Estratégias de suporte organizacional para processos de aprendizagem no contexto do futebol

AutorRamiro Zinder da Silva/Narbal Silva
CargoMestre em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina, Coordenador do curso de especialização em Psicologia Organizacional e do Trabalho da Universidade Estácio de Sá, Florianópolis, SC/Mestre em Administração e Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Feder
Páginas151-169

    Organizational support strategies to learning processes in soccer context

Page 152

Introdução

A aprendizagem organizacional é construída, em um primeiro momento, de forma individual, com as experiências de vida, na qual estão incluídas aprendizagens formais e informais adquiridas. Portanto, parece relevante compreender que, antes de qualquer modo de aprendizagem compartilhada, é necessário levar em conta as aprendizagens individuais.

Em suas obras, Tsang (1997) e Bastos, Gondim e Loiola (2004) estabeleceram uma classificação em três níveis de análise para fenômeno da aprendizagem: o individual, o grupal e o organizacional. O nível individual corresponde às aprendizagens adquiridas pelo indivíduo ao longo de sua vida, resultado das experiências. A aprendizagem individual depende da percepção, da inteligência, da experiência e das necessidades e motivações de cada um. Na perspectiva de estudo de Argyris e Schön (1978) e Kim (1998), os grupos são considerados elos fundamentais de mediação entre a aprendizagem individual e a aprendizagem organizacional.

O processo de aprendizagem grupal caracteriza-se pelo compartilhamento das aprendizagens individuais. Além disso, o compartilhamento de valores também é significante, na medida em que permite ao grupo o estabelecimento de regras em comum, aceitas pelos seus membros como aspectos norteadores do desempenho. A interação gera conhecimento mútuo e visualização de pontos comuns que servirão de base para a elaboração de normas coletivas, tácitas e explícitas (MOSCOVICI, 2001).

O futebol é um exemplo de esporte coletivo em que o compartilhamento de valores é fundamental para o sucesso de um time. A importância de tal sucesso ganhou maior proporção a partir da década de 1990, quando este esporte adquiriu uma dimensão de negócio lucrativo, no momento em que muitos clubes deixaram de ser apenas locais recreativos para se tornarem empresas. Fatores como a Lei Pelé, sancionada em 1998; a Nova Lei Pelé, de 2001 e o Estatuto do Torcedor, aprovado em 2003, geraram mudanças nos clubes. Dentre as mudanças, talvez a mais notável seja a profissionalização da gestão do futebol, ou seja, os dirigentes deixaram de ser os torcedores ilustres que chegavam a investir seu próprio dinheiro no clube e passaram a ser gestores profissionais, em geral, com experiências bem sucedidas no ramo espresarial (LEONCINI & SILVA, 2005).

Page 153

No primeiro Relatório Final do Fórum de Discussão Permanente de Políticas do Esporte, construído pelo Núcleo de Estudo em Esporte (NEE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), consta que, a partir da década de 1990, houve a necessidade de adequação aos processos envolvidos no futebol dos quais destacam-se: investimento da mídia televisa nos jogos de futebol, transações de altos valores com o mercado exterior e o aumento do número de competições disputadas por clubes. Dois anos mais tarde, no Relatório publicado por Zouain e colaboradores (2006), evidenciou-se o planejamento dos clubes para uma gestão profissional como fonte de resultados positivos e lucrativos, o investimento em estádios para a geração de emprego e de renda e "a formação de mão-de-obra qualificada, necessária em um setor em que se pretende, mesmo em longo prazo, buscar a excelência" (p. 731). Diante das recomendações presentes nos dois relatórios, todos esses fatores levaram os clubes a modernizar sua administração, deixando o amadorismo e proporcionando um modelo de gestão profissional.

Gerenciar de forma profissional, pressupõe atenção às diversas variáveis que influenciam as organizações. Dentre tais variáveis, a compreensão das relações entre aprendizagens individuais, grupais e aprendizagens nas organizações destaca-se como aspecto relevante. Para De Geus (1998), este fator corresponde a uma das vantagens competitivas das organizações frente aos desafios impostos pela contemporaneidade como, por exemplo, a globalização, a competitividade e as novas tecnologias. A compreensão da aprendizagem como fator relevante para a melhoria do desempenho das organizações é evidenciada por autores consagrados como Argyris e Schön (1978), Kolb (1984), Garvin (1993, 2002, 2008) e Senge (2002). Com base no exposto, torna-se relevante, nesta análise teórica, caracterizar as estratégias de suporte organizacional para processos de aprendizagem no contexto do futebol.

