O STJ, o processo civil contemporâneo, a segurança jurídica e o desenvolvimento nacional

AutorRogério Medeiros Garcia de Lima
Páginas331-353

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1. Introdução

Este artigo enfocará o Superior Tribunal de Justiça – a mais alta corte brasileira para interpretação da lei federal – em face do processo civil contemporâneo e dos princípios da segurança jurídica e do desenvolvimento nacional.

Abordará inicialmente a recente crise mundial, que desaguou em protestos de cidadãos nas vias públicas do Brasil e de diversos países do mundo.

Em um quadro mundial de intensa “judicialização”, despontam acirrados conflitos de conteúdo econômico e social. Seu julgamento impõe, como se argumentará, a observância de três premissas básicas: respeito aos contratos, garantia da segurança jurídica e boa-fé.

São saudáveis para o regime democrático a realização de protestos e a reivindicação de direitos pelas pessoas. Todavia, o progresso de um país depende também do fortalecimento das instituições. E não prescinde da conduta ética dos cidadãos.

Discorrerá o texto, a seguir, sobre o impacto macroeconômico das decisões judiciais. A globalização econômica faz com que os mercados globalizados obstem a capacidade dos governos nacionais de condicionar politicamente o ciclo econômico. Resta aos atores políticos recriar, em nível global, as tradicionais garantias de segurança jurídica próprias do direito privado nacional.

Nesse contexto, os magistrados, no ato de julgar conflitos concretos, não podem desprezar o impacto macroeconômico de suas decisões.

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Será destacada ainda a razoável duração do processo como garantia de direitos fundamentais, conferida pela Constituição de 1988, na mesma linha de tratados internacionais (artigo 5º, inciso LXXVIII, incluído pela Emenda Constitucional 45, de 2004).

Avulta aqui a instrumentalidade do processo, visto este como realidade do mundo social legitimada por três ordens de objetivos que, através dele e mediante o exercício da jurisdição, o Estado persegue: sociais, políticos e jurídicos.

Igualmente releva a efetividade do processo, na clássica concepção de Chiovenda, segundo a qual o processo deve dar, na medida do possível, a quem tenha um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de obter.

Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça já estabeleceu que os modernos princípios do acesso ao Judiciário buscam facilitar a decisão de mérito: “Os obstáculos processuais devem ser afastados, sempre que possível. Decorrência da instrumentalidade do processo”2.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está em sintonia com o processo civil contemporâneo, quando recomenda ao juiz repudiar a aplicação meramente formal das leis. São transcritas, exemplificativamente, decisões desse teor no âmbito daquela corte.

Mais que isso, segurança jurídica e desenvolvimento nacional devem ser incluídos entre os escopos do processo.

Somente funcionam os países que têm instituições políticas e econômicas inclusivas. Do contrário, falharão no longo prazo.

2. A crise mundial contemporânea

Já tivemos ocasião de refletir sobre as turbulências econômicas da atualidade. Vivemos tempos difíceis. O mundo, desde 2008, está mergulhado em grave crise econômica. Ela se manifesta, de modo especialmente agudo, em países da União Europeia. No entanto, Estados Unidos e China também sofrem seus efeitos. A potência asiática reduziu o ritmo de seu crescimento3.

Essa conjuntura respinga de maneira preocupante no Brasil. Nos últimos doze anos fincamos nossa estabilidade econômica no modelo exportador de mercadorias (commodities). Agora vivenciamos a perigosa combinação de ampliação do endividamento governamental, diminuição sensível do crescimento econômico e risco de volta da inflação.

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Governos, com raras exceções, gastam mal o dinheiro arrecadado com impostos. Um país emergente, contudo, deveria seguir o ditado popular: se o cobertor é curto, cobre a cabeça e descobre os pés.

O ex-ministro da Fazenda Delfim Netto sustenta que Estado e mercados são instituições que precisam ser coordenadas. Assim atingiremos o melhor nível de eficiência possível e os frutos econômicos produzidos serão distribuídos da forma mais equânime. No longo prazo, acelera-se o crescimento material com inclusão social: É preciso, portanto, cuidadosa calibragem entre as políticas econômica e social do governo e o crescimento do setor privado4.

3. Os protestos de rua e a racionalidade das instituições

Governantes brasileiros foram surpreendidos, no mês de junho de 2013, por eloquentes manifestações de rua, estimuladas pelas redes sociais da internet. Milhares de cidadãos indignados saíram às ruas para protestar, entre outros temas, contra a má qualidade dos gastos públicos, as deficiências nos setores de saúde, educação, transportes públicos e a corrupção.

