Reorganização societária e concorrência

AutorRachel Sztajn
Páginas7-16

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  1. A reorganização de sociedades empresárias, procedimento que inclui operações distintas como a cisão, fusão e incorporação, além da transformação do tipo societário, tem, em geral, origem em estratégias empresariais visando ao crescimento, à diversificação, à segregação de riscos, a par de processos de verticalização das ati-vidades, pela agregação dos canais de distribuição.

    Mais recentemente, prendem-se à inovação, à pesquisa e desenvolvimento de novos produtos ou serviços, bem como a aperfeiçoamentos qualitativos daqueles existentes.

    Grosso modo essas estratégias podem ser agrupadas em duas diferentes vertentes: a) a primeira inclui aquelas operações em que a expansão das atividades, seja a integração vertical, seja horizontal, ao invés de produzidas por crescimento interno, são agilizadas mediante a fusão ou incorporação de outras sociedades que tenham como objeto as atividades visadas; b) a segunda vertente aparece quando a empresa entra em crise e os sócios consideram que uma das formas de superar os problemas é se desfazer de parcelas da atividade. Nesses casos a opção será a cisão, mais radical, ou o trespasse de estabelecimento, menos profunda, mas sempre tendo por meta, de um lado, segregar ativos ou riscos e, dessa forma, evitar a contaminação de todas as atividades pela crise de liquidez; de outro, fazer caixa para superar o problema momentâneo.

    Na hipótese de crise estrutural, a ado-ção de estratégias que preservem ao menos parcela da(s) atividade(s) dependerá, conforme a profundidade com que os negócios tenham sido afetados, de não se tratar de efeito de crise setorial.

    A legislação societária contempla, no Capítulo XVIII da Lei n. 6.404/1976 e alterações posteriores, os institutos da transformação (arts. 220 a 222) a incorporação, a fusão e a cisão (arts. 223 a 229). O art. 230 dispõe sobre o direito de recesso de acionistas dissidentes da deliberação que aprovar a incorporação, a fusão ou a cisão e, adiante, cuida-se de direito de credores.

  2. A transformação é a operação mediante a qual se delibera a mudança da estrutura organizativa de uma sociedade que, em seguida, passa a ser regida pelas normas do tipo adotado. A transformação costuma ser aprovada quando, em sociedade que não seja do tipo por ações, os sócios entendem ser melhor buscar investimento direto, portanto, aumentar o capital, ao invés de via endividamento, salvo, por óbvio, a emissão de debêntures.

    Após essa primeira decisão é necessário transformar a sociedade, convertendo-a em anônima para, em seguida, iniciar o procedimento de abertura nos termos previstos na legislação especial. E, inexistin-do previsão estatutária, a aprovação deve ser unânime para esse tipo de reorganização.

    A capitalização da sociedade facilita tanto a expansão dos processos produtivo e

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    de comercialização, podendo-se mediante alteração contratual ou estatutária, ampliar o objeto social e com isso agregar novas atividades ou mesmo a entrada em outro setor da economia.

  3. A cisão é a operação mediante a qual se divide, em duas ou mais partes, o patrimônio da sociedade que poderá ser extinta se todas as parcelas forem vertidas em sociedades novas, especialmente constituídas para recebê-los ou se forem incorporados em sociedades existentes. Se alguma parcela do patrimônio cindido não for vertida em nenhuma outra sociedade, re-manesce a antiga com o que restar.

    Esse tipo de operação serve para separar atividades que, ao longo do tempo, perdem a sinergia de forma que uma pode onerar as demais. Outro motivo pode estar associado a divergências entre membros da sociedade.

    No que aqui se pretende tratar interessam a incorporação ou a fusão de parcela(s) cindida(s) em outras sociedades.

  4. A fusão é a operação pela qual duas ou mais sociedades existentes se somam, constituindo-se uma sociedade nova, que recebe os patrimônios das anteriores que, dessa forma, desaparecem. A fusão facilita o "surgimento" de sociedades de maior porte e que, por receberem patrimônios de outras, opera mais rapidamente do que uma sociedade constituída ex novo.

    Quando se pensa em fusão de duas ou mais sociedades para a constituição de uma nova há que considerar a partilha do capital social desta sociedade entre os sócios ou acionistas das sociedades que desaparecem. Nesses casos, tal como na incorporação, a avaliação de cada uma das sociedades permite antecipar a nova divisão de poder entre os membros da resultante e, em certa medida, as eventuais disputas entre eles, na aprovação de matérias submetidas à deliberação que poderão emergir.

  5. Denomina-se incorporação a operação mediante a qual uma sociedade existente recebe o patrimônio ou parcela de pa-trimônio de sociedade cindida, permanecendo a incorporadora e desaparecendo a incorporada.

    Por ser mais usual do que a fusão na estratégia de crescimento de sociedades, a incorporação será o objeto da discussão focada na concorrência, na mudança de estruturas de mercado pelo que se denomina crescimento externo.

    Vale dizer que quando uma atividade produz lucros que permitem sua expansão, exceto em face de condutas específicas, a alteração da estrutura do mercado, ou seja, a eventual dificuldade de entrada de novos participantes por exigência de economias de escala, portanto vultosos investimentos, as autoridades reguladoras não poderão impedir o processo.

    Quando o crescimento é externo, resulta de estratégia que retira concorrentes do mercado e altera o equilíbrio de forças anterior, então sim, as autoridades às quais incumbe promover a concorrência, podem intervir. E isto é verdadeiro em todos os países cujas economias são ditas de mercado e em que a livre iniciativa, a faculdade para entrar, permanecer ou sair do mercado, é regra.

    Portanto, o foco da reorganização de sociedades será dirigido para os processos de incorporação como instrumento para somar forças, diversificar atividades, enfim, para o crescimento externo e os efeitos que as estratégias empresariais produzem nas estruturas de mercado. Problemas relativos às crises estruturais das empresas e as soluções previstas na legislação falen-cial de 2005 serão tratados tangencialmente e apenas na medida em que tenham pro-jeções no plano concorrencial.

    De toda forma, trata-se de compreender as externalidades de decisões de membros das sociedades e de sua análise sob o ângulo das eficiências e a distribuição, ou não, de benefícios e rupturas danosas à competição, portanto, os efeitos externos sobre mercados e consumidores. Não se enfocará o exercício do recesso nem, quan-

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    do aplicável, a aquisição de ações na hipótese do art. 4o, § 5o, da Lei n. 6.404/1976 e modificações. Particularmente porque o § 2o ao art. 4-A exclui, do cômputo das ações em circulação, aquelas tituladas pelos controladores.

  6. Parte-se da noção de que os agentes econômicos são movidos, na tomada de decisões, por incentivos e, para tanto, formulam estratégias com vistas quer à maximização de utilidades, quer à minimização de perdas.

    Considera-se, ademais, que os agentes econômicos racionais, por conta das relações interindividuais e coletivas, especialmente em mercados, reagem às estratégias dos outros, o que permite estabelecer modelos estratégicos tanto de cooperação quanto de não-cooperação.

    Nesse sentido, a Teoria dos Jogos formula, ainda, modelos de interação prevendo jogadas simultâneas e outros, em que as jogadas são seqüenciais, leva em conta a natureza e completude da informação.

    Informação, ao contrário do que muitos imaginam, não é apenas importante no processo decisório, mas tem valor, pode ser entendida precificada e transferida mediante contraprestação que, não necessariamente, é valor monetário. Assimetria informacional constitui sério problema quando se observa o funcionamento de mercados.

    O modelo de que se parte é o dos...

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