Organizações com suporte para os processos de aprendizagem

Os estudos sobre as organizações de aprendizagem ganharam evidência ao final da década de 1980 e na década de 1990 devido às mudanças de ordem político-econômica e tecnólogica. Nesse período, dois fenômenos principais contribuiram para que o conhecimento fosse colocado em lugar de destaque no ambiente organizacional: a ausência de barreiras político-econômicas na transação entre países - processo conhecido como globalização - que permitiu a abertura de novos mercados para as organizações e as transformações que agilizaram a transmissão de informações como os telefones celulares e a internet, que provocaram uma demanda maior de conhecimentos necessários para a consolidação no mercado (FRANCO & FERREIRA, 2007).

Page 154

Tais fenômenos geraram desafios para a competitividade das organizações e, no intuito de superá-los, De Geus (1998) estabeleceu o conceito de tolerância. Este conceito corresponde à flexibilidade, que significa a capacidade de os gestores apresentarem variedades de respostas ao ambiente e, consequentemente, tornar o seu negócio mais competitivo.

Diante desse cenário, as organizações que oferecem, em sua estrutura, suporte aos processos de aprendizagem entre seus empregados são conceituadas de organizações de aprendizagem, ou também, organizações que aprendem. Por vezes, na literatura, constata-se confusão entre tal conceito e as definições de aprendizagem organizacional. As organizações de aprendizagem são objetos de estudos de consultores sobre a transformação organizacional. Os estudos são baseados em experiências práticas bem sucedidas, que são generalizadas para outras organizações. O propósito, neste caso, é demonstrar as estratégias utilizadas para possibilitar o aprendizado de trabalhadores no ambiente corporativo. Já a vertente de estudos sobre a aprendizagem organizacional é caracterizada por pesquisadores acadêmicos que tem como objetivo principal a construção de teorias sobre o fenômeno da aprendizagem para, assim, descrever os fatores associados a tal processo nas organizações de trabalho (TSANG, 1997; BASTOS et al., 2004).

Embora possuam diferenciações conceituais, as organizações de aprendizagem (OA) e a aprendizagem organizacional (AO) apresentam características convergentes. Autores como Tsang (1997), por exemplo, definem as OA como aquelas que conseguem obter estratégias de AO. É recorrente, nas obras sobre a aprendizagem organizacional, como em Bastos e colaboradores (2004) e Abbad e Borges-Andrade (2004), referirem-se às organizações que aprendem como uma metáfora. Porém, a expressão é inadequada, visto que a metáfora é uma figura de linguagem de comparação e não um recurso de personificação.

Em 1988, Aries De Geus - então diretor de planejamento da Royal Dutch/Shell - apresentou um artigo intitulado "Planning as learning" na revista Harvard Business Review. Embora o autor não tivesse reconhecimento acadêmico-científico na época, o artigo causou repercussão ao tratar a aprendizagem no ambiente corporativo como a única vantagem competitiva do futuro (SENGE, 1999). Anos mais tarde, no livro que foi originado do artigo, De Geus (1998) revela que uma empresa considerada saudável e que deseja se manter no mercado por longos anos deve estimular a aprendizagem entre os trabalhadores e, além disso, permitir o compartilhamento de valores para que todos se direcionem para um objetivo em comum. Desta forma, os membros da organização poderão alcançar seus objetivos individuais, como o crescimento profissional e o reconhecimento, por meio do alcance dos objetivos organizacionais: a manutenção no mercado, o crescimento organizacional e o lucro, por exemplo.

Page 155

As organizações que aprendem apresentam características comuns no que se refere ao fato de que os indivíduos se encontram engajados com os processos de aprendizagem. Senge (2002), por exemplo, revela que as organizações que aprendem são organizações nas quais as pessoas ampliam continuamente a capacidade de criar os resultados que realmente desejam, onde ocorre o estímulo de padrões de pensamento novos e abrangentes, em que a aspiração coletiva ganha liberdade e as pessoas aprendem juntas e continuamente. Para que este conceito seja posto em prática, o autor estabelece cinco disciplinas para a sua construção: domínio pessoal, modelos mentais, construção de uma visão compartilhada, aprendizagem em equipe e pensamento sistêmico. O domínio pessoal refere-se ao autoconhecimento e ao aprendizado individual, os modelos mentais correspondem à externalização da visão de mundo e de homem que determina o modo de pensar e agir de cada indivíduo, a construção de uma visão compartilhada ocorre quando as pessoas assumem o comprometimento em alcançar uma aspiração em comum, a aprendizagem em equipe é a capacidade de compartilhar as aprendizagens e convergí-las para o objetivo em comum e, por fim, o pensamento sistêmico norteia todas as disciplinas anteriores e pressupõe a consciência das conexões e consequências de longo prazo (SENGE, 2002).

Os pressupostos e critérios para a construção de organizações que aprendem são de difícil implantação, tanto que Finger e Brand (2001) consideram que a organização de aprendizagem é um ideal, seguindo o pensamento de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT