STJ e liberdade de expressão: desafios e possibilidades no século XXI

AutorLuiz Edson Fachin
Páginas228-236

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Ver Nota1

1. Introdução

A liberdade é uma condição humana que há muito recebe a atenção do direito. Seu percurso inspira páginas na história recente e merece sucinta referência ao início desta singela reflexão. Na modernidade, exempli gratia, sua tutela ganha destaque frente às aspirações de uma burguesia que reivindicava cada vez mais prerrogativas e autonomia perante o Estado. Com o advento das grandes navegações e posteriormente da Revolução Industrial, comer-ciantes europeus almejavam maior flexibilidade negocial para desenvolvimento da indústria e comércio.

Neste contexto, a liberdade era vista a partir de seu caráter negativo, propalada como a impossibilidade de interferência estatal em determinada esfera de direitos do indivíduo. Tal aspecto da personalidade estava em plena consonância com a índole individualista e positivista da modernidade, na qual o direito era visto de forma abstrata, muito atrelada às codificações e à letra da lei em sua exegese pura. A propriedade era considerada direito inalienável e, justamente para sua melhor proteção e tutela, invocava-se a liberdade.

Com o desenrolar do século XX, novos fenômenos como a eclosão das duas grandes guerras mundiais e a crise de 1929 fizeram o mundo todo perceber que o individualismo por si só não bastava. Fazia-se imperioso que não apenas as classes mais abastadas economicamente recebessem amparo. Por isso, frente à indignação de trabalhadores e das atrocidades cometidas na segunda guerra mundial, despontou a necessidade da tutela social dos direitos. Neste período, surgiram diversas declarações de direitos de aspecto social que asseguravam o direito à dignidade da pessoa humana, à saúde e educa-

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ção, transparecendo a necessidade de uma interpretação mais complexa da liberdade para além de seu âmbito meramente negativo.

Mesmo com esta onda constitucionalista de caráter mais social, o Brasil demorou a partilhar desta visão de mundo e de direito. Em 1964, o Estado brasileiro iniciava uma travessia pelo regime da ditadura militar, no qual muitos dos direitos e garantias discutidos ao redor do mundo foram ignorados. Nele, o Ato Institucional nº 5 suprimia a liberdade de expressão e suspendia direitos políticos de diversos membros da sociedade.

Passados 24 anos, o Brasil então atravessava um momento de redemocratização, com a necessidade da instauração de uma nova constituição que justamente garantisse a tutela social de direitos que o mundo já vinha discutindo. Entre várias novidades, esta carta magna consagrou a criação do Superior Tribunal de Justiça em seu artigo 104 e seguintes. E a partir de sua criação, tal tribunal tem enfrentado diversos desafios na concretização dos direitos da população, ora demonstrando avanços notáveis, ora refletindo dificuldades neste processo. Por isso, efeito, se toma como ‘Tribunal da Cidadania’.

2. Pressupostos à análise do tema
2. 1 O Superior Tribunal de Justiça: criação, funções e desafios

A Constituição de 1988 instituiu o Superior Tribunal de Justiça composto por, pelo menos, 33 ministros2, conforme estipula claramente o seu artigo 104.

Na escolha destes ministros, o constituinte brasileiro decidiu pela adoção de alguns critérios objetivos, como a necessidade de idade acima de 35 anos e abaixo de 65 anos e a condição de ser brasileiro nato ou naturalizado. Tais critérios demonstram a preocupação com amadurecimento profissional e o intuito de permitir decisões mais equânimes e equilibradas. Ademais, alguns critérios subjetivos também foram utilizados conforme o disposto no parágrafo único deste artigo 104, tais como o notável saber jurídico e a reputação ilibada. Isto evidencia a preocupação, por um lado, com conhecimento técnico e teórico atilado e, por outro, com ética e moralidade na condução de vida.

Na sequência, o artigo 105 estabelece um extenso rol de competências desta corte superior, com especial atenção para o dever de zelar pela uniformidade de interpretação do direito pátrio, fazendo valer a lei federal em todo o território nacional3. Logo, cabe a este tribunal pacificar o entendimento ju-

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risprudencial acerca de matérias que envolvem as mais variadas leis federais do Brasil, principalmente por meio do julgamento de recursos especiais. Para Fredie Didier Jr., o julgamento que venha a ser proferido, conferindo interpretação a determinada norma federal, serve, a um só tempo, como corretivo da decisão impugnada e elemento de uniformização da jurisprudência quanto à interpretação da referida norma4. Trata-se de autêntica função paradigmática.

Institucionalmente, percebe-se que a Constituição Federal de 1988 se preocupou em criar um tribunal que estivesse mais atento ao direito infra-constitucional, possibilitando assim a tutela dos direitos dos cidadãos. Sem dúvida, ao longo destes aproximadamente 25 anos de criação, o STJ tem auxiliado na consolidação de diversos entendimentos primordiais ao Brasil.

Nas palavras de Ana Frazão e Gustavo Tepedino, desde implantação, em 1989, o STJ prestou extraordinária contribuição na reconstrução do direito civil à luz da recém-promulgada ‘Constituição Cidadã’ de 1988, aproximando seus julgamentos ao direito civil contemporâneo5. Em matéria de responsabilidade civil, por exemplo, tornou-se majoritário o entendimento de responsabilização...

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