Solução consensual dos conflitos e compromisso de ajustamento de conduta

AutorMarcelo Abelha Rodrigues
Páginas157-182
CAPÍTULO 5
SOLUÇÃO CONSENSUAL
DOS CONFLITOS E COMPROMISSO
DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA
1. INTROITO
Foi a partir da patologia social decorrente da desarmonia do trinômio tempo – ef‌i-
ciência – efetividade do processo que a sociedade parou para pensar em formas “alter-
nativas” de resolver seus conf‌litos, evidenciado pela Emenda Constitucional n. 45, ao
estabelecer como princípio jurídico constitucional processual a duração razoável do
processo, que segundo Nery apresenta dupla perspectiva:
“de um lado, respeito ao tempo do processo em sentido estrito, vale dizer, considerando-se a duração que
o processo tem desde seu início até o nal com o trânsito em julgado judicial ou administrativo, e, de outro,
tem a ver com a adoção de meios alternativos de solução de conitos, de sorte a aliviar a carga de trabalho
da justiça ordinária, o que, sem dúvida, viria a contribuir para abreviar a duração média do processo”.1
As técnicas de soluções consensuais de conf‌litos são tão antigas quanto os próprios
conf‌litos. Com ou sem a participação de terceiros2, o consenso, a busca de soluções
harmônicas e amistosas, é inerente ao ser político3 que somos. Não por acaso consta no
preâmbulo da nossa Constituição Federal que a solução pacíf‌ica das controvérsias é
um dos elementos inerentes à Justiça, por sua vez, um dos valores fundantes do Estado
Democrático de Direito4.
Nada obstante a premonição doutrinária da importância dos soluções consensuais
como forma de efetivar o acesso à justiça5, e, mesmo existindo o imperativo constitucional,
e mesmo a conciliação (um dos meios de solução consensual) já estar prevista na legis-
lação brasileira desde as Ordenações Portuguesas, passando pela Consolidação Ribas e
1. NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 9. ed. rev., ampl.
e atual. São Paulo: Ed. RT, 2009, p. 314.
2. Célebre o livro de Cunha Sales, de 1879 tratando da praxe conciliatória dos processos cíveis e comerciais. “Obvio, portanto, é
que para bem poderem os Juizes faser exacta e esclarecida justiça e bem tratarem as partes seus direitos, não basta conhecerem e
seguirem sómente a pratica e theoria do processo no contencioso, mas é ainda necessario, sobretudo, o estudo da theoria e pratica
da conciliações, materia da mais alta e cuidadosa indagação para o Juiz e as partes” CUNHA SALES, José Roberto da. Da praxe
conciliatória. Rio de Janeiro: Nicloláu d´Oliveira & C. 18970, p. 2.
3. ARISTÓTELES. “Ética a Nicômaco”. Tradução de Leonel Valandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 1973. v. IV: Os
Pensadores.
4. Diz ainda o art. 4º, II da CF/88: Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes
princípios: (...) VII – solução pacíf‌ica dos conf‌litos (...)”.
5. Ver por todos CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northf‌leet. Porto Alegre: Fabris
Editora, 1988.; . Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil. In: Revista de Processo, v. 5, São Paulo: Ed. RT,
1977, p. 128-159; Os métodos alternativos de solução de conf‌litos no quadro do movimento universal de acesso à justiça, In:
Revista de Processo. v.74, São Paulo: Ed. RT.
EBOOK ACAO CIVIL PUBLICA.indb 157EBOOK ACAO CIVIL PUBLICA.indb 157 03/02/2021 15:48:0503/02/2021 15:48:05
AÇÃO CIVIL PÚBLICA E MEIO AMBIENTE • MARCELO ABELHA RODRIGUES
158
Regulamento 737, Código de Processo Civil de 1939 e com algum destaque no CPC de
1973 (arts. 125, IV, arts. 277, 331, 447), os olhos da legislação brasileira só se voltaram
realmente – dando a merecida importância – às soluções consensuais quando o tempo do
processo se tornou uma patologia insuportável à ef‌iciência e à efetividade jurisdicional.
O problema dos efeitos deletérios do tempo do processo foi decisivo para que o CNJ,
órgão brasileiro que trata da gestão dos processos jurisdicionais no Brasil, apertasse o
gatilho e criasse uma verdadeira política pública de estímulo às soluções consensuais,
com especial destaque a mediação e a conciliação. Colhe-se da Resolução n. 125 uma
série de atos, programas e até leis que surgiram com intuito de estimulação da solução
consensual dos conf‌litos, antes ou depois de terem sido judicializados.
Antes mesmo da Lei Federal n. 13140/15 (lei da mediação) o CNJ, por meio da
Resolução n. 125 deu o pontapé inicial na Política Pública que f‌icou reconhecida como
“Fórum Múltiplas Portas” que em síntese visa “o tratamento adequado dos conf‌litos de
interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conf‌litos por meios adequados
à sua natureza e peculiaridade” com especial ênfase aos métodos “consensuais, como a
mediação e a conciliação” o qual merecerá uma política pública permanente de incentivo e
aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios”.
“Ao invés de existir somente uma ‘porta’ – processo judicial –, trata-se de um amplo sistema com vários e
distintos tipos de processo que formam um ‘centro de justiça’, no qual as partes podem ser direcionadas ao
processo adequado a cada disputa”.6
A rigor, a solução consensual deveria ser o pensamento imediato, quase involun-
tário, numa sociedade que pretende ser “civilizada”, af‌inal de contas, uma sentença
imposta pelo Estado, que aponta um vencedor e um vencido jamais conseguirá trazer
a “paz social”, que seguramente é obtida quando a solução do conf‌lito é alcançada me-
diante um diálogo democrático, sincero e respeitoso entre os contendores, que permite
ir a fundo nas razões emocionais que deram origem à contenda.
Isso sem falar na inimaginável possibilidade de caminhos e soluções, muito mais
adequados, que podem ser utilizados na solução do conf‌lito que nem sequer poderiam
ser cogitados pelo Poder Judiciário numa solução que ponha f‌im a um conf‌lito por meio
de uma sentença “procedente ou improcedente”. Isso implica, por sua vez, a facilitação
da implementação dos resultados, e, porque não pensar, no restabelecimento do convívio
entre os litigantes que “fazem as pazes” ou que “acomodam os seus direitos”.
Com acerto Trícia Navarro Xavier7 ao dizer que:
“Na verdade, a desjudicialização das controvérsias e a autocomposição pelas partes do processo é uma
realidade nos grandes sistemas como forma de resolver os problemas estruturais da justiça, mas, acima de
tudo, como meio de se atingir uma satisfação mais plena parte dos envolvidos nos conitos, destacando-se,
neste último caso, os benefícios da mediação na pacicação social, já que esta técnica se aproxima das razões
6. AZEVEDO, André Gomma. Desaf‌ios de Acesso à Justiça ante o Fortalecimento da Autocomposição como Política Pública Na-
cional. In: RICHA, Morgana de Almeida; PELUSO, Antonio Cezar (Coord.). Conciliação e mediação: estruturação da política
judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 15-16.
7. CABRAL, Trícia Navarro Xavier. A EVOLUÇÃO DA CONCILIAÇÃO E DA MEDIAÇÃO NO BRASIL. REVISTA FONAMEC, v.
1, p. 368-383, 2017.
EBOOK ACAO CIVIL PUBLICA.indb 158EBOOK ACAO CIVIL PUBLICA.indb 158 03/02/2021 15:48:0503/02/2021 15:48:05

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT