Suspensão do IPI como isenção: identificando para evitar pandemônio

AutorJosé Roberto Vieira
Páginas627-672
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SUSPENSÃO DO IPI COMO ISENÇÃO:
IDENTIFICANDO PARA EVITAR PANDEMÔNIO
José Roberto Vieira1
“...’Pandemônio’, cidade e sede orgulhosa de ‘Lúcifer’...”
(JOHN MILTON
2
)
1. Verdades, Fábulas e Parábolas
Comecemos pela nossa matéria. E ela, nosso conteúdo, é
a busca da verdade jurídica. Ora, este é um trabalho científi-
co, e toda obra dessa estirpe tende para a verdade. Não se tra-
ta, é claro, de uma verdade firme e permanente, pois todas
as verdades humanas são, inevitavelmente, precárias e efê-
meras. E não é diferente com a verdade científico-jurídica.
1. Professor de Direito Tributário da Universidade Federal do Paraná – UFPR e do
Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET (graduação, especialização, mes-
trado e doutorado); Mestre e Doutor em Direito do Estado – Direito Tributário (PUC/
SP); Estudos pós-graduados no Instituto de Estudios Fiscales (Madri, Espanha); Ex-
-membro julgador do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, atual
CARF (Brasília, DF); Ex-Auditor da Receita Federal (Curitiba, PR); Parecerista.
2. Paradise Lost, Book 10, p. 263. No original inglês: Paraíso Perdido“...’Pandaemo-
nium’, citie and proud seate of ‘Lucifer’...”
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IBET - INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS
Recorramos, aqui, à límpida palavra de FRIEDRICH
NIETZSCHE, o genial pensador alemão: Na ciência as con-
vicções não têm direito de cidadania...: apenas quando elas
decidem rebaixar-se à modéstia de uma hipótese... pode lhes ser
concedida a entrada... no reino do conhecimento – embora ain-
da com a restrição de que permaneçam sob vigilância policial,
a vigilância da suspeita...” (grifamos)3. Ora, quando se admi-
te reduzir uma convicção ao estado hipotético, afasta-se-lhe
a certeza, retirando-lhe o caráter de convicção. E não pode
ser de outro modo, desde que nosso conhecimento só com-
porta “verdades aproximadas” ou “quase-verdades”, como
nos admoestou NEWTON DA COSTA, o soberbo lógico para-
naense contemporâneo, hoje na UFSC4; nosso conhecimento
só avança a partir de “conjecturas”, só progride a partir de
“palpites”, como nos advertiu KARL POPPER, o filósofo da
ciência austríaco-britânico do século passado5. Não fora as-
sim e caminharíamos céleres de volta à Idade Média, com o
pavor e os horrores da “Santa” Inquisição, como avisa, su-
til, RUBEM ALVES, o escritor e ex-professor da UNICAMP:
“As certezas andam sempre de mãos dadas com as fogueiras”6.
Aqueles que recusam isso são qualificados, na voz forte e sem
meias-medidas de NIETZSCHE, como “tolos”, como “ingê-
nuos e virtuosos asnos” 7!
E, depois da matéria, sigamos pela nossa forma; depois do
conteúdo, prossigamos pelo nosso continente: a fábula. Tida
como uma forma literária híbrida, a fábula inclui-se entre as
manifestações utilitárias ou militantes, pelo seu acento ético,
explica MASSAUD MOISÉS, o antigo titular de Literatura da
3. A Gaia Ciência, p. 234-235, nº 344.
4. O conhecimento Científico, p. 54-55 e 130-133. NEWTON DA COSTA chama-as,
ainda, de “verdades pragmáticas”.
5. Conjecturas e Refutações (O Progresso do Conhecimento Científico), p. 17.
6. Filosofia da Ciência: Introdução ao Jogo e a suas Regras, p. 189.
7. Respectivamente, Aurora: Reflexões sobre os Preconceitos Morais, p. 254, nº 507; e
Além do Bem e do Mal: Prelúdio a uma Filosofia do Futuro, p. 180-181, nº 264.
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CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO
E OS DIÁLOGOS ENTRE TEORIA E PRÁTICA
USP8. Fiquemos, aqui, com a definição de JEAN DE LA FON-
TAINE, o fabulista francês que talvez tenha sido o maior de
todos os tempos: “Fábula é uma narrativa na qual, sob o véu da
ficção, vai envolta a moralidade...” 9
Em rigor, podemos ser mais específicos, quanto à nossa
forma, apontando para a parábola. Frequentemente assu-
mindo a condição de gênero, a fábula também pode, circuns-
tancialmente, manifestar a índole de espécie, quando se apro-
xima do apólogo e da parábola. Para alguns, como reporta
MASSAUD MOISÉS, a distinção entre essas narrativas, todas
curtas e marcadas pelo conteúdo moral, residiria nas perso-
nagens: quando protagonizada por objetos inanimados, seria
o apólogo; quando por animais irracionais, seria a fábula; e
quando por seres humanos, seria a parábola, que exibe espe-
cial identidade com o espírito bíblico10.
E para preparar a aproximação entre matéria e forma,
entre verdade e parábola, recorramos a GILBERTO GOR-
GULHO e a ANA FLORA ANDERSON, lançando mão da an-
tiga estória rabínica que eles contam:
Certa vez, a Verdade andava visitando os homens, sem roupas e
adornos, tão nua como o seu nome. Todos que a viam viravam-
-lhe as costas de medo ou vergonha. Ninguém lhe dava boas-vin-
das. Assim, a Verdade percorria os confins da Terra, rejeitada e
desprezada. Uma tarde, encontrou a Parábola, que passeava ale-
gremente em um traje belo e muito colorido.
– Verdade, por que estás tão abatida ? – perguntou a Parábola.
– Porque sou velha e feia, e os homens me evitam – replicou a
Verdade.
8. A Criação Literária: Prosa II, p. 153-154.
9. Apud NAIR LACERDA, Introdução, in Fábulas do Mundo Inteiro, p. 9.
10. Dicionário de Termos Literários, p. 34 e 337. Como a parábola também se refere
à curva de um projétil, FREI BETTO – Carlos Alberto Libânio Christo, o escritor e
frade dominicano, explica assim as parábolas bíblicas: “...Jesus ‘arremessava’ suas
parábolas, não em linha reta, como quem quer impor uma opinião, e sim ‘em curva’,
como quem pretende provocar no interlocutor reflexão e senso crítico” – Parábolas de
Jesus: Ética e Valores Universais, p. 12.

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