Estado Socioambiental de Direito e Direitos Humanos: os danos de Belo Monte a partir da perspectiva de gênero

AutorMarcelo Cesar Bauer Pertille - Thais Silveira Pertille
CargoDoutorando e Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Doutoranda e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas412-449
Estado Socioambiental de Direito e
Direitos Humanos: os danos de Belo Monte
a partir da perspectiva de gênero
Socio-environmental State of Law and Human Rights:
Belo Monte’s damages from the gender perspective
Marcelo Cesar Bauer Pertille*
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – RS, Brasil
Thais Silveira Pertille**
Universidade Federal de Santa Catarina – SC, Brasil
1. Introdução
Considerando as noções de Estado Socioambiental de Direito, tem-se
como premissa que considerável dimensão da dignidade humana pode
ser extraída da relação dos cidadãos com o meio ambiente natural. Consti-
tui-se essa interação também na efetivação do princípio constitucional da
solidariedade, manifestado, dentre outras formas, em respeito às gerações
futuras.
Porém, em que pesem todas as garantias estabelecidas por essa mo-
dalidade de Estado, a prática tem demonstrado, das mais diversas formas,
*Doutorando e Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul. Especialista em Direito Público pela UNIVALI. Professor de Direito Penal e de
Direitos Humanos do curso de graduação em Direito da UNIVALI/São José. Membro do grupo
de pesquisa Direito Penal Contemporâneo e Teoria do Crime da PUCRS. Professor e coorde-
nador do Rico Domingues Jurídico. Advogado. E-mail: marcelopertille@yahoo.com.br. Orcid:
0000-0003-0083-450X.
**Doutoranda e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em
Filosofia e Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pesquisadora
do Observatório de Justiça Ecológica da Universidade Federal de Santa Catarina. Advogada.
E-mail: thaispertille@gmail.com. Orcid: 0000-0003-2939-8238.
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a falha em sua implementação no que tange seu mote protetor. Exemplo
latente disso é o caso da instalação da Usina de Belo Monte no Pará e os
consequentes desastres ambientais e humanos nas fases pré e pós-imple-
mentação do projeto.
Nesse âmbito, o objetivo deste artigo é analisar gênero e ambiente e
seus traços comuns na perspectiva de desenvolvimento em andamento no
Brasil, especialmente no caso da implantação da Usina de Belo Monte.
Tendo-se em mente que na seara acadêmica nomina-se paradigma
aquilo que exemplifica de forma clara e concreta os fenômenos que em teo-
ria são debatidos, a Amazônia, pelos mitos que a envolve, por sua extensão
geográfica, história, povos e seres que a habitam, sobrevive, desde a chega-
da dos europeus, como um acurado paradigma da influência internacional
no modo de existir do ambiente e de seus seres. Primeiro pelo eurocentris-
mo e a legitimação cristã e, atualmente, pela globalização que possibilita a
influência estrangeira, agora legitimada pelo discurso do desenvolvimento.
Os impactos socioambientais causados pela construção e funciona-
mento de Belo Monte, em especial os que atingiram a comunidade ribeiri-
nha, serão tomados a partir da divisão das dez capacidades elencadas pela
autora Martha Nussbaum em duas frentes de violações. A primeira diz
respeito à conexão das pessoas com o ambiente natural como reflexo de
dignidade humana; a segunda procura analisar como variados cenários de
violência social aumentaram exponencialmente por conta da destituição
das capacidades das deslocadas ambientais de Belo Monte.
Com esse mote, o primeiro tópico versará acerca da formação do Esta-
do Socioambiental de Direito brasileiro. Para a compreensão que se enten-
de necessária acerca do que se tem por justiça no Brasil quanto à relação
entre seres humanos e ambiente natural, fundamental guardar algumas
transformações estruturais na formação de Estados que passaram a incluir
em suas normas de organização política os temas ambientais.
Por isso é que o primeiro tópico se destina a um resgate do que possi-
bilitou a inclusão da tutela do meio ambiente no âmbito jurídico, visando
à preservação de ecossistemas diante de práticas atentatórias à sustentabili-
dade ambiental. Para isso, a virada nos movimentos constitucionais da se-
gunda metade do século passado constituiu-se em marco de fundamental
importância, haja vista a inclusão, a partir desse período, de critérios éticos
atrelados à valorização da dignidade humana na função de interpretação
das leis.
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Até essa época, apesar da modernidade ter se instaurado em busca da
valorização dos direitos individuais, questões ligadas aos modelos de pro-
dução econômica, que originaram as revoluções industrial e tecnológica,
impediam uma igualdade de proteção social e jurídica a todos. Ademais,
fruto do positivismo, a teleologia da interpretação das normas transforma-
va o sistema jurídico em algo denso, estável, impossível de se moldar às
situações concretas. O segundo pós-guerra trouxe a importância da inter-
pretação das normas a partir de aspectos morais, tendo se iniciado uma
declarada busca pelo bem-estar dos seres humanos e sua forma livre sob
variados aspectos. Nessa perspectiva, o Estado de Direito deixou de ser
concebido como mera organização política regida por leis, mas sim como
ente constituído sob formato destinado, em seu fim último, à execução do
compromisso ético de satisfação dos ideais humanitários.
A ecologização do Estado de Direito enquadra-se nesta busca pela via-
bilidade da dignidade humana quando define que a satisfação dos direitos
fundamentais dos indivíduos tem ligação imanente com o meio ambiente
equilibrado. Desastres ambientais, fruto da geração de riscos sem os neces-
sários cuidados, evidenciaram o potencial lesivo das atividades humanas
ao meio ambiente, incentivando a discussão sobre novas práticas ecológi-
cas e redundaram em formatos de Estados Socioambientais de Direito que
redimensionaram estruturas legais dos Estados e, nessa toada, estimularam
o necessário debate quanto à atuação do sistema jurídico nessas questões.
Na sequência, o segundo tópico pretende demonstrar a falha na im-
plementação desse ideal de Estado no que tange seu mote protetor. Para
tanto, levanta-se o exemplo da instalação da Usina de Belo Monte no Pará
e os consequentes desastres ambientais e humanos nas fases pré e pós-im-
plementação desse projeto industrial.
Por fim, avalia-se a necessidade de que todos os atores sociais sejam
contemplados. Objetivando repensar os modelos não só de Estado, mas do
próprio sentido de igualdade, é que a partir deste ponto passa-se a analisar
de que modo o gênero, como identificação social, está imbricado com as
consequências trazidas com a chegada da Usina de Belo Monte. Pretende-
-se demonstrar que a injustiça de gênero é agravada em um processo de
subalternização naturalizado e que impede a implantação de um verdadei-
ro Estado de Direito Socioambiental que resta suprimido pelo discurso do
desenvolvimento e do progresso.
Marcelo Cesar Bauer Pertille
Thais Silveira Pertille

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