Study on "The Oracle of Delphi: The Council of State in Imperial Brazil", by Jose Reinaldo de Lima Lopes/Estudo sobre "O oraculo de delfos: o conselho de estado no Brasil-Imperio", de Jose Reinaldo de Lima Lopes.

AutorLobo, Juda Leao
CargoTexto en portugues - Ensayo

Introducao (1 2)

O oraculo de Delfos merece ser lido tanto por historiadores do direito quanto por juristas em geral. Aos interessados em direito publico do Brasil Imperio, e de leitura obrigatoria por conter excelente analise do Conselho de Estado.

Poucos conhecem sua centralidade em producao e interpretacao do direito. Ao menos no Segundo Reinado, foi grande centro de dialogo entre os poderes do Estado por meio de suas consultas: aconselhava o Moderador e o Executivo; resolvia duvidas do Judiciario; opinava sobre projetos de lei a serem debatidos no Legislativo, e encaminhava-lhe as questoes que, como orgao consultivo, nao se considerava competente para resolver, especialmente em caso de lacuna ou exigindo interpretacao autentica do direito. As razoes para o controle de constitucionalidade da legislacao provincial, ademais, provinham do Conselho, que solicitava ao Legislativo sua anulacao.

Tudo isso e exposto com maestria e erudicao por Jose Reinaldo de Lima Lopes, em dialogo produtivo entre teoria e historia do direito. A linha condutora da obra e a teoria da interpretacao, aplicada a analise do Conselho de Estado e de suas consultas. Apesar disso, O oraculo de Delfos nao se limita a especulacoes baseadas em pouca prova. Pelo contrario, consiste em livro bem-sucedido na passagem do contexto de descoberta ao contexto de justificacao (ATIENZA, 2014, p. 5-10), ou seja, transita com coerencia da intuicao eloquente a sua comprovacao cientifica, elaborada com ampla pesquisa documental, baseada nas consultas da Secao de Justica do Conselho.

Seja pela relevancia tematica, seja pela qualidade da pesquisa, o volume merece divulgacao na comunidade cientifica. Considerei relevante, nessa linha, elaborar o presente estudo, dividido em dois grandes topicos, sintese e analise. Essa distincao cumpre nao apenas a funcao de oferecer ao publico uma nocao dos argumentos do autor, mas tambem a de distinguir entre os argumentos dele e minhas consideracoes. 1 2

Seria verdadeiro equivoco considerar o topico de sintese reflexo objetivo do texto. Sinteses significam reducao de complexidade, sobretudo ante obra densa como O oraculo de Delfos. Escolhas foram inevitaveis, embora tenha pretendido manter a maior fidelidade possivel ao texto. Dessa busca por coerencia com a obra, decorrem as diversas citacoes diretas focando frases, expressoes e conceitos empregados pelo autor, evitando ao maximo a transcricao de longos trechos, tao lamentavel no estilo quanto comum entre juristas.

O topico de analise subdivide-se em tres pontos: 2.1) Constituicoes politicas, dedicado a delinear os principais tracos da teoria constitucional dominante no seculo XIX, e a questionar a escolha do autor pelo mais juridico e menos politico; 2.2) Discussao publica e formacao da cultura juridica, dedicado a sustentar a relevancia da opiniao publica para a construcao da cultura juridica brasileira, especialmente nas figuracoes (3) da imprensa e do parlamento; 2.3) Interpretacao do direito entre Legislativo e Executivo, dedicado a por em questao o argumento de que apenas ao Legislativo cabia a interpretacao autentica do direito e o controle de constitucionalidade, expondo dois casos indicativos de que, na pratica, o Conselho de Estado vinha assumindo essas funcoes.

A maioria dos argumentos expostos na analise baseia-se em fontes historicas, pesquisadas sob inspiracao de Carlo Ginzburg (1989, p. 143-179). Seu metodo indiciario valoriza o cotidiano e particular para compreender o contexto geral de um periodo. Disso decorre certa suspeita ante analises adotando o ponto de vista dos grandes modelos e ideias, suspeita presente ao longo do texto, especialmente nos pontos 2.2 e 2.3. Ideias e modelos sao relevantes para compreender o passado, como deixo claro no ponto 2.1. Cotidiano e particular, entretanto, nao apenas os contem, mas tambem vao alem deles, revelando sintomas em regra ausentes na teoria e nos grandes livros.

Ao final deste artigo de apresentacao e critica, concluo ser O oraculo de Delfos obra de grande importancia por explorar aspectos desconhecidos ou pouco investigados em historia do direito brasileiro, sendo capaz de inaugurar uma nova serie de pesquisas. Sobretudo se focadas em direito publico, entretanto, devem acertar contas com a teoria constitucional da epoca, valorizar a discussao publica como fonte historica e dedicar-se a sobreposicao do Executivo ao Legislativo em fins do seculo XIX.

  1. Sintese

    No livro, Jose Reinaldo de Lima Lopes expoe pesquisa sobre a atividade do Conselho de Estado, centrada nas consultas da Secao de Justica. Seu proposito e "recuperar uma historia abandonada" a partir de "fontes primarias e primariamente juridicas" (LOPES, 2010, p. XIV). Para tanto, pretende estudar "o direito tal como aplicado e experimentado", assim como "os debates mais juridicos e menos politicos do seculo XIX" (LOPES, 2010, p. XV).

