Tecnologia da Informação e as Relações de Trabalho no Brasil: O Teletrabalho na Lei n. 13.467/2017

AutorRodolfo Pamplona Filho/Leandro Fernandez
Páginas124-137

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Ver Nota12

1. Introdução

A evolução das ferramentas tecnológicas conduz à superação de modelos tradicionais das relações sociais e, com velocidade nunca antes vivenciada pela humanidade, à constante reinvenção dos padrões concebidos a partir das novas realidades.

Inevitavelmente, o Direito, ramo do conhecimento responsável pela regulação dessas relações, encontra-se diante do desafio de oferecer respostas adequadas e socialmente aceitáveis a problemas surgidos a cada dia.

No presente trabalho, examinaremos uma das mais importantes inovações no mundo do trabalho decorrentes da evolução da tecnologia da informação: o teletrabalho, especialmente à luz da Lei n. 13.467/2017.

A Lei da Reforma Trabalhista consagrou a disciplina geral da matéria no ordenamento brasileiro e, como veremos, talvez haja contribuído muito mais para a criação de novos problemas do que para a solução dos desafios já presentes no Direito do Trabalho.

Analisaremos, aqui, as formalidades contratuais no teletrabalho, as controvérsias concernentes à duração do labor, os requisitos para a alteração entre o regime presencial e o de teletrabalho, as questões relativas à responsabilidade por despesas com aquisição e manutenção de equipamentos e infraestruturas, as indagações na seara do meio ambiente do trabalho e a possibilidade de responsabilização do empregador por acidentes e doenças ocupacionais, bem como as inquietantes reflexões em torno da proteção da privacidade do trabalhador.

O cumprimento do itinerário proposto depende, porém, previamente, da compreensão da própria figura jurídica do teletrabalho. Será este o objeto do tópico a seguir.

2. Teletrabalho: compreensão

Um dos principais recursos manejados pelos Poderes Executivo e Legislativo para convencimento da

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sociedade quanto à necessidade de uma reforma trabalhista consistiu no argumento do caráter anacrônico da Consolidação das Leis do Trabalho, a qual seria incapaz de disciplinar as novas formas de desenvolvimento das relações trabalhistas. O exemplo normalmente invocado era o do home office, do trabalho remoto ou, na terminologia que veio a ser consagrada na nova legislação, do teletrabalho.

É bem verdade que qualquer diploma legislativo — e, de maneira geral, qualquer obra da inteligência humana — é suscetível a lacunas e passível de atualização.

Entretanto, a afirmação genérica da idade avançada da CLT nada diz sobre o valor do seu conteúdo, mesmo porque ela foi alvo de dezenas de alterações, da maior ou menor expressão, nas últimas décadas.

Nessa ordem de ideias, mencionar o teletrabalho como um exemplo de relação trabalhista que estaria à margem da velha CLT não deixa de ser uma expressão de ignorância, com o devido respeito.

Desde o ano de 2011, em virtude da Lei n. 12.551, prevê a Consolidação, em seu art. 6º, que, se presentes os requisitos da relação de emprego, não há falar em distinção entre trabalho presencial no estabelecimento do empregador e trabalho remoto, bem como que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão, tipicamente utilizados no teletrabalho, equiparam-se aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio para fins de configuração da subordinação jurídica.

Em outras palavras: há anos o legislador consagrou a regra de acordo com a qual o empregado submetido ao teletrabalho é subordinado ao empregador da mesma maneira que o trabalhador que presta seus serviços presencialmente, sendo àquele aplicável a mesma disciplina de proteção do labor.

Embora não houvesse detalhamento na legislação acerca da dinâmica contratual, a orientação era inequívoca quanto à submissão às mesmas regras que incidiam em relação aos demais trabalhadores.

Todavia, sob a propaganda da novidade, a Lei n.
13.467/2017 veio a consagrar regulamentação a respeito do teletrabalho em seus arts. 62, inciso III, e 75-A a 75-E. Como veremos adiante, alguns desses dispositivos nada estabelecem de novo, ao passo que outros certamente ensejarão severas controvérsias, ante a ausência de tratamento analítico dos respectivos temas, criando um potencial cenário de ameaça à segurança jurídica (a qual, aliás, foi outro dos propalados objetivos da Reforma).

O legislador perdeu, ademais, a importante oportunidade de explicitar a isonomia de direitos e oportunidades do teletrabalhador em relação aos empregados presenciais, bem como de criar mecanismos capazes de assegurar a participação do teletrabalhador no cotidiano da empresa e em entes ou órgãos de representação da coletividade3.

