Solução jurisdicional de conflitos coletivos: dissídio coletivo

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Ocupação do AutorDesembargador do Trabalho de carreira do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região
Páginas467-473

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1. Considerações gerais

Quando os ânimos não permitem uma solução extrajudicial para as divergências coletivas, o Judiciário pode ser acionado, e aí surge a figura do dissídio coletivo, que passamos a examinar.

Trata-se de uma ação típica do Direito Coletivo do Trabalho e deve ser ajuizado perante a Justiça do Trabalho, nos Tribunais Regionais ou no Tribunal Superior, caso a questão envolva mais de uma região trabalhista. Possuem legitimidade para ajuizar dissídio coletivo: as entidades sindicais patronais e de trabalhadores; as empresas; e o Ministério Público do Trabalho. Das entidades gremiais brasileiras, as centrais sindicais, consoante a jurisprudência dominante, não possuem legitimidade, restrita apenas aos sindicatos, e, à falta deles, às federações e às confederações (art. 8º, III, da Constituição). Reitere-se, todavia, o disposto no art. 14 da Convenção n. 98 da OIT e a necessidade de ser revista essa posição. Assim, como apontado acima (v., nesta Parte, Capítulo II, n. 2.4), a nosso ver, essa legitimidade já existe, bastando que o entendimento jurisprudencial seja modificado e admitida a participação das centrais sindicais.

Aos conflitos coletivos do trabalho, a Constituição, que, nos incisos II e III do art. 114 cuidou de greve e de representação sindical, respectivamente, dedica os §§ 1º a 3º do mesmo dispositivo. O preceito afirma o seguinte:

Art. 114. Omissis

§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.

De acordo com o Regimento Interno do TST, aprovado pela Resolução Administrativa n. 1.295/2008, com alterações dos Atos Regimentais ns. 1/2011, 2/2011, 3/2012 e 4/2012 e Emendas Regimentais ns. 1/2011, 2/2011, 3/2012 e 4/2012, a Seção III cuida dos dissídios coletivos, e o art. 220 dispõe:

Art. 220. Os dissídios coletivos podem ser:

I - de natureza econômica, para a instituição de normas e condições de trabalho;

II - de natureza jurídica, para interpretação de cláusulas de sentenças normativas, de instrumentos de negociação coletiva, acordos e convenções coletivas, de disposições legais particulares de categoria profissional ou econômica e de atos normativos;

III - originários, quando inexistentes ou em vigor normas e condições especiais de trabalho, decretadas em sentença normativa;

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IV - de revisão, quando destinados a reavaliar normas e condições coletivas de trabalho preexistentes, que se hajam tornado injustas ou ineficazes pela modificação das circunstâncias que as ditaram; e

V - de declaração sobre a paralisação do trabalho decorrente de greve.

Além deles, existe o de extensão, regulado nos arts. 868 a 871 da CLT.

2. Tipos de dissídios coletivos
2.1. Dissídio coletivo de natureza jurídica

O dissídio coletivo de natureza jurídica, também chamado de dissídio de direito, destina-se à interpretação de norma preexistente. Isto é, negociada uma norma coletiva, e havendo dúvida sobre sua aplicação e seu alcance, qualquer das partes pode ajuizar este tipo de dissídio coletivo pedindo que o Tribunal interprete a cláusula. É uma espécie de ação declaratória.

2.2. Dissídio coletivo de natureza econômica

O dissídio coletivo de natureza econômica ou de interesse é a própria essência do poder normativo da Justiça do Trabalho. Nele, o Tribunal cria norma, age como se fosse o próprio legislador. É uma espécie de ação constitutiva, criando novos direitos, em favor dos trabalhadores que apresentam suas reivindicações.

A EC n. 45, de 08.12.2004, promoveu mudança, a nosso ver altamente danosa para a sobrevivência do poder normativo. Consoante a nova redação do § 2º do art. 114 da Constituição, o dissídio coletivo de natureza econô-mica somente poderá ser ajuizado se, esgotada a negociação coletiva direta e recusando-se as partes à arbitragem, procurarem elas, de comum acordo, a Justiça do Trabalho. A hipótese do acordo para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica é, então, praticamente nenhuma.

Afinal, haverá uma decisão da Justiça do Trabalho que contrariará os interesses das partes, sobretudo do patronado, porquanto geralmente fixa-se reajuste salarial ou criam-se benefícios para os trabalhadores, que significam ônus para a outra parte. O de comum acordo inviabilizará esse tipo de dissídio.

2.2.1. Poder normativo e o de comum acordo

O que temos, a rigor, com a dicção de comum acordo inserida no Texto Constitucional, é uma lamentável restrição ao poder normativo da Justiça do Trabalho. Sabemos, e isso não é segredo para ninguém de bom senso, que muita gente quer acabar com esse poder excepcional do Judiciário Trabalhista. João José Sady faz severas críticas:

os seus limites terminam por ser limites políticos situados local e historicamente em razão da natureza e extensão do conflito enfrentado, assim como, da visão dos agentes na aferição da conveniência e oportunidade1.

Poder atípico, é verdade, mas que, por fatores diversos, que vão desde o enfraquecimento do sindicalismo brasileiro até a demora na elaboração de leis que disciplinem as relações de trabalho, ainda é indispensável para a tranqüilidade social.

Pois bem! Como acabar de uma só vez ficaria muito complicado, difícil de explicar ao povo, sobretudo ao trabalhador enfraquecido, o que fez o constituinte derivado? Manteve incólume o dissídio coletivo de natureza jurídica, de papel meramente interpretativo, e, a rigor, de importância menor para os verdadeiros interesses dos trabalhadores.

No entanto, quando tratou de dissídio coletivo de natureza econômica, justamente o que interessa mais vivamente ao obreiro, porque, regra geral, costuma tratar de alteração salarial, criou o constituinte derivado um estranhíssimo de comum acordo para o seu ajuizamento. Ou seja, se não houver esse de comum acordo das partes litigantes, impossível ao Tribunal (Regional ou Superior, conforme o caso) examiná-lo, devendo o processo ser extinto sem resolução do mérito.

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Se, como diz o dito popular, para bom entendedor meia palavra basta, a Constituição da República registra uma dicção completa e induvidosa: é facultado às mesmas [partes], de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica. A intenção não é obscura. É claríssima: acabar com o poder normativo da Justiça do Trabalho.

E aí? Aí alguma coisa precisa ser feita, considerando a realidade do sindicalismo brasileiro, pulverizado e fraco, salvo raríssimas exceções, todas praticamente no sul-sudeste do Brasil.

O que se vê são três caminhos:

1) sem a observância do de comum acordo, pura e simplesmente extingue-se o processo de dissídio coletivo sem resolução do mérito;

2) considerando violado o art. 5º, XXXV, da Constituição, declara-se inconstitucional a famigerada dicção, porque viola cláusula pétrea do Diploma, qual a negação do acesso ao juízo natural, e aprecia-se normal-mente o dissídio coletivo; e,

3) considerar superada a matéria, se o demandado apenas se limitar a impugnar as cláusulas apresentadas pelo demandante, na proposta-base, ficando silente quanto ao de comum acordo, decidindo-se sobre a pretensão dos trabalhadores.

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