O Supremo Tribunal Federal e a (In)disciplina dos Precedentes - Estudo de Caso

AutorArthur José Jacon Matias
Ocupação do AutorMestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público
Páginas257-285
Precedentes: Fundamentos, Elementos e Aplicação 257
Capítulo VIII
O Supremo Tribunal Federal e a (In)disciplina
dos Precedentes – Estudo de Caso
1 Considerações preliminares
Nos dois capítulos antecedentes sustentou-se que os
precedentes constituem interpretação de textos legislativos
prévios. Por meio dos precedentes o Poder Judiciário de ne
sentidos de termos plurissigni cativos, reduzindo a vagueza e
a indeterminação dos textos legais. Em virtude dessas caracte-
rísticas, considerou-se que a violação ao precedente é um ato
ilícito quali cado pelo grau maior de in delidade ao direito,
sendo possível deduzir dessa conduta a intencionalidade delibe-
rada do magistrado de omitir-se na aplicação correta do direito
e de dar a solução adequada à lide por ele julgada, sujeitando-o,
em última análise, à responsabilização pessoal. Pugnou-se, tam-
bém, que a possibilidade de responsabilização do magistrado
por ofensa aos precedentes estaria sob condição suspensiva, no
aguardo de os tribunais catalogarem seus precedentes por temas
e promoverem a adequada divulgação de seus enunciados.
Há, também, um componente ético que, por ora, obsta
qualquer possibilidade de responsabilizar um juiz por descum-
prir precedente vinculante: a visível relutância dos ministros do
Supremo Tribunal Federal em curvar-se às decisões dimanadas
pelos órgãos colegiados da Corte, ainda que discordem delas.
Frise-se, este é o enunciado básico da doutrina dos precedentes:
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o juiz deve seguir as decisões anteriores que enfrentaram assun-
tos similares ao que está sendo julgado ainda que não concorde
com elas. O stare decisis nem sempre representa a aplicação do
bom direito. Recapitule-se aqui o que averbou o Juiz da Supre-
ma Corte norte-americana Louis Brandeis, para quem é mais
importante que as controvérsias sejam decididas de uma vez por
todas do que decididas corretamente (cf. nº III, item 6, supra).428
A doutrina dos precedentes consubstancia, sem dúvida, um
paradoxo: enquanto admite sem pejos que o Poder Judiciário
crie o direito, concomitantemente limita a discricionariedade
judicial ao determinar aos juízes que deixem suas convicções
jurídicas de lado e adotem os entendimentos já sacramentados
pelas Cortes superiores ou, se este for o caso, pelo Tribunal a
que estão vinculados (cf. nº III, item 8, supra). Essa limitação não
atinge os ministros do Supremo Tribunal Federal? Por certo que
sim. Não há uma doutrina dos precedentes para magistrados de
instâncias inferiores e cortes de apelação e outra para tribunais
de superposição. Os juízes do Supremo Tribunal Federal estão
tão vinculados às decisões do Supremo Tribunal Federal quanto
os demais juízes.
Todavia, a restrição forçada pelo stare decisis não tem sido
bem recebida pelos membros da Corte Constitucional. A rebeldia
dos juízes do Supremo Tribunal Federal é um fato facilmente
constatável e demonstra que a implantação de um regime de
precedentes feita com base em imposições legais não é nada
simples, mormente em um cenário em que a independência judici al
é ordinariamente levada ao paroxismo e o reconhecimento da
jurisprudência como fonte do direito ainda é uma extravagância,
malgrado os ingentes esforços do próprio Legislativo. Ora, se
os ministros da Suprema Corte relutam em aplicar os prece-
dentes que o próprio Tribunal cria, seria de todo desarrazoado
428 SCHAUER, Frederick. Thinking Like a Lawyer. Cambridge: Harvard University
Press, 2009, p. 44 (tradução livre).
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