Sociologia da Educação de Max Weber: o Clinamen na prática pedagógica

AutorAlonso Bezerra Carvalho
CargoProfessor do Departamento de Didática e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências, da UNESP, Campus de Marília
Páginas205-226
DOI: https://doi.org/10.5007/175-7984.2020v19n45p205
205205 – 226
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Sociologia da Educação de
Max Weber: o Clinamen1
na prática pedagógica
Alonso Bezerra Carvalho2
Resumo
Este artigo consiste, fundamentalmente, em uma análise do pensamento de Max Weber, de
maneira a buscar uma possível contribuição ao campo da educação na atualidade. Ao expor sua
compreensão sobre o processo de racionalização, tendo na burocracia uma de suas manifes-
tações mais contundentes, Weber compreende as ações humanas como constituídas de uma
tensão permanente. Não haveria no mundo um sentido, com validade universal, que orientasse
a existência. Neste aspecto, a educação precisa adquirir outro signicado, isto é, uma educação
que faça o clinamen surgir e ressurgir, introduzindo no mecanismo determinista o espaço de liber-
tação, que consiste em romper o determinismo inerente a qualquer situação objetiva e, de forma
desviante, abrir espaço para o exercício da autonomia. Se ao professor cumpre fornecer alguma
esperança para a vida de seus alunos, esta deve ser estabelecida a partir do reconhecimento do
caráter agonístico da existência. Agir assim é garantir a integridade e a liberdade intelectual.
Palavras-chave: desencantamento do mundo; burocracia; processo de racionalização; sociologia
da educação; prática pedagógica.
1 O lósofo José Américo Motta Pessanha ao analisar o pensamento de Epicuro, reporta-se à ideia do clinamen.
Segundo ele, “[...] o clinamen [desvio] é condição indispensável para que o mundo, cuja existência é provada
por nossos sentidos, fosse gerado. O que vale dizer: a passagem do possível ao real exige um desvio – mínimo
– das leis mecânicas; deixadas só em si mesmas, elas estabelecem um cenário racional onde o mundo é apenas
possibilidade abstrata [...] O clinamen [...] também explica a possibilidade de o homem reorientar sua vida
interior, desviando-se de sensações dolorosas para ir ao encontro do prazer. A liberdade – para ser feliz mesmo
na adversidade – subtende o desvio, a recusa da fatalidade” (PESSANHA, 1997, p. 71, grifo do autor).
2 Professor do Departamento de Didática e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filo-
soa e Ciências, da UNESP, Campus de Marília. Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação, Ética e
Sociedade (GEPEES), cadastrado no CNPq. E-mail: alonso.carvalho@unesp.br.
Sociologia da Educação de Max Weber: o Clinamen na prática pedagógica | Alonso Bezerra Carvalho
206 205 – 226
1 Introdução
É possível formular uma concepção pedagógica weberiana? É o que
pretendemos responder. Se conhecemos os trabalhos e as ideias de Weber
como pertencentes ao campo da sociologia, isso não impede de colocá-los
em contato com outras áreas do conhecimento. A sociologia de Weber traz
questões importantíssimas do ponto de vista losóco, antropológico e
para a psicologia. Neste artigo, o objetivo é relacionar estas questões à edu-
cação. É verdade que não é nossa pretensão tratá-las como objeto especíco
do campo pedagógico, tornando Weber mais um pensador da educação.
Os temas weberianos que serão apresentados nos fornecem elementos para
rediscutirmos o signicado que a educação teve e ainda tem em um mun-
do que foi desencantado.
De início, tentemos imaginar como, geralmente, é o cotidiano de uma
sala de aula: os alunos sentam-se enleirados, vestidos uniformemente,
obrigados a se comportarem também uniformemente – com uma postura
ereta, silenciosos e atentos aos ensinamentos –, proporcionando condições
para absorverem os conhecimentos de outra pessoa, o professor, que se
julga detentor do conhecimento, pelo menos da área previamente proposta
pela instituição. Esta imagem, todavia, representa um olhar desatento so-
bre uma sala de aula. Com um olhar mais apurado, percebemos que cada
aluno possui uma história de vida, experiências peculiares, pensamentos
únicos e, principalmente, comportamentos e sentimentos diferenciados.
Tomamos, neste sentido, que a uniformidade não se torna tão clara quanto
parecia anteriormente. Tais alunos, geralmente tratados como iguais, são
colocados em uma condição de aprendizagem dos mesmos conteúdos, na
mesma velocidade e da mesma forma. Não se respeitam seus conhecimen-
tos prévios, suas diferenças em termos de capacidade, muito menos suas
opiniões sobre o que se está aprendendo. O aluno tem apenas o dever
de aprender em um tempo determinado, de uma forma preestabelecida
e congurada de acordo com o que se cobra na sociedade. Vemos, neste
âmbito, um processo de homogeneização, vítima de uma racionalização,
produzida a partir de modelos, os quais se tornam almejados, porém rara-
mente alcançados.
Talvez o vínculo educacional mais forte existente na instituição seja
aquele formado entre o professor e o aluno. Tal vínculo é alimentado,

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