Conceitua o novo art. 75-B da CLT, em seu caput, o teletrabalho como a “prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”. Em seu parágrafo único, esclarece o dispositivo que o “comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho”.

O conceito legal brasileiro aproxima-se bastante daquele consagrado no Código do Trabalho de Portugal (art. 1654) e no Acordo-Quadro Europeu sobre Teletrabalho (item 25).

A partir da nova previsão legal brasileira e das referências estrangeiras mencionadas, é possível identificar que o teletrabalho consiste em uma modalidade de trabalho a distância caracterizada pela prestação de serviços com intensa utilização de recursos de tecnologia da informação.

Em regra, a atividade desenvolvida pelo teletrabalhador poderia perfeitamente ser executada no interior do estabelecimento do empregador. Entretanto, por conveniência das partes ou por interesse empresarial na gestão do espaço e dos recursos humanos, o labor é predominantemente prestado de maneira remota, muitas vezes a partir da residência do empregado.

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Assim, o teletrabalho não se confunde com o trabalho externo, em que a execução dos serviços pressupõe o deslocamento para fora do estabelecimento do empregador para a realização, por exemplo, de entregas ou visitas a clientes ou parceiros comerciais.

Assentadas essas premissas, avancemos ao exame das formalidades contratuais estabelecidas pela Lei n.
13.467/2017 em relação ao teletrabalho.

3. Formalidades contratuais

A regra geral no Direito do Trabalho é a desnecessi-dade de adoção de forma específica no contrato de emprego, seja sob a ótica da validade do ato jurídico, seja sob a perspectiva da prova do ato. Pactuações tácitas são ordinariamente possíveis, aspecto vinculado ao caráter de “contrato-realidade” dessa espécie de negócio jurídico (CLT, art. 442).

A exigência de forma específica é excepcional, estando normalmente atrelada ao resguardo de normas de ordem pública ou à proteção de interesses dos trabalhadores.

A Lei n. 13.467/2017 instituiu, em relação ao teletrabalho, um conjunto de requisitos formais, cuja presença deve constar expressamente do contrato.

Em primeiro lugar, a própria submissão ao regime de teletrabalho deve ser explicitada no contrato de emprego (art. 75-C, caput, da CLT).

A exigência, aqui, aproxima-se da determinação legal existente quanto aos trabalhadores externos, em relação aos quais deve haver o registro de tal condição, pelo empregador, na CTPS e na ficha de registro de empregado (CLT, art. 62 inciso I).

Discussão que tende a ocupar a atenção da jurisprudência nos anos vindouros diz respeito à definição da natureza da formalidade prevista no art. 75-C celetista, isto é, se estamos diante de um requisito para a válida pactuação do regime de teletrabalho (ad solemnitatem) ou de um mecanismo de simples prova de tal ajuste (ad probationem).

O debate possui relevante interesse prático, uma vez que uma das principais inovações da Reforma Trabalhista foi a fixação da presunção relativa de não enquadramento do teletrabalhador na disciplina celetista de duração do trabalho (art. 62, inciso III), tema que será abordado em tópico adiante.

Assim, no primeiro caso, a ausência de expressão previsão contratual quanto à adoção do teletrabalho conduziria o intérprete a concluir pela invalidade da adoção desse regime de trabalho, com o consequente afastamento da presunção fixada no art. 62, inciso III, da CLT e o reconhecimento da submissão do obreiro às regras gerais de limitação da duração do labor.

Parece-nos, entretanto, que a tendência será a de reconhecer o estabelecimento em cláusula contratual do regime de teletrabalho como formalidade destinada somente à prova do ato (tal qual a exigência de anotação na CTPS e na ficha de registro de empregado da condição de trabalhador externo), sendo possível, em sua ausência, a produção de outras provas para demonstração da avença.

Com efeito, o dispositivo não prevê sanção para o caso de inobservância da forma escrita, de modo que a validade da declaração de vontade dela não dependerá (Código Civil, art. 107).

Vale registrar que idêntica é a solução consagrada no Código do Trabalho de Portugal, que dispõe, em seu art. 166, item 7, que a “forma escrita é exigida apenas para prova da estipulação do regime de teletrabalho”.

Prevê também o novo art. 75-C da CLT que deve constar no contrato do teletrabalhador o rol específico de atividades que serão realizadas pelo empregado.

A novidade pode render ensejo à formulação de pleitos de pagamento de diferenças salariais por acúmulo de função, com fundamento na violação da boa-fé objetiva e na ruptura do equilíbrio contratual, nas hipóteses em que o trabalhador venha a desempenhar...

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