Tabeliães e registradores nos arranjos institucionais de políticas públicas brasileiras de desjudicialização

AutorIrley Carlos Siqueira Quintanilha Nascimento e Marcelo Dias Varella
Páginas109-134
Direito, Estado e Sociedade n.51 p. 109 a 134 jul/dez 2017
Tabeliães e registradores nos arranjos
institucionais de políticas públicas
brasileiras de desjudicialização
Civil-law notaries and public registrars in the institutional
arrangements of Brazilian public policy dejudicialization
Irley Carlos Siqueira Quintanilha Nascimento*
Centro Universitário de Brasília, Brasília-DF, Brasil
Marcelo Dias Varella**
Centro Universitário de Brasília, Brasília-DF, Brasil
1. Introdução
O artigo parte do questionamento: de que maneira atividades notariais e de
registro estão inseridas em ações de desjudicialização do Estado brasileiro?
Como foco, busca investigar políticas públicas de desjudicialização que se
valem de cartórios1 em seus arranjos institucionais. A proposta é desdobrar
tais estratégias sob o aspecto do conjunto de normas e arranjos institucio-
* Mestre em Direito pelo UniCEUB; Pós-graduado lato-sensu em Direito Notarial e Registral; Pós-graduado
lato-sensu em Direito Público; Bacharel em Direito; Tabelião de Notas em Luziânia, Goiás. E-mail: irley-
quintanilha@gmail.com.
** Doutor em Direito pela Universidade de Paris, Panthéon-Sorbonne (2002). Livre-docente em Direito
Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (2013). Pós-Doutorado em Direito
nas Universidades da California, em Berkeley; George Washington; e Georgetown (2011 e 2012). Professor
do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito do Centro Universitário de Brasília. Bolsista de Produti-
vidade em Pesquisa nível I do CNPq. E-mail: marcelodvarella@gmail.com.
1 A expressão cartório, ou serventia extrajudicial, se refere ao estabelecimento no qual um particular, titular
de serviços notariais ou de registros públicos, realiza suas atividades. Das leituras do artigo 236 da CF/1988
e dos artigos 1º e 3º da Lei nº 8.935/1994 se extrai que os serviços notariais e de registros públicos são exer-
cidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, por prof‌issionais do direito e por sua organização
técnica e administrativa, destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e ef‌icácia dos atos
jurídicos. A própria Lei nº 8.935/1994, em sua ementa, específ‌ica tratar-se da regulamentação dos serviços
notariais e de registro previstos no art. 236 da Constituição Federal para, na sequência, nomear-se como
“Lei dos Cartórios”. Percebe-se, aqui, o tratamento comum que se tornou difundido, no qual o serviço se
confunde com o estabelecimento no qual é prestado.
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nais mediados pelo direito2. A expressão desjudicialização será utilizada
como a busca por soluções fora do âmbito do Poder Judiciário, mas sem
excluí-lo como alternativa, em especial para questões não estritamente ju-
diciais, ou, numa expressão do processo civil, que tenham natureza de
“jurisdição voluntária”. É a tentativa do Estado de, sem negar o acesso ao
Judiciário, simplif‌icar a realização de direitos e obrigações. Nesse sentido,
o objetivo geral do artigo é demonstrar que a inserção e novas atribuições
dos serviços notarias e de registros no ordenamento jurídico ocorrem em
consonância com iniciativas de simplif‌icação das relações jurídicas.
Ao traçar políticas públicas de desjudicialização, devem-se buscar meios
necessários à sua consecução, não somente no âmbito do Poder Judiciário.
A realização de direitos pode ser alcançada por arranjos institucionais3 apre-
sentados em programas de ação governamental complexos, levando-se em
conta o aparato do Estado e os recursos a seu dispor4. Os cartórios extra-
judiciais estão dentre as instituições à disposição do Estado para alcançar
seu desiderato de propiciar aos jurisdicionados procedimentos mais céle-
res e de acesso democratizado. Daí, como objetivo específ‌ico, o texto busca
contribuir para o conhecimento e aperfeiçoamento dos atuais mecanismos
de acesso do cidadão à realização de direitos, com cartórios inseridos em
arranjos institucionais e formulação de novas ações.
Notários e registradores não ocupam cargos públicos, mas exercem ser-
viços públicos não privativos. A estrutura privada da prestação dos serviços
permite a rápida adequação dos recursos de comunicação e de organização
às necessidades de velocidade e inovação apresentadas pela sociedade5.
São estruturas burocráticas no sentido weberiano, com a especialização e
vinculação ao princípio da legalidade, próprios da Administração Pública
e necessárias à previsibilidade nos serviços públicos, mas com a dinâmica
de organização e tomada de decisões da iniciativa privada.
Com tal delimitação jurídica, os cartórios integram o rol de instituições
à disposição do Estado para a consecução de mecanismos que buscam a
celeridade na realização de direitos e fomento econômico. Some-se a isso
2 COUTINHO, 2013, p. 2
3 Arranjo institucional “entendido como o conjunto de regras, mecanismos e processos que def‌inem a
forma particular como se coordenam atores e interesses na implementação de uma política pública especí-
f‌ica. Os arranjos dotam o Estado de capacidade de execução de políticas” (GOMIDE; PIRES, 2014, p. 13).
4 DUARTE, 2013, p. 18.
5 DALLARI BUCCI, 2013, p. 15.

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