STF, povos indígenas e Sala de Situação: diálogo ilusório

AutorMiguel Gualano de Godoy, Carolina Ribeiro Santana, Lucas Cravo de Oliveira
CargoUniversidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil/Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil/Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil
2174
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 3, 2021, p. 2174-2205.
Miguel Gualano de Godoy, Carolina Ribeiro Santana e Lucas Cravo de Oliveira
DOI: 10.1590/2179-8966/2021/61730| ISSN: 2179-8966
STF, povos indígenas e Sala de Situação: diálogo ilusório
STF, indigenous peoples and Situation Room: illusory dialogue
Miguel Gualano de Godoy¹
¹ Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail:
miguelggodoy@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3532-6468.
Carolina Ribeiro Santana²
² Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil. E-mail:
kkrsantana@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0362-0830.
Lucas Cravo de Oliveira³
³ Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil. E-mail:
cravo.lucas@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9722-8698
Artigo recebido em 22/07/2021 e aceito em 18/08/2021.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License
2175
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 3, 2021, p. 2174-2205.
Miguel Gualano de Godoy, Carolina Ribeiro Santana e Lucas Cravo de Oliveira
DOI: 10.1590/2179-8966/2021/61730| ISSN: 2179-8966
Resumo
Esta pesquisa analisa a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
709, proposta no Supremo Tribunal Federal (STF), no que tange à proteção ao direito à
saúde dos povos indígenas isolados e de recente contato. O artigo aborda especialmente
a decisão judicial que determinou a instalação da Sala de Situação, um espaço oficial
dentro da administração, para um diálogo intercultural e o fracasso dessa iniciativa.
Palavras-chave: Povos indígenas isolados e de recente contato; Jurisdição
constitucional; Covid-19.
Abstract
This research analyzes the constitutional lawsuit ADPF 709, filed at the Brazilian
Supreme Court (STF), with regard to the protection of the right to health of isolated and
recently contacted indigenous peoples. The article deals especially with the judicial
decision that determined the installation of the Situation Room, an official space within
the administration, for an intercultural dialogue and the failure of this initiative.
Keywords: Isolated and recently co ntacted indigenous peoples; Constitutional
jurisdiction; Covid-19.
2176
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 3, 2021, p. 2174-2205.
Miguel Gualano de Godoy, Carolina Ribeiro Santana e Lucas Cravo de Oliveira
DOI: 10.1590/2179-8966/2021/61730| ISSN: 2179-8966
1. Introdução
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental1 (ADPF) 709, com pedido de
medida liminar, objetivou a adoção de providências voltadas à evitação e reparação de
graves lesões a preceitos fundamentais da Constituição Federal, relacionadas às falhas e
omissões no combate à pandemia do novo coronavírus entre os povos indígenas
brasileiros. Por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), fora instalada, em
julho de 2020, no âmbito da ADPF 709, uma instância denominada Sala de Situação.
É sobre essa instância específica da ação que o presente artigo vai tratar.
Segundo o ministro relator, Luís Roberto Barroso, a Sala de Situação deveria servir para
que o Estado brasileiro, representado pelo governo de Jair Messias Bolsonaro, e a
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) estabelecessem um "diálogo
intercultural" (BRASIL, 2020, p. 15) a respeito das demandas mais delicadas da ação, ou
seja, aquelas voltadas aos povos indígenas isolados e de recente contato2.
A instância de diálogo entre as partes estabelecida no âmbito de um processo
judicial em trâmite no Supremo Tribunal Federal é algo extremamente inédito para os
povos indígenas. Aliás, não é demais lembrar que até 1988 os indígenas nem sequer
possuíam capacidade postulatória, o que só se concretizou com o advento do artigo 232
da Constituição Federal. Assim, de início, é de se destacar não apenas o ineditismo da
instância para eles, o que, consequentemente, gerou desafios significativos ao diálogo
conforme se verá adiante; como, também, o caráter histórico da decisão ao reconhecer
a APIB como legitimada ativa para a propositura de ADPF.
Há um rol restrito de pessoas e entidades que estão legitimadas a mobilizar o
Supremo Tribunal Federal para o controle de constitucionalidade concentrado, sendo
elas definidas pelo Artigo 103, da Constituição Federal. Os seis partidos políticos que
1 A ADPF é uma das ações que fazem parte do controle concentrado de constitucionalidade. A
regulamentação desta ação pode ser encontrada em dois textos normativos: na Constituição Federal e na
Lei 9.882/99. Na Constituição, os artigos 102, § 1º e 103, § 1º e § 3 dispõem: "Art. 102. Compete ao
Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: § 1º A arguição de
descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta C onstituição, será apreciada pelo Supremo
Tribunal Federal, na fo rma da lei; Art. 103. A Lei, por seu turno, traça como se dará o processo e o
julgamento das ADPFs pelo STF.
2 As comunidades indígenas que vivem em isolamento são as mais vulneráveis do ponto de vista sócio-
epidemiológico, pois seus modos de vida e as ameaças a que estão sujeitas fazem com que sejam e estejam
mais suscetíveis a doenças infecto-contagiosas. Além disso, a degradação ambiental dos locais em que
vivem podem significar privação imediata tanto de remédios quanto de al imentos. Nesse sentido, vide:
RODRIGUES, D.A. Proteção e assistência à saúde dos povos indígenas isolados e de recente contato n o
Brasil. São Paulo: OTCA, 2014.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT