A Sucessão dos Conviventes na Jurisprudência
Autor | Tarlei Lemos Pereira |
Páginas | 327-430 |
“... quando o nosso Direito dá as costas à realidade,
a realidade se vinga
e dá as costas ao Direito.”
(Carlos Ayres Britto)
C A P Í T U L O VII
A SUCESSÃO DOS CONVIVENTES NA JURISPRUDÊNCIA
Sumário: 7.1 Supremo Tribunal Federal; 7.2 Superior Tribunal de Justiça; 7.3 Tribu-
nal de Justiça de Minas Gerais; 7.4 Tribunal de Justiça do Mato Grosso; 7.5 Tribunal
de Justiça do Mato Grosso do Sul; 7.6 Tribunal de Justiça do Paraná; 7.7 Tribunal de
Justiça do Pará; 7.8 Tribunal de Justiça de Sergipe; 7.9 Tribunal de Justiça do Espírito
Santo; 7.10 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; 7.11 Tribunal de Justiça de San-
ta Catarina; 7.12 Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios; 7.13 Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro; 7.14 Tribunal de Justiça de São Paulo
Resumidamente, a pesquisa jurisprudencial que efetuamos nos sites dos
principais Tribunais de Justiça estaduais, bem como nos sites dos Tribunais Su-
periores do país, levou-nos à constatação de que os posicionamentos acerca
do tema sucessão dos conviventes (artigo 1.790 do Código Civil) são, algumas vezes,
divergentes, o que procuramos explorar ao longo do nosso estudo, sempre que
julgado oportuno.
Na sequência, transcrevemos as ementas – seguidas de nossos comentários
– das decisões que reputamos mais signicativas para a compreensão da matéria,
sempre dentro do escopo do tema a que nos propusemos pesquisar. Todas as
decisões aqui parcialmente reproduzidas foram proferidas após vir a lume a Lei
nº 10.406/2002 (Código Civil Brasileiro), que trouxe encartado em seu Livro V,
Título I, Capítulo I, o artigo 1.790, objeto maior de nossas preocupações.
Embora a leitura das ementas a seguir sejam autoexplicativas, mister frisar-
mos, v.g., que o Desembargador Francisco Loureiro, do Tribunal de Justiça do
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C a p í t u l o VII
Estado de São Paulo, em 11.09.2008, proferiu decisão1 reconhecendo a incompa-
tibilidade lógica do artigo 1.790 do Código Civil Brasileiro com o sistema jurídico
de proteção constitucional às entidades familiares e ao direito fundamental à he-
rança. Reconheceu, inclusive, a meação da companheira aos ativos deixados pelo
autor da herança, porém afastando-a da concorrência com descendente menor.
Em outro julgado do mesmo Sodalício2, o Desembargador Piva Rodrigues
reconheceu a equiparação constitucional das entidades familiares matrimoniais
e extramatrimoniais, em razão de serem oriundas do mesmo vínculo, qual seja,
a afeição, de que decorre a solidariedade e o respeito mútuo entre os familiares.
Desse modo, por serem entidades destinatárias da mesma proteção especial do
Estado, a disparidade de tratamento em matéria sucessória fere a ordem consti-
tucional, tendo a aludida decisão ponderado os princípios da dignidade da pessoa
humana, da isonomia e o direito fundamental à herança, além da proibição do
retrocesso social (effet cliquet).
Outrossim, prevalece o entendimento nos tribunais de que na falta de descen-
dentes e ascendentes, o convivente sobrevivo tem direito à totalidade da herança,
afastando-se da sucessão os colaterais, por força do reconhecimento da inconstitu-
cionalidade do artigo 1.790, inciso III, do Código Civil3.
Outras decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo seguem no
mesmo sentido, encontrando tal entendimento ressonância em praticamente
todos os tribunais estaduais do país, embora o mesmo não ocorra em relação à
1ª Turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que, em ver-
eis que não fere o princípio da isonomia, porquanto não equiparou o instituto
da união estável ao casamento4. Nesse mesmo sentido, vêm se pronunciando
os Desembargadores Luiz Felipe Brasil Santos e Sérgio Fernando de Vascon-
cellos Chaves, ambos da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul, que nos Agravos de Instrumento nºs 70.012.430.351 e
70.024.063.547, respectivamente, tiveram oportunidade de asseverar que “ine-
xiste qualquer inconstitucionalidade no tratamento sucessório diferenciado com que são con-
templados os cônjuges e os companheiros”, sendo que “tratando-se de institutos jurídicos
distintos, é juridicamente cabível que a união estável tenha disciplina sucessória distinta
do casamento”.
1 Referimo-nos ao A.I. nº 567.929-4/0-00.
2 Referimo-nos à Apel. Cível c/ revisão nº 587.852-4/4-00.
3 Código Civil, artigo 1.790 – “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos
bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – (...); II – (...); III – se
concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a 1/3 (um terço) da herança.”
4 Referimo-nos, v.g., ao A.I. nº 2009.002.001.862-2 e à Apel. Cível nº 2005.101.007.104-6.
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A sucessão dos conviventes nA jurisprudênciA
A seguir, então, relacionamos as ementas por nós coletadas, separadas por
tribunal, acompanhadas de nossas considerações:
7.1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
R.E. nº 597.952 (decisão monocrática) – STF
DECISÃO: Vistos, etc.
1. Trata-se de recurso extraordinário, interposto com suporte nas alíneas “a” e “b”
do inciso III do art. 102 da Constituição Republicana, contra acórdão do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Leia-se a ementa do julgado (s. 126):
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. COMPANHEIRO SOBREVI-
VENTE. DIREITO À TOTALIDADE DA HERANÇA. PARENTES COLATE-
RAIS. EXCLUSÃO DOS IRMÃOS DA SUCESSÃO. INAPLICABILIDADE DO
ART. 1.790, INC. III, DO CC/02. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDA-
Não se aplica a regra contida no art. 1.790, inc. III, do CC/02, por afronta aos prin-
cípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e de igualdade, já que o art.
226, § 3º, da CF, deu tratamento paritário ao instituto da união estável em relação ao
casamento.
Assim, devem ser excluídos da sucessão os parentes colaterais, tendo o companheiro
o direito à totalidade da herança.
Incidente rejeitado, por maioria.
Recurso desprovido, por maioria.”
2. Muito bem. Observo que a Oitava Câmara Cível afastou a aplicação do inciso III
do artigo 1.790 do Código Civil de 2002 no caso concreto. E o fez sem a observância
do disposto no artigo 97 da Carta Magna.
3. A parte agravante, a seu turno, alega afronta ao artigo 5º e ao § 3º do artigo 226 da
Constituição Federal. Sustenta que “deveria o colegiado ter remetido a apreciação da
declaração de inconstitucionalidade do dispositivo (art. 1.790, III), para julgamento
perante o Pleno do Tribunal de Justiça do ERGS” (s. 153).
4. Tenho que a insurgência merece acolhida. Isso porque, no caso, é de incidir a Sú-
mula Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal. Súmula cuja dicção é a seguinte:
“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de
tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte.”
faço para cassar o acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de
origem a m de que se proceda a novo julgamento, nos termos do art. 97 da Consti-
tuição Federal.
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