A subjetividade do intérprete na análise de princípios e regras como problema não de intepretação mas de aplicação da norma (com fundamento na noção de signo exposta por C. S. Peirce)

AutorMarcos Antônio Striquer Soares
Páginas369-390
A suBJetiViDADe Do intÉrprete nA
Análise De princÍpios e reGrAs como
proBlemA não De intepretAção
mAs De AplicAção DA normA (com
funDAmento nA noção De siGno
eXpostA por c. s. peirce)
Marcos Antônio Striquer Soares
Analisa a necessidade de interação entre Direito e realidade social.
Constata que a Teoria do Direito e a Teoria da Constituição não têm
explicações suficientes ou convincentes para proporcionar essa inte-
ração. Constata que tanto princípios como regras têm variação em
graus de abstração e deixam margem à subjetividade do intérprete e
do aplicador da Constituição. Analisa o art. 14, § 1º, II, c, da Cons-
tituição Federal, que autoriza o alistamento eleitoral somente aos 16
anos de idade, mas encontra solução diferente quando da interpreta-
ção/aplicação, com a autorização do alistamento aos 15 anos de idade.
Analisa a pré-compreensão do intérprete para constatar que não exis-
te explicação suficiente e tampouco controle sobre essa pré-compre-
ensão, o que torna a subjetividade do intérprete um problema ainda
maior. Parte das teorias de Charles Sanders Peirce para constatar que
o signo representa um objeto e, de outro lado, causa, em uma mente,
algo que é, pelo signo, mediatamente, devido ao objeto. Desse modo,
o signo não carrega a totalidade do conteúdo do objeto (no caso, a
norma jurídica ou o fato social) e não é totalmente absorvido pelo in-
térprete, deixando sua interpretação mais ou menos indeterminada.
Desse modo, o intérprete acaba, de certa forma, isolado do mundo,
nesse instante, e o significado da norma, apropriado para a sociedade,
pode ser encontrado somente em um processo dialógico. Constata,
por fim, que a subjetividade do intérprete na análise de princípios e
regras, muito mais do que um problema de interpretação, é um pro-
blema de aplicação da norma.
Resumo
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1 A proposta de integração entre Direito e realidade
É comum encontrarmos teorias que concluem pela necessidade de
haver ligação entre o Direito e a realidade. A realidade social, como ambien-
te em que a norma é aplicada, deve ser levada em consideração no momen-
to de interpretação e aplicação da norma. Norma jurídica e realidade social
compõem, desse modo, um conjunto não cindível, para efeito de aplicação
da norma.
A advertência mais significativa quanto aos efeitos de fatores da vida
social sobre a norma encontra-se em Ferdinand Lassalle. Em conferência pro-
nunciada no ano de 1863 Lassalle já ressalta: “Quando podemos dizer que
uma constituição escrita é boa e duradoura? (...) Quando essa constituição escrita
corresponder à constituição real e tiver suas raízes nos fatores do poder que regem o país.
Onde a constituição escrita não corresponder à real, irrompe inevitavelmente
um conflito que é impossível evitar e no qual, mais dia menos dia, a constitui-
ção escrita, a folha de papel, sucumbirá necessariamente, perante a constituição
real, a das verdadeiras forças vitais do país”1. Os fatores reais de poder existem
no meio social e são capazes, segundo o autor, de se sobrepor à Constituição
jurídica, fazendo com que esta seja reduzida a mera folha de papel.
Essa advertência de Lassalle é atual e ainda atormenta intérpretes e apli-
cadores do Direito, especialmente da Constituição. Essa necessidade de inte-
ração entre Direito e realidade social é realçada por Konrad Hesse, autor de te-
oria bastante coerente quanto às necessidades e possibilidades dessa interação.
1 Ferdinand Lassalle, A essência da Constituição, 4ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1998,
p. 47. Para compreender melhor a conferência proferida, seguem alguns recortes: “Mas que
relação existe com o que vulgarmente chamamos Constituição? Com a Constituição jurídica?
Não é difícil compreender a relação que ambos os conceitos guardam entre si. Juntam-se
esses fatores reais do poder, os escrevemos em uma folha de papel e eles adquirem expressão
escrita. A partir desse momento, incorporados a um papel, não são simples fatores reais do poder,
mas sim verdadeiro direito – instituições jurídicas. Quem atentar contra eles, atenta contra a lei,
e por conseguinte é punido (p. 32). Assim, pois, todos os países possuem ou possuíram sem-
pre e em todos os momentos da sua história uma Constituição real e verdadeira. A diferença
nos tempos modernos e isto não deve ficar esquecido, pois tem muitíssima importância não
são as constituições reais e efetivas, mas sim as constituições escritas nas folhas de papel”(p. 41).
No final, o autor conclui: “Os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas de
poder; a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos
do poder que naquele país vigem e as constituições escritas não têm valor nem são duráveis a
não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social: eis aí
os critérios fundamentais que devemos sempre lembrar” (p. 53).
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