    Ao recuperar fontes primarias, pretendeu responder as seguintes questoes: "Onde estava a alta cultura juridica brasileira? Como era? De que se ocupava? Quais os principios adotados ao decidir? Quem provocava a decisao?" (LOPES, 2010, p. XV). Sem pretender resposta definitiva ou explicacao global, escolheu "analisar a producao do direito em um de seus locais privilegiados" (p. XV), o Conselho de Estado.

    Sobre esse espaco de producao da cultura juridica durante a monarquia constitucional brasileira, o autor observa, "Poucos juristas das novas geracoes sabem que o Brasil teve um Conselho de Estado tao ativo na administracao cotidiana do Imperio, tao importante na consolidacao do direito brasileiro, tao relevante para a legislacao e a jurisprudencia oitocentista" (LOPES, 2010, p. XV). O arcabouco normativo construido pelos conselheiros, em geral juristas de vasto saber e experiencia, consistiria em legado relevante inclusive ao periodo republicano.

    O primeiro capitulo, A tradicao ocidental na interpretacao do direito, apresenta a linha condutora da exposicao: a interpretacao do direito. Antes de focar o periodo analisado, o autor traca panorama historico sobre esse tema, aqui omitido.

    Do ponto de vista juridico, o seculo XIX caracteriza-se por respeito a lei e limites bem delineados a interpretacao do direito, reduzindo a excessiva liberdade dos interpretes, proveniente de passado pluralista e anti-igualitario. Dada a supremacia do legislador na "ordem constitucional liberal" (LOPES, 2010, p. 11), ao interprete caberia papel mais restrito e modesto que o exercido na cultura juridica tardo-medieval e de Antigo Regime.

    A limitacao do aplicador do direito perante a legislacao era motivada, por um lado, pelo "ambiente institucional" (LOPES, 2010, p. 89) distinguindo legislador e julgador e, por outro, pela diferenca entre interpretacao autentica e doutrinai. A primeira pertencia ao legislador e a segunda, tanto a juristas quanto a orgaos aplicadores de normas. "Era, alias, como se divulgavam as decisoes dos tribunais e do proprio Conselho de Estado", esclarece Lopes (2010, p. 79), "chamava-se doutrina aquela decisao, pois embora decidisse um caso, representava uma direcao nao obrigatoria para todos, uma orientacao. A interpretacao autentica, como e feita pelo proprio legislador, e de fato uma nova lei".

    Eis a perspectiva a partir da "qual se pode fertilmente descrever e analisar a atividade do Conselho de Estado brasileiro, alcado, volens nolens, a dignidade de interprete autorizado da ordem juridica do Segundo Reinado" (LOPES, 2010, p. 11).

    O segundo capitulo, A instituicao: historia e perfil de seu desempenho, foca o perfil institucional do Conselho de Estado, adotando ponto de vista mais juridico que politico. Essa opcao justifica, segundo o autor, a escolha da Secao de Justica em detrimento do Conselho Pleno.

    Antes de tratar da instituicao, Lopes (2010, p. 91) expoe as razoes que o levaram a atribuir grande importancia ao Conselho de Estado na construcao de "uma cultura juridica no Imperio, relativamente erudita e ao mesmo tempo seriamente voltada para a pratica".

    Centrado na supremacia do Legislativo para interpretar o direito, o perfil constitucional adotado no Brasil durante a monarquia nao permitia aos juizes, nem ao Superior Tribunal de Justica, cupula do Judiciario, "interferir na interpretacao geral da lei (...), nem em declaracao de sua inconstitucionalidade" (LOPES, 2010, p. 97). Apesar de garantir direitos individuais, assim como a observancia das normas juridicas no caso concreto, o Judiciario nao pode ser considerado lugar destacado na producao da cultura juridica brasileira do seculo XIX. Tampouco o eram as faculdades de direito, sendo "a vida academica no Brasil (...) passageira tanto para os alunos quanto para os professores" (LOPES, 2010, p. 104), uns e outros voltados as distintas carreiras publicas, de carater mais pratico que academico.

    Teriam esses fatos impedido "o surgimento de uma cultura juridica (uma alta cultura, se quisermos)?" A resposta vem em sequencia, "Nao houve falta completa de cultura juridica de grande erudicao entre nos" (LOPES, 2010, p. 107). Pelo contrario, as fontes historicas "sugerem um grau sofisticado de argumentacao" (LOPES, 2010, p. 101). Para compreender essa cultura, entretanto, convem sublinhar serem de "vies essencialmente pratico" (LOPES, 2010, p. 107) as tarefas a que se dedicavam os juristas, o que leva a questionar acerca dos lugares em que a cultura juridica do periodo se produzia. "Sendo ela pratica, antes que academica, e nao procedendo apenas das faculdades, de onde os lentes eram continuamente afastados para exercer funcoes de Estado, nem do Supremo Tribunal de Justica, onde encontra-la?" (LOPES, 2010, p. 108).

    Preparando o terreno para responder a essa pergunta, o autor considera importante distinguir dois modelos de producao cultural dos juristas brasileiros: o dos compendios para uso nas faculdades de direito, que "nao foi particularmente forte", e o dos manuais praticos, que nao convem desprezar "do ponto de vista intelectual" (LOPES, 2010, p. 109)...

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