e não se haja modificado institucionalmente). Ou seja, o papel de coordenação, consignação, intermediação ou representação, reunindo significativa conjugação de esforços pessoais sem fito lucrativo. Mas o ato cooperativo também, per se, define essa sociedade e o lucro do cooperado.

Como essa finalidade é comum a outros empreendimentos econômicos, caso do associativismo comercial, ela certamente não será suficiente para decidir even-tuais dúvidas.

Sua decantação fenomenológica reclama a presença dos elementos definidores da instituição, podendo estes ser facilmente mascarados. Por vezes, a contabili-dade adota plano de contas igual, são implantadas rotinas administrativas e sobrevêm métodos cooperativistas, mas a realidade não é essa, agindo os agentes com vistas a inexigibilidades, isenções ou benefícios fiscais. Em outras circunstâncias, o membro integrante é sócio ou, formatada a subordinação, mero empregado da associação, fato admissível, em tese, nas cooperativas de trabalho.

Cooperativa é união de pessoas e não de capitais. Possui personalidade jurídica distinta da física e da jurídica dos componentes. A sistematização de seus esforços é a razão de sua existência material e formal. Trata-se de elo igual ao do entre partes e todo.

O cooperado não deve ser empregado nem sócio da cooperativa; a rigor, semanticamente nem sequer associado, pois ela não se confunde com simples associação. A designação da relação jurídica própria é "cooperado" e "sociedade cooperativa".

Isto é, vínculo atípico quando comparado aos demais e próprio exclusivamente dele. Para o art. 2º do Decreto n. 22.239/1932 é relação jurídica sui generis. Como cada cooperado tem direito a apenas um voto, o domínio econômico dos mais fortes é afetado. O resultado financeiro tem que ver com o trabalho e não com as quotas adquiridas.

De modo geral, a Lei n. 5.764/1971 tem sua própria definição: "os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais. Parágrafo único. O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria" (art. 79).

Não é a melhor definição, pois sujeita aos objetivos sociais e estes podem ser quaisquer uns, dependendo de convenção. Seria preferível condicionada a sua função associativa de empenhos dos economicamente fracos, a intermediação operada e a inexistência de escopo lucrativo. Além de clara impropriedade ("não implica operação de mercado"), tem o mesmo defeito do conceito de empregado do

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art. 3º da CLT. Pressupõe a cooperativa, e esta não é explicitada sem a presença do ato cooperado (sic).

Poderia ser o jacente entre relações produtivas, com vistas à idealização de negócio jurídico objeto da atividade-fim, por meio da qual matéria-prima, serviço ou produto manufaturado, de origem de pessoas formalmente filiadas, são oferecidos ao mercado, mediante união destas em intermediação não lucrativa.

As três formas mais operantes são:

a) cooperativa de trabalho: Nesta conjugação coletiva, claramente liderada por alguns, o ato cooperado consiste em o trabalhador, raramente autônomo e economicamente hipossuficiente, juridicamente prestar serviços à congregação e mate-rialmente à certa pessoa física ou jurídica, remunerado pela primeira conforme o volume da produção (retribuição de trabalho e não da quota-parte). Quando legítima a relação, o adquirente dos serviços vincula-se à cooperativa pela modalidade civil de cessão de mão de obra (pagamento mediante apresentação de nota fiscal, em que é incluída fração da retribuição e a das despesas operacionais da organização) ou de seguro em grupo (caso das cooperativas médicas).

b) cooperativa de produção: O ato cooperativo compreendido na reunião de produtores, a par da admissão e participação nas assembleias, em alguns casos, na gestão da entidade com voto singularizado e outras particularidades, é essencialmente o fato econômico de translação sob consignação do produto, em troca do pagamento do valor convencionado em cada caso ou tabelado, alguma preparação do produto e a distribuição no mercado, encerrando-se com eventual acréscimo no valor antecipado (ou não).

c) cooperativa de consumo: Quando constituído o seu capital por parte dos associados, aí...

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