Os standards probatórios e a busca de maior objetividade na decisão sobre os fatos

AutorRavi Peixoto
CargoDoutor em direito processual pela UERJ. Mestre em Direito pela UFPE. Membro da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo (ANNEP), do Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO), da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPRO) e do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Procurador do Município do Recife. ...
Páginas586-618
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 15. Volume 22. Número 2. Maio a Agosto de 2021
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 586-618
www.redp.uerj.br
586
OS STANDARDS PROBATÓRIOS E A BUSCA DE MAIOR OBJETIVIDADE NA
DECISÃO SOBRE OS FATOS
1
-
2
THE STANDARDS OF PROOF AND THE SEARCH FOR MORE OBJECTIVITY IN
THE DECISION ABOUT THE FACTS
Ravi Peixoto
Doutor em direito processual pela UERJ. Mestre em Direito
pela UFPE. Membro da Associação Norte e Nordeste de
Professores de Processo (ANNEP), do Centro de Estudos
Avançados de Processo (CEAPRO), da Associação Brasileira
de Direito Processual (ABDPRO) e do Instituto Brasileiro de
Direito Processual (IBDP). Procurador do Município do
Recife. Advogado. Recife/PE. E-mail:
ravipeixoto@gmail.com
RESUMO: O artigo tem por objetivo destrinchar o conceito de standard probatório,
inserindo-o adequadamente no contexto do procedimento decisório, apresentando as suas
principais funções e identificando sua aptidão para tornar mais objetiva a decisão sobre os
fatos no processo decisório.
PALAVRAS-CHAVE: Direito probatório. Decisão sobre os fatos. Standard de prova.
ABSTRACT: The article aims to untangle the concept of standard of proof, properly
inserting it in the context of decision-making, presenting its main functions and identifying
its ability to make the decision on the facts in the decision process more objective.
KEYWORDS: Law of evidence. Decision on the facts. Standard of proof.
1
Artigo recebido em 21/02/2021 e aprovado em 07/04/2021.
2
Esse artigo tem por base a seguinte obra, que aprofunda o tema: PEIXOTO, Ravi. Standards probatórios no
direito processual brasileiro. Salvador: Juspodivm, 2021.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 15. Volume 22. Número 2. Maio a Agosto de 2021
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 586-618
www.redp.uerj.br
587
1. Introdução
O direito probatório, em especial o raciocínio probatório, no contexto brasileiro
consiste em uma área de estudo que não foi tradicionalmente objeto de muitas obras
específicas, nem de grandes preocupações doutrinárias. Não obstante a problemática da
fundamentação jurídica seja riquíssima em estudos,
3
o mesmo não acontece em relação à
justificação dos fatos.
4
Apenas nos últimos anos, talvez até pela influência de um interesse
crescente em outros países do civil law sobre o tema,
5
começa a surgir alguma reflexão
doutrinária sobre a justificação dos fatos.
No direito probatório há um tema que sofre de uma carência ainda maior de
estudos específicos, que são os standards (ou estândares)
6
probatórios, que, embora receba
bastante atenção no common law e com crescente aumento da utilização em países do civil
law, inclusive com previsão legislativa na Itália, Espanha e Colômbia, mantém-se um tema
3
Apenas a título exemplificativo, existem diversas obras sobre o tema, mas cujo foco não são as decisões sobre
os fatos, mas a interpretação jurídica e o tema dos precedentes: NOJIRI, Sérgio. O dever de fundamentar as
decisões judiciais. São Paulo: RT, 1998; SILVA, Beclaute Oliveira. A garantia fundamental à motivação da
decisão judicial. Salvador: Juspodivm, 2007; MOTTA, Cristina Reindolff da. A motivação das decisões cíveis.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012; STRECK, Lenio Luiz. O que é isto decido conforme minha
consciência? Por to Alegre: Livraria d o Advogado, 2012; ABBOUD, Georges. Discricionariedade
administrativa e judicial. São Paulo: RT, 2014; LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das
decisões judiciais. Salvador: Juspodivm, 2015; SCHMITZ, Leonardo Ziesemer. Fundamentação das decisões
judiciais. São Paulo: RT, 2015. Mesmo quando a decisão sobre o s fatos é analisada, aparece apenas como um
elemento secundário: PEREIRA, Carlos Frederic o Bastos. Fundamentação das decisões judiciais. São Paulo:
RT, 2019, p. 147-155.
4
Também destacando a falta de reflexão doutrinária sobre o tema da decisão sobre os fatos: FERRER
BELTRÁN, Jordi. Prueba y verdad en el derecho. 2ª ed. Madri: Marcial Pons, 2005, p. 15-16; POLI, Roberto.
Standard of proof in Italy. . In: TICHÝ, Lubo š (ed.). Standard of proof in Europe. Tübingen: Mohr Siebeck,
2019, p. 197.
5
Cf. a título exemplificativo: FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional de la prueba. Madri: Marcial
Pons, 2007; NIEVA FENOLL, Jordi. La valoración racional de la prueba. Madri: Marcial Pons, 2010; ABEL
LLUCH, Xavier. La valoración de la prueba en el proceso civil. Madri: La Ley , 2014.
6
Na língua portuguesa, o equivalente para o termo standard é estândar , mas que é pouco utilizado pela
doutrina, que acabou por consagrar a nomenclatura em inglês. Até onde se tem conhecimento, apenas um autor
utiliza a nomenclatura em português (MIRANDA NETTO, Fernando Gama de. Ônus da prova no direito
processual público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009; MIRANDA NETTO, Fernando Gama de; LEAL, Stela
Tannure; SOUZA, Thiago Serrano P. Responsabilidade Civil em virtude de doenças associadas ao tabagismo.
Revista Científica Virtual da ESA, v. 17, 2014). Consta ainda a nomenclatura em português utilizada por Danilo
Knijnik que é “modelo de constatação”, (KNIJNIK, Dan ilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio
de Janeiro: Forense, 2007, p. 2) mas que acaba por não representar adequadamente o instituto . Tem-se, aqui,
uma fase da valoração probatória que visa verificar o atingimento de um patamar mínimo de exigência
probatória, o que não vem representado adequadamente pela nomenclatura de modelo de constatação. Por tais
motivos, haverá a utilização da nomenclatura original, em inglês (standard), já consagrada pela doutrina, bem
como da nomenclatura em português (estândar).
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 15. Volume 22. Número 2. Maio a Agosto de 2021
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 586-618
www.redp.uerj.br
588
de pouca preocupação no direito processual brasileiro, em especial, no direito processual
civil.
Na decisão sobre os fatos, para além da valoração das provas, há um momento
posterior e indispensável da decisão relativo à seguinte verificação: se, uma vez avaliadas as
provas, elas atingem um nível mínimo de suficiência para que se possa ter como provada
uma hipótese fática.
O standard de prova é um instrumento de distribuição dos riscos de erros sobre
a decisão dos fatos, por exemplo, uma falsa condenação (falso positivo) ou uma falsa
absolvição (falso negativo), na decisão condenatória penal. Cabe a cada ordenamento
jurídico, a partir da valoração dos bens jurídicos em jogo, aumentar ou diminuir a exigência
probatória, alterando a probabilidade dos riscos de erros. No penal, por exemplo, com o
aumento do standard de prova, a tendência será a de dificultar a condenação dos acusados e
a ocorrência da falsa condenação.
Essa suficiência mínima é o patamar fixado pelos estândares probatórios e,
inexistindo uma expressa corroboração exigida pelo direito, passa a ser possível que cada
juiz fixe seus próprios estândares, a partir de seus próprios valores e concepções do direito.
Em outros termos, a suficiência da prova será atingida quando o juiz considerar que ela foi
alcançada segundo a sua própria concepção,
7
face a ausência de um critério externo que
indique esse patamar.
A decisão, relativa ao preenchimento do standard probatório, passa a pertencer
a um campo de ampla discricionariedade de cada juiz, de difícil controle intersubjetivo.
8
Essa situação ocorre porque, se o estândar probatório não precisa estar expresso na decisão,
ele será utilizado de forma implícita pelo julgador, que não precisará indicar e nem justificar
qual foi a suficiência probatória utilizada. Trata-se de um contrassenso em um contexto no
qual há cada vez uma maior exigência de justificação e controle das decisões judiciais, a
exemplo das exigências do art. 489, §1º, do CPC e do art. 315, §2º, do CPP, com a redação
dada pela Lei 13.964/2019.
7
Destacando os problemas dessa situação tautológica: VIALE DE GIL, Paula A.. ¿La prueba es suficiente
cuando es suficiente? Aproximación a la construcción de la decisión de suficiencia de la prueba en materia
penal Revista Pensar em Derecho, n. 4, 2014, disponível em: http://www.derecho.uba.ar/publicaciones/pensar-
en-derecho/revista-4.php, acessado em 29 de dezembro de 2019.
8
De forma semelhante: FERRER BELTRÁN, Jordi; TUZET, Giovanni. Sulla necessità degli standard di prova
per la giustificazione delle decisioni giudiziali. Diritto & Questione Pubblich e, n. 2, dez.-2018, p. 456-457.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT