Subordinação no Pós-Reforma: a Necessidade de Retorno à Dependência como Pressuposto Autêntico do Liame de Emprego

AutorBruno Pontes Sales
Páginas53-75
Subordinação no PÓs-Reforma: a Necessidade
de Retorno à Dependência como Pressuposto
Autêntico do Liame de Emprego
Bruno Pontes Sales(1)
(1) Auditor-Fiscal do Trabalho. Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.
Introdução
Este ensaio procurará demonstrar, com
certa dose de pretensão, a necessidade de revi-
sitar-se o conceito de subordinação, enquanto
critério principal de identi cação de uma si-
tuação jurídica de emprego, analisando-o não
apenas sob o seu per l tradicional e sob as
in uências modernas das concepções objetivas,
mas, principalmente, a partir de sua origem
legítima e histórica estampada no art. 3º, caput,
seja, a partir do elemento econômico-jurídico
que lhe estrutura em seu verdadeiro cerne, a
dependência.
Vislumbrada dentro da lógica do trabalho
assalariado e da apropriação por terceiro da
força produtiva alheia, a dependência do obrei-
ro, iniciada como econômica e transmudada
de força jurígena na sequência, como contrato
ou ato-fato jurídico, apresenta-se, a juízo deste
articulista, como a melhor resposta do Direito
do Trabalho às variadas e novas formas de
gestão dos processos econômicos e produtivos,
persistente tanto nos modelos mais rudimen-
tares e primários de organização, como no
contexto atual de liberalização da terceirização
nas atividades- ns e nos cenários disruptivos
que exsurgem no mercado de trabalho (“ube-
rização”, marketplace etc.).
Essa abordagem, a par da recente reforma,
perpassará por algumas das inovações trazidas
pela Lei n. 13.467/2017 à legislação sociolabo-
ral, principalmente pelo polêmico parágrafo
único do art. 444 celetista, procurando apontar
suas inconstitucionalidades e inconsistên-
cias sob diversas e diferentes perspectivas, e
tendo em conta o caráter sempre tuitivo da
ciência jurídica trabalhista nesse processo. O
postulado da primazia da realidade funcio-
nará, nesse desiderato, como via aclaratória
da dependência econômico-jurídica como o
pressuposto fundante de qualquer relação de
emprego revelando, assim, sua essência e
como condição de possibilidade interpretativa
de quaisquer dispositivos que direta ou indi-
retamente procurem tutelá-la.
Sem mais delongas, avante.
54 Organizadores Carlos Fernando da Silva Filho, Rosa Maria Campos Jorge e Rosângela Silva Rassy
1. Tipos de subordinação e a insu ciência de
seus conceitos
Na busca por identidade própria e como
forma de autonomizar o Direito do Trabalho
perante outras searas jurídicas o que, aliás,
se mostrava como de necessidade indiscutí-
vel, haja vista suas nuances , a doutrina e
a jurisprudência trabalhistas desenvolveram
a categoria da subordinação jurídica em con-
sonância com diversos pontos de vista e em
matizes das mais variadas ordens. O m, como
dito, era ressaltar a relação de emprego no sis-
tema capitalista como algo um existencial
que se distinguia das demais formatações
jurídicas até então construídas e concebidas
pela ciência civilística.
Nesse propósito, inicialmente, talvez
porque contagiada pela dinâmica gerencial
do taylorismo-fordismo, de intenso controle,
a subordinação foi encarada sob a premissa
de que sua materialização ocorreria apenas e
tão somente se, em paralelo, houvesse ordens
e comandos diretos provindos da contraparte
que contratara e/ou empregara o trabalhador.
Nesse raciocínio, portanto, haveria de existir
uma forte in uência sobre o conteúdo do tra-
balho desenvolvido e/ou sobre o modus operandi
acerca de seu funcionamento, em uma dinâ-
mica que, sem possibilidade de contraposição,
o fazer do trabalhador submetia-se natural e
inexoravelmente à direção do titular do poder
patronal.
Assim sendo, sob essa ótica, a subordina-
ção revelar-se-ia mediante o labor desenvolvido
no estabelecimento do empregador, por meio
do controle de jornada e das pausas de des-
canso, através de prescrições demarcadas
aprioristicamente e numa aproximação mais
direta e pessoal entre o tomador dos serviços
(ou seus prepostos) e o respectivo prestador.
A justi cativa era, pois, a intensi cação do
trabalho a par de um constante processo de
monitoramento e vigilância.
Essa concepção, com o tempo, mostrou-se
frágil e à margem das inúmeras realidades vi-
venciadas por diversos trabalhadores que, no
mercado, vendiam sua força de trabalho e
apenas ou principalmente ela em troca de
um rendimento por sobrevivência e condições
mínimas de vida. Trabalhadores efetivamente
assalariados, não proprietários e/ou não de-
tentores dos meios de produção, os quais, não
enquadrados nessa condição fático-jurídica, ou
melhor, não nela subsumidos ou porque não
recebiam ordens diretas ou porque não traba-
lhavam na unidade física do empreendedor ou,
ainda, porque não se submetiam à marcação de
ponto eram relegados de qualquer proteção
sociojurídico-trabalhista, a representar, eviden-
temente, uma contradição às razões fundantes
e principiológicas do Direito Laboral enquanto
ciência imperativa. São exemplos e alvos desses
efeitos colaterais os trabalhadores em domicílio,
os pro ssionais intelectuais e/ou técnico-cien-
cos, os “autônomos” não exclusivos, entre
outros.
Como forma de alterar esse quadro e
levando em consideração os novos cenários
de organização produtiva, sob os auspícios
do Toyotismo, mais exível e permeável, por-
tanto, menos rígido, e conduzido por outros
desígnios ideológicos (adaptação à demanda)
, a conformação da subordinação jurídica foi
ganhando novos ingredientes e requisitos não
pensados e contemplados dentro de sua con -
guração tradicional anterior. Migrou-se, assim,
de um enfoque subjetivista tão somente pro-
palado na vinculação pessoal do empregado a
um empregador a uma abordagem também
e, principalmente, objeti cante, arquitetada na
noção de inserção ou interação sinérgica da
atividade do trabalhador, como uma engrena-
gem, nos ns precípuos do empreendimento. O
objetivo era claro: imantar a proteção do Direito
do Trabalho à camada de trabalhadores que,
até então, vinha sendo excluída de sua tutela.
Um dos primeiros juristas brasileiros a
tratar do assunto foi Arion Romita (1979), cuja
formulação teórica, denominada subordinação
objetiva, em síntese, é assim articulada:
A subordinação gravita em torno da
atividade. Exercita-se, porém, sobre com-
portamentos de recíproca expressão, que
se de nem pela integração da atividade do
empregado na organização empresarial. É
certo que a própria pessoa do trabalhador
está envolvida na relação de trabalho, mas

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