Sustentabilidade econômica da atividade pesqueira em Santa Catarina

AutorJulio Cesar Lopes Borges
CargoUniversidade Federal de Santa Catarina
Páginas401-414

Julio Cesar Lopes Borges1

    Economic value of the fishery activity in Santa Catarina state

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Introdução

Sem dúvida a atividade pesqueira em Santa Catarina obteve um grande desempenho na captura a partir da década de 1950. As políticas do governo federal para com a pesca, desde o período colonial, começaram a surtir

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efeito durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek, onde foi encaminhado ao congresso nacional os Planos de Desenvolvimento Pesqueiro (PNDP) e paralelo a isso, os ensaios na tentativa de criar uma indústria capitalista de pesca no país, sobretudo em Santa Catarina, onde apresentava um dos maiores litorais brasileiros para execução de tal atividade econômica. Ainda, o litoral catarinense apresentava uma estrutura pesqueira baseada em embarcações artesanais e pescadores organizados na forma de campanhas, estes pescadores eram singulares e ainda o são, pois possuíam um conhecimento secular da atividade pesqueira, além de possuir adequado aparato de pesca.

A atividade pesqueira no Brasil assim como em Santa Catarina, era predominantemente artesanal em meados da primeira metade do século XX, e sua produção estava voltada basicamente para atender o mercado interno. A partir de então, através de uma política de incentivos fiscais à pesca, desenvolve-se a chamada pesca industrial, voltada, preferencialmente, para o mercado externo. Um dos exemplos mais importantes é o da Companhia Krauser, uma das maiores do Brasil. A Krauser possuía já nestas décadas um enorme setor de captura, beneficiamento, e comercialização. Segundo os relatórios da SUDEPE, contidos nos dois primeiros Planos Nacionais de Desenvolvimento Pesqueiro (PNDP) foi à indústria capitalista de pesca que mais recebeu incentivos estatais no Brasil.

Além da Krauser, também a Sopesca, a Tripalli, a Ensol, a Navepesca, a Kowalski, Itasul, a José Vasques Martinez, a David Gregório Neto, a Sul Atlântico, a Qualker, a Serpa, a Mipesca, a Tripalli e Delmar, entre outras, foram beneficiadas por políticas estatais de grande envergadura. Tais incentivos introduziram as traineiras, a proletarização do trabalho flutuante e novas tecnologias de captura. O crescimento do parque industrial pesqueiro Catarinense, nos anos de 1960/70, que foi, em grande parte, impulsionado pelas políticas de promoção ao desenvolvimento da atividade pesqueira, que ocasionou no crescimento do volume de produção pesqueira, mas sem a preocupação com a conservação do estoque natural do pescado, levou à diminuição do número de indústrias pesqueiras ao final da década de 1980, pois já não havia pescado suficiente para suprir as necessidades de toda a indústria.

É importante ressaltar que a pesca artesanal não foi historicamente beneficiada com recursos financeiros das políticas públicas, que juntamente com a diminuição dos recursos pesqueiros houve descapitalização do segmento pesqueiro artesanal, apesar da atividade pesqueira envolver grande número de pescadores e por contar com o estoque natural do pescado como fonte básica de ganhos, ou seja, a pesca artesanal até 1950 representava mais de 50% da exploração, com uma íntima relação entre homem e natureza. Ainda, o pescador artesanal foi prejudicado pela exploração irracional do pescado,

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acarretando impactos negativos para a sobrevivência da comunidade dos pescadores artesanais, dado que as transformações ocorridas no ambiente aquático refletem-se nestas comunidades, a saber, nos povoados mais tradicionais açorianos em Santa Catarina.

Enquanto a pesca industrial se beneficiava dos polpudos incentivos, a pesca artesanal, nos relatórios da SUDEPE (Superintendência do Desenvolvimento da Pesca), passava por uma crise sócio-ambiental. Estes fatores, descapitalização dos pescadores artesanais, quebra das indústrias, diminuição do estoque natural de peixes (diminuição da produção), caracterizam a crise que se instalou na atividade pesqueira Catarinense, sobretudo, a partir da década de 1980.

Fundamentação teórica

De acordo com Marx (1963), inicialmente, ao analisar a produção da vida material humana, é importante considerar uma diferença entre objeto de trabalho e meio de trabalho (matéria prima). O objeto de trabalho é aquele objeto natural retirado da natureza pelo trabalho e transformado em valor de uso, mais ainda, em meio de subsistência. Já, quando um objeto de trabalho tem o trabalho incorporado, é chamado por ele de meio de trabalho ou matéria prima. Ou dito de outra forma, as condições naturais externas de produção dividem-se sob o ponto de vista econômico, em duas grandes categorias: riquezas naturais como meio de subsistência, como: águas piscosas, e riquezas naturais como meio de trabalho, tais como os rios navegáveis, madeira, em fim. No primeiro caso, os recursos naturais são simplesmente objeto de trabalho, onde se aplica os instrumentos de produção, ou onde o homem retira o fruto, seja pela pesca ou outras formas.

Ao considerar a água em seu estado virgem como grande fornecedor dos meios de subsistência para o homem, Karl Marx vê nela um objeto de trabalho humano. Tudo aquilo que o homem simplesmente separa do ambiente natural são objetos de trabalho, fornecidos espontaneamente pela natureza. Poderíamos dizer então que o mar e seus recursos se transformam em instrumentos de produção quando se aproveitam suas correntes para produção de energia, ou ainda, quando, aproveitam as forças naturais, quando o homem passa a cultivar o peixe através da aqüicultura.

No caso da pesca, devido aos processos naturais (maior fertilidade das águas), pode ocorrer que o pescador retire das águas um volume considerável de pescado sem grande esforço. Pode-se afirmar então que, nessas condições favoráveis, o tempo de trabalho necessário a produção dos meios de subsistência é menor do que em outras situações. Ainda, a pesca enquanto meio de subsistência indica um estágio da produção em que o homem e seu trabalho se confundem com as condições naturais de produção.

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A indústria de pesca, ainda que dependa menor das forças da natureza para produzir, nem assim está livre dos limites que impõe os próprios recursos naturais. Com um arrastão-fábrica devastador, pode-se até certo ponto, superar os condicionamentos físicos humanos a que está sujeito o pescador artesanal e sua embarcação. Estes limites são dados, ainda, pela capacidade limitada de reprodução dos peixes no mar, residindo um ponto importante na compreensão da atividade pesqueira, esquecido muitas vezes por aqueles que analisam a pesca como idêntica aos outros setores da divisão social da produção e do trabalho.

Conforme (DIEGUES, 1978), a pesca em si não é somente uma atividade econômica, mas também é onde homens cultivam saberes e culturas distintas, onde além das relações capitalistas de produção existam cultura e relações diversas, um cotidiano peculiar. Porém não há como negar que na pesca a exploração da força de trabalho se fez concomitantemente à destruição gradativa das forças da natureza. O desaparecimento de inúmeras espécies de pescado se deu não somente pela sobrepesca 2, facilitada pela introdução do maquinismo e técnicas cada vez mais predatórias, como também dos efeitos negativos da poluição proveniente dos dejetos urbano-industriais.

A diversa espécie existente num determinado ecossistema se relaciona dentro da cadeia trófica, pelas quais espécies servem de alimentos umas as outras. O desconhecimento ou o desrespeito a esse processo complexo tem levado, especialmente através da captura indiscriminada em larga escala, no século XX, em Santa Catarina, a verdadeiros desastres ecológicos pelos quais espécies inteiras de pescado desapareceram e não puderam se reproduzir. Muitas vezes, estrutura de demanda centrada sobre animais marinhos que estavam na base de importantes cadeias tróficas levaram a sobrepesca dessas espécies que por sua vez comprometeram a existência de peixes que dela se nutrem. Por isso é...

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