Protestos expressam, de modo passional, a insatisfação generalizada dos governados. São uma forma legítima de exercício da cidadania participativa. Sem dúvida, as vozes das ruas fortalecem o regime democrático implantado pela Constituição Federal de 1988.

No entanto, para o país se desenvolver não podemos prescindir da racionalidade das instituições. Em síntese, os governos têm de buscar os melhores resultados para satisfazer o interesse público, em todas as esferas federativas; os legisladores têm de editar leis exequíveis e duradouras; e os juízes, por sua vez, têm de zelar pelo cumprimento da Constituição e das leis, sem criar sobressaltos no convívio social.

Conforme o jurista francês Antoine Garapon, o mundo contemporâneo caracteriza-se pelo controle crescente da justiça sobre a vida coletiva. Juízes são chamados a se manifestar em número cada vez mais extenso de setores da vida social5.

O Brasil não escapa da assustadora “judicialização”. Nesse contexto, despontam acirrados conflitos de conteúdo econômico e social. O Poder Judiciário defronta-se, de um lado, com a forte pressão de diversas organizações sociais de proteção dos indígenas, do meio ambiente, dos consumidores, dos

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trabalhadores e congêneres; e, de outro, também é forte a resistência de entidades governamentais e poderosos grupos econômicos.

A primeira premissa para julgar tal espécie de conflito é o respeito aos contratos:

Além de ser determinação constitucional, em nosso país, tornou-se um imperativo do Estado de Direito e um valor cultural e ético em todo o mundo ocidental. Chegou-se a afirmar que uma sociedade que não respeita os contratos se caracteriza pela deslealdade e é desmoralizada. Nem mesmo demo-cracia pode haver nos países nos quais não é possível exigir e obter o cumprimento dos contratos.6A segunda premissa é a garantia da segurança jurídica. O professor Eros Grau, citando Max Weber, aponta a necessidade, para o mundo capitalista, de “estabilidade, segurança e objetividade no funcionamento da ordem jurídica e no caráter racional e em princípio previsível das leis e da administração”7.

A terceira premissa é a boa-fé. O artigo 113 do Código Civil dispõe que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Impõe sinceridade e probidade nas relações jurídicas8.

Enfim, é democraticamente saudável realizar passeatas para protestar e reivindicar direitos. Mas o progresso do país depende também do fortalecimento das nossas instituições. E ainda depende da conduta ética dos cidadãos: devem votar em bons candidatos para cargos eletivos, evitar o “jeitinho” brasileiro na satisfação de interesses pessoais, não sonegar impostos, não subornar funcionários públicos e não comprar drogas ilícitas de traficantes. Do contrário, não progredirá o Brasil e de nada valerão as manifestações de rua.

4. A globalização, o impacto macroeconômico das decisões judiciais e seu efeito vinculante

O fenômeno globalização econômica faz com que os mercados globalizados obstem a capacidade dos governos nacionais de condicionar politicamente o ciclo econômico. É crescente a integração dos sistemas financeiros e econômicos, em escala global. Aumenta a capacidade dos movimentos mundiais de capital de condicionar as posturas internas. Não são apenas as economias nacionais que se inserem nas fronteiras dos estados, pois os estados também

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estão inseridos nos mercados. O peso determinante dos processos econômicos – em particular os financeiros – transformou os atores econômicos transnacionais em poderosos competidores dos estados nacionais. São transpostas barreiras comerciais e abertos novos mercados. Aos atores políticos reserva-se somente a tarefa de recriar, em nível global, as tradicionais garantias de segurança jurídica próprias do direito privado nacional9.

Nesse contexto, aos magistrados cabe analisar cada caso em suas circunstâncias peculiares. Não podem desprezar o impacto macroeconômico das suas decisões. O economista Armando Castelar, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), sustentou que abalam o mercado de crédito a ineficiência do Poder Judiciário e as decisões judiciais causadoras de insegurança jurídica10.

Igualmente, argumentou Fábio Ulhoa Coelho:

A instabilidade do marco institucional manifesta-se por vários modos. Um deles é a jurisprudência desconforme ao texto legal. Se a lei diz ‘x’, mas sua aplicação pelo Judiciário implica ‘não-x’, os investimentos se retraem. O investidor busca outros lugares para empregar seu dinheiro; lugares em que ele tem certeza das regras do jogo e pode calcular o tamanho do risco (que sempre existe em qualquer empreitada econômica). Numa economia globalizada, ele os encontra com facilidade. Tanto o investidor estrangeiro começa a evitar o país com...

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