O status jurídico do controlador e dos administradores na recuperação judicial

AutorHaroldo Malheiros Duclerc Verçosa
Páginas21-38

Page 21

Introdução
Os conflitos entre a LREF e a LSA

A LREF ainda tem uma história bastante recente, de maneira que muitos dos seus temas não foram aprofundados pelos estudiosos e outros nem sequer por eles abordados. Um destes últimos diz respeito, precisamente, ao status jurídico do controlador e dos administradores no curso de uma recuperação judicial, quando são confrontadas as normas apropriadas da legislação societária (conforme seja a sociedade limitada ou anónima) e da própria LREF.

A doutrina tem apontado diversos problemas na LREF, entre os quais a falta de sistematização de seus institutos, tanto no plano interno, como externamente, ou seja, na sua interação com outros sistemas, sen-do de se lembrar as falhas apresentadas neste ponto no tocante à legislação societária.1

O problema acima citado não é apanágio do direito brasileiro. André Brunet, em estudo sobre o projeto de reforma do direito falimentar francês demonstra a natureza caótica do sistema ali presente.2

Nelson Marcondes Machado estudou a questão dos conflitos da Assembléia-Ge-ral de credores da LREF com a Assembléia-

Page 22

Geral dos acionistas das companhias,3 estas comandadas pelo controlador, como se sabe. A situação conflituosa em causa não se limita à sociedade anónima, mas também pode ocorrer na limitada.

O autor mencionado reconhece a existência de controvérsias entre os credores da sociedade em recuperação judicial e seus sócios, indicando que a fonte principal do fato se refere à dependência de algumas resoluções tomadas pela assembleia de credores em relação à assembleia de sócios. Um dos exemplos trazidos por Nelson Marcondes Machado está na submissão do plano de recuperação ao consentimento da assembleia de credores e o possível confronto que esta poderá ter com o conclave dos sócios. Lembre-se que os dois órgãos funcionarão concomitantemente durante o processo de recuperação judicial, parte dos casos em linhas paralelas, parte em linhas que poderão interceptar-se em diversos pontos.

Alguns dos exemplos da intersecção acima mencionada, conforme lembrado por Nelson Marcondes Machado, estarão nas opções adotadas pelo plano de recuperação judicial em favor dos institutos da cisão, da criação de subsidiárias, ou da emissão de debêntures, cuja aprovação depende da Assembléia-Geral dos sócios da sociedade.

Anota Nelson Marcondes Machado com a nossa veemente concordância que o legislador da LREF passou absolutamente ao largo de questões dessa natureza, limitando-se, no art. 50, a estabelecer que, na recuperação judicial, "será observada a legislação pertinente a cada caso".

Desta forma, instalado o desacordo entre as duas assembleias, e estando o apli-cador da lei diante de uma omissão como acima indicado, pergunta-se qual o critério a ser adotado para a solução do impasse. De maneira geral, tendo em conta o espírito da LREF, presente em seu art. 47, voltado para a salvação da empresa, deverão prevalecer as normas deste diploma legal, em detrimento da legislação societária.

Mas o problema específico para cuja solução pretendemos trazer uma contribuição neste trabalho não diz respeito tão-so-mente à predominância da LREF em relação à legislação societária diante da atua-ção do controlador da sociedade em recuperação judicial, mas também no que diz respeito às medidas que possam ser tomadas em relação àquele, e quem detém a competência legal para tanto.

Assim sendo, neste breve estudo pretendemos lançar algumas questões que entendemos importantes no tema em pauta, o qual certamente dará margem a outros desdobramentos. Faremos o estudo do controlador como tal, isoladamente, não levando em conta o exercício eventualmente concomitante de cargo de administrador, ao lado do exame da posição a ser exercida pelos administradores nesta fase especial da ati-vidade da sociedade.

Lembre-se que a recuperação judicial no direito brasileiro aplica-se às sociedades que exercem uma atividade empresária, independente do tipo escolhido pelos sócios, como sejam a limitada e a companhia, as duas únicas modalidades praticamente usadas no ordenamento jurídico pátrio.

