Incoterms e técnica contratual

AutorEmmanuel Jolivet
Páginas93-107

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Ver Nota123

§ 1 Introdução
  1. Os Incoterms 2000,4 regras da Câmara de Comércio Internacional para a interpretação de termos comerciais, entraram em vigor dia 1° de janeiro de 2000. No momento em que se discute a possibilidade de uma revisão, em nome de uma suposta pe-riodicidade decenal das versões desses termos,5 um aspecto particular dos Incoterms, a saber, as relações entre esses termos e a técnica contratual, merece atenção. O que nos ensina a prática cotidiana dos Incoterms em matéria de redação de contratos internacionais? A análise dessa prática parece contribuir de forma útil para o debate sobre a pertinência de uma revisão dos Incoterms.

  2. Os Incoterms continuam sendo ob-jeto de questões práticas colocadas à CCI pelos atores do comércio internacional, sendo utilizados cotidianamente em um grande número de contratos internacionais, recomendados6 como elementos essenciais em matéria de simplificação dos contratos

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    e de harmonização do direito e consagrados como verdadeira norma jurídica.

  3. A compreensão do que é um Inco-term7 deve ser a etapa preliminar de qualquer utilização desses termos padronizados.8 Inicialmente, o Incoterm é um conjunto organizado de disposições contratuais relativas às obrigações respectivas de um vendedor e de um comprador no quadro de uma venda internacional de produtos. O Incoterm designa, igualmente, uma expressão9 ou uma "palavra-código".10 Trata-se de uma metonímia11 freqüentemente utilizada pelos atores do comércio internacional. Ora, o sentido aceito por esses atores, quando fazem menção a um Incoterm em uma operação jurídica, conduz à aplicação de um determinado regime jurídico. O efeito do recurso ao Incoterm (se-ção II) depende diretamente do tipo de recurso ao Incoterm (I) que é realizado.

    Seção I- O recurso ao Incoterm

  4. O recurso a um Incoterm pode ser feito de diferentes maneiras. Todavia, parece que uma classificação dos tipos de re-cursos pode ser feita de acordo com a presença (subseção I) ou a ausência (subseção II) de consentimento dos atores da operação jurídica.

    Subseção I - O recurso na presença do consentimento

  5. Os atores de uma operação jurídica podem manifestar sua vontade ao fazer menção aos Incoterms para reger essa operação. A manifestação, ou seja, a forma (§ 2) do consentimento e a sua extensão (§ 3) devem ser diferenciadas.

§ 2 A forma do consentimento
  1. De maneira clássica no direito das obrigações, o consentimento expresso (I) deve ser diferenciado do consentimento tácito (II).

    1. O consentimento expresso

  2. Quando as partes exprimem de forma expressa sua vontade de recorrer aos Incoterms, essa manifestação de vontade pode assumir a forma de uma incorporação in extenso do termo comercial escolhido ao contrato. Todas as obrigações do vendedor, agrupadas nos itens A1 a A10, e todas as obrigações do comprador, agrupadas nos itens B1 a B10, seriam assim copiadas no contrato. Essa técnica de redação, ainda que válida juridicamente e permitindo beneficiar de certas vantagens dos Incoterms em relação a uma nova redação pelas partes das obrigações estabelecidas por esses termos, não se encontra na prática.

  3. As partes que desejam fazer menção a um Incoterm procedem sistematicamente a uma incorporação "mínima", que pode assumir duas formas distintas. As partes podem fazer menção a um Incoterm indicando no contrato a expressão escolhida, ou apenas mencionar a palavra-código que corresponde ao termo escolhido. Essa técnica de incorporação por referência

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    apresenta a maior simplicidade de utilização e corresponde à utilização dos Inco-terms visualizada pela CCI. O contrato pode, dessa forma, conservar uma redação concisa e o risco de erro na realização da cópia na íntegra do Incoterm escolhido é inexistente. Essa técnica, apesar de simples, é geralmente mal controlada na prática e ocasiona um certo número de dificuldades na identificação do regime jurídico ao qual as partes desejaram submeter o seu contrato.

  4. Se a tipografia da palavra-código12 apresenta pouca dificuldade, a tradução dessa última ou a atribuição de um significado outro que aquele previsto pelos Incoterms é fonte de incertezas. As palavras-código são invariáveis e baseadas na expressão inglesa. Apesar de ter sido, às vezes, solicitada e até mesmo imposta13 a tradução em uma língua específica, tal abordagem deve ser evitada, uma vez que o envio ao Incoterm tornar-se-ia ambíguo. O significado das palavras-código é igualmente intangível. Modificar o significado estabelecido pelos Incoterms14 gera dificuldades práticas, que podem chegar até à submissão a um regime jurídico totalmente diferente daquele inicialmente previsto pelos contratantes.15

  5. Uma dificuldade prática pode estar ligada à menção simultânea de muitos Incoterms no contrato. As condições gerais de venda podem assim mencionar dois termos comerciais. A intenção do vendedor que faz esse tipo de redação contratual é realizar a escolha final do Incoterm em condições particulares. Pode acontecer, entretanto, que essa escolha não seja manifestada expressamente. A identificação do Incoterm selecionado pressupõe, então, o exame do comportamento das partes e dos documentos relativos à negociação ou à execução do contrato. A análise desses elementos permitirá o reconhecimento ou a rejeição da existência de uma escolha tácita de um Incoterm.

    1. O consentimento tácito

  6. O consentimento tácito para que o contrato seja regido por um Incoterm é suscetível de graduações. As partes mencionam, às vezes, um termo comercial no seu contrato sem precisar que se trata de um Incoterm. A simples incorporação do termo por referência irá criar uma ambigüidade quando a expressão ou a palavra-código presente no contrato, em razão mesmo da sua formulação incompleta, corresponde a uma expressão ou palavra-código que possa remeter a um Incoterm ou a um outro termo comercial, definido, por exemplo, por uma lei16 ou um uso portuário. Esse problema prático é encontrado freqüentemente com os termos "A l'usine", "FOB",17 "CIF" e "Coûts et fret".

  7. A incerteza quanto à menção ou não de um Incoterm pode ser maior quando as partes tiverem empregado uma ex-

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    pressão ou uma palavra-código que não corresponda a um Incoterm. Como na hipótese anterior, o comportamento das partes ou certos elementos periféricos do contrato podem permitir a identificação do Incoterm que as partes tiveram a intenção de respeitar.

  8. A menção expressa ou tácita de um Incoterm não elimina toda incerteza quanto às obrigações que as partes quiseram colocar no contrato. A extensão do consentimento deve ser analisada.

§ 3 A extensão do consentimento
  1. A prática revela que as partes, algumas vezes, manifestam expressamente sua vontade de recorrer aos Incoterms, sem que, entretanto, essa manifestação de vontade permita a determinação precisa da extensão das estipulações contratuais. A incerteza pode se referir à escolha da versão dos Incoterms aplicável (I), ou à escolha do termo (II).

    1. A escolha da versão aplicável

  2. A CCI recomenda a definição sistemática da versão dos Incoterms à qual as partes desejaram submeter seu contrato. Essa definição assume a forma da indicação do ano da versão escolhida. O local dessa indicação importa pouco juridicamente. Entretanto, por razões de simplicidade e de facilidade de leitura do contrato, recomenda-se colocá-la após a expressão ou a palavra-código escolhida.18

  3. A escolha manifestada pode não corresponder à versão em vigor. Pode se tratar, por um lado, de uma situação na qual as partes desejaram submeter seu contrato à versão dos Incoterms em vigor na data de entrada em vigor do contrato, e que uma versão dos Incoterms posterior àquela escolhida tenha entrado em vigor durante a execução do contrato. Pode se tratar, por outro lado, da escolha de uma versão anterior àquela em vigor na data de entrada em vigor do contrato.

  4. Em aplicação do princípio da liberdade contratual, nenhuma obrigação jurídica impediria, em princípio, as partes de realizarem uma tal escolha. A entrada em vigor de uma versão dos Incoterms é apenas a data na qual a CCI incentiva o recurso a essa versão ao invés da versão anterior. Essa entrada em vigor não revoga de nenhuma maneira as versões anteriores dos Incoterms. A referência a essas últimas no contrato permanece válida e os termos escolhidos continuam sendo a "lei entre as partes".19 Considerações práticas não devem, entretanto, ser negligenciadas. A ado-ção de uma nova versão dos Incoterms pela CCI corresponde a um desejo e a uma demanda dos atores do comércio internacional. Toda versão nova leva em consideração a evolução do comércio internacional. Assim, após a primeira versão dos Incoterms em 1936, esses termos foram revisados para assimilarem especialmente o desenvolvimento do transporte aéreo, o transporte de containers e multimodal, as rupturas de carga na fronteira. Deixar de escolher um termo em sua última formulação pela CCI deve ser o resultado de uma análise jurídica e prática minuciosa, devendo as conseqüências de uma tal escolha ser visualizadas pelas partes. As partes em um contrato concluído em 2007 poderiam, por exemplo, não selecionar o termo DEQ tal como definido nos Incoterms 2000 e preferir a definição dada pelos Incoterms 1990, ficando, então, a obrigação de descarga sob a responsabilidade do vendedor. A contribui-

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    ção dos Incoterms 2000 em matéria de racionalização da formulação dos termos seria, então, descartada.

  5. A escolha da versão aplicável pode não ser mencionada no contrato, as partes referindo-se apenas a uma expressão ou palavra-código. Quando essa expressão ou palavra-código aparece em apenas uma versão dos Incoterms, a...

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