1. O conceito de controlador na legislação societária e seu alcance

Já tivemos oportunidade de nos aprofundarmos sobre a matéria em questão nos itens apropriados dos vols. 2 e 3 do nosso Curso de Direito Comercial procurando aqui sintetizar as colocações que ali foram feitas.

Não há no NCC uma definição genérica de controlador, muito menos especifi-

Page 23

camente para o caso da sociedade limitada. Assim sendo, seja pela permissão do art. 1.053, parágrafo único do NCC (que autoriza a limitada a estabelecer a sua regência supletiva segundo o regramento das companhias), seja pelo recurso à analogia, o conceito de controlador para os dois tipos societários é dado pelo art. 116 da Lei 6.404/1976, ou seja, a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas, vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:

(a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da As-sembléia-Geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e

(b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

Observando o texto legal em apreço, podemos destacar sistematicamente os seguintes aspectos da definição do controlador:

(O trata-se de pessoa física ou jurídica, ou de grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto ou controle comum

Para o efeito do conceito vertente, a lei não leva em conta a qualidade do titular das ações da companhia. É possível, que, por exemplo, se não houver ofensa ao próprio objeto social, o controlador de uma companhia seja por sua vez uma associação, a qual, como se sabe, é impedida de ter fins lucrativos (NCC, art. 53).

A referência legal a grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto tem em conta o fato da realidade segundo a qual frequentemente uma única pessoa natural ou sociedade não é titular da quantidade de ações necessárias à efetivação do controle, necessitando para tanto se associar a outros acionistas, por meio da celebração daquele acordo que tem a natureza de um pac-to parassocial, tema que não será objeto de nossas considerações.

O controle comum, por sua vez, se dá quando duas sociedades são proprietárias da quantidade de ações suficientes para o preenchimento dos demais requisitos do conceito de controlador e ambas são controladas, por sua vez, pela mesma pessoa ou por um grupo de pessoas. Cuida-se, neste caso, de controle em cascata.

(ii) titular de direitos de sócio

A titularidade de direitos de sócio no sistema jurídico societário brasileiro diz respeito tão-somente a quem é proprietário de ações (quanto à companhia), pois são apenas estas que dão direito de voto, condição essencial para a qualificação do controle e de quotas (no tocante à sociedade limitada, na qual todos os sócios têm direito de voto). As ações via de regra serão ordinárias nominativas ou escriturais, considerada a prática estatutária de não se dar direito de voto às ações preferenciais, ou concedê-lo raramente, mas com restrições.

(iii) que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da Assembléia-Geral

Esta maioria de votos será verificada em cada assembleia, no caso concreto, na dependência de como se encontra a distribuição de ações na sociedade correspondente. Quanto mais pulverizado o capital social, menor será a quantidade proporcional de ações para caracterizar o controle.

Tenha-se em conta que a lei usa o termo permanente. Isto não quer dizer, evidentemente, eterno. O legislador desejou significar que não se trata de uma situação fortuita e dependente do acaso. O controlador individual ou o grupo de controle constrói mecanismos para que sua posição seja duradoura no tempo, tendo em vista os interesses económicos para eles relevantes na sociedade controlada.

Page 24

(iv) e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia

Seria ineficaz o controle se o controlador não pudesse comandar a sociedade por meio dos administradores desta, que ele escolhe na Assembléia-Geral ou nas reuniões do Conselho de Administração, os quais lhe devem obediência, sob pena de poderem ser demitidosadnutum. Na sociedade limitada, como se sabe, os administradores podem ser diretamente designados no contrato social ou serem eleitos em Assembléia-Geral ou reunião de sócios, conforme o caso.

Observe-se que, segundo já foi dito acima, o controlador não necessita obrigatoriamente ocupar um cargo na administração da companhia, o que geralmente acontece em relação à presidência do Conselho de Administração e/ou da Diretoria. Seu poder de eleger e de demitir é suficiente para orientar eficazmente a sociedade, no atendimento dos seus interesses. Tais interesses, note-se, devem ser concordes ao interesse social.

(v) usa efetivamente o seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia

De nada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT