Teletrabalho, Desconexão e Reforma Trabalhista - (In)Compatibilidade?

AutorMaximiliano Carvalho/Luana Lacerda
Páginas138-151

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1. Introdução

O século XXI é marcado por um mundo em que a globalização produz reflexos diretos na economia dos países, acirrando a concorrência entre os agentes econômicos e lhes impondo a adoção de procedimentos mais baratos, ágeis e flexíveis. Nesse sentido, as empresas tiveram de se reestruturar, objetivando atender às exigências de um mercado cada vez mais competitivo.

Ainda, o avanço tecnológico e a modificação dos meios de produção fizeram surgir formas alternativas de trabalho. As chamadas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), como por exemplo smartphones, tablets, computadores portáteis, internet e intranet, possibilitaram que as relações de trabalho transcendessem locais fechados. Assim, em algumas circunstâncias, o empregado não precisa mais trabalhar na sede da empresa.

Entende-se que o teletrabalho atende às novas exigências da globalização por sua natureza flexível quanto ao tempo e ao espaço, implicando vantagens não apenas para o empregador e trabalhador, mas também para a sociedade como um todo. São apontados como ganhos para a empresa: a redução dos custos com estrutura física, o aumento da produtividade dos trabalhadores e a flexibilidade horária e geográfica.

Já para os trabalhadores, vislumbram-se a melhoria da qualidade de vida, a redução dos custos pessoais e maior motivação e satisfação com o emprego. A socie-dade, por sua vez, deparar-se-á com a diminuição do trânsito, redução do nível da poluição, maior acesso das pessoas com dificuldade de locomoção às oportunidades de trabalho e geração de novos empregos.

Porém, como toda realidade social, o teletrabalho não traz apenas benefícios. A utilização das TICs, por exemplo, tem provocado debates sobre o impacto na vida dos trabalhadores, pois estes instrumentos têm o efeito de prolongar a jornada de trabalho, fazendo com que os trabalhadores permaneçam constantemente conectados ao mundo virtual. A jornada excessiva viola direitos constitucionais (e infraconstitucionais), como o direito ao lazer que é um direito fundamental colocado lado a lado com a educação, saúde, alimentação e com o próprio trabalho.

Se, por um lado, a praticidade e a modernidade oferecidas pela tecnologia possibilitaram o surgimento de formas alternativas de labor, como o teletrabalho, por outro, têm proporcionado um aumento significativo da vinculação do homem ao trabalho.

Surge, então, a necessidade de se abordar o direito à desconexão, ou seja, o direito que o obreiro tem de se libertar física e mentalmente de tudo que se relaciona com a atividade laboral. Não se trata, no entanto, apenas da ausência do trabalho. Representa para o trabalhador tempo para se recuperar física e mentalmente, cultivar suas relações familiares e sociais e buscar seus projetos pessoais.

O direito à desconexão é uma construção doutrinária. Porém, em que pese não ter previsão expressa no ordenamento jurídico pátrio, depreende-se a sua existência das normas constitucionais e infraconstitucionais existentes, tendo por fundamento os direitos ao lazer e ao descanso. Além desses dois fundamentos, o direito à desconexão também está intimamente relacionado ao

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princípio da dignidade da pessoa humana e a outros direitos como: saúde, liberdade, privacidade, limitação da jornada de trabalho, dentre outros.

Os avanços tecnológicos têm transformado as relações trabalhistas e criado novas modalidades de trabalho, impondo novas reflexões sobre a tutela jurídica dos direitos dos trabalhadores. Portanto, o estudo do teletrabalho é atual e importante, pois possibilita uma visão atualizada e moderna do Direito do Trabalho em uma sociedade em constante transformação, uma vez que as relações de trabalho já não são mais as mesmas do período em que as normas trabalhistas foram concebidas e o assunto tem mostrado a dificuldade de aplicação das normas clássicas.
Ademais, permite melhor compreender uma modali-dade de trabalho que ganha cada vez mais adeptos no Brasil e no mundo.

Verifica-se, assim, a necessidade de abordar o tema de forma crítica. Muitas vezes, o teletrabalho é exaltado por suas vantagens, sem que se observem seus ônus, sejam ocasionados por suas próprias características, sejam acarretados pela pretensa insuficiência ou fragili-dade normativa da matéria, que não permitiria garantir os direitos fundamentais sociais do trabalhador. Nesse sentido, estudaremos o tema com a relevância da entrada em vigor da Lei n. 13.467, de 2017, também conhecida como Reforma Trabalhista, que traz um capítulo específico sobre o teletrabalho.

2. Teletrabalho – características e marco regulatório no mundo e Brasil

Breve histórico do teletrabalho

Paula (2013) faz uma breve retrospectiva histórica no que se refere ao trabalho a distância, indicando alguns marcos importantes. Nos Estados Unidos, em 1857, j. Edgar Thompson, proprietário da estrada de ferro Penn Railroad, descobriu que poderia se valer do sistema privado de telégrafo de sua empresa para gerenciar divisões remotas. Em 1962, na Inglaterra, Stephane Shirley criou a empresa de desenvolvimento de programas de computadores Freelance Programmers, a qual gerenciava de casa e que em 1988 contava com 1100 teletrabalhadores. O autor cita ainda as crises do petróleo da década de 1970, que levaram várias empresas e a Administração Pública nos Estados Unidos a repensarem os seus custos com deslocamento por meio da ampliação do teletrabalho, e a publicação em 1974 da obra “Fazendo do teletrabalho uma realidade”, de Jack Nilles.

Segundo Winter (2005, p. 64), “o interesse por essa nova modalidade de trabalho surgiu pela junção de vários fatores, entre os quais a crise energética, principalmente a petrolífera, a diminuição de preço dos computadores pessoas e o aparecimento da ‘telemática’.” Por meio do teletrabalho seria possível reduzir o deslocamento casa-trabalho e vice-versa, pois, estar-se-ia substituindo o transporte físico do trabalhador pela telecomunicação.

O surgimento de novas modalidades de trabalho também se deu pela evolução tecnológica nas últimas décadas, como o surgimento da internet e a ampliação de seu acesso e da velocidade no tráfego de dados e do aparecimento de novas ferramentas e equipamentos eletrônicos, como tablets e smartphones (PAULA, 2013), as chamadas TICs.

Todos esses fatores possibilitaram: a desterritorialização do trabalho, pois as atividades passaram a poder ser realizadas de qualquer lugar; a desmaterialização da produção, uma vez que se passou a valorizar mais a informação e o conhecimento em detrimento dos bens materiais; a fragmentação do espaço produtivo, visto a possibilidade de maior compartimentação da cadeia de produção (PAULA, 2013).

Portanto, o surgimento do teletrabalho e de outras formas de trabalho a distância somente foi possível pela emergência de um novo contexto econômico, social e tecnológico. Hernandez, assim, argumenta que:

Nos dias atuais, não há dúvida que o avanço tecnológico, o crescimento econômico e o surgimento da sociedade da informação, estão fazendo surgir novas formas de ocupação e revigorando outras. É o caso, por exemplo, do trabalho a tempo parcial, da terceirização e da contratação de trabalhadores em domicílio. O trabalho em domicílio, [...] deixa de ser uma modalidade condenada ao desaparecimento para se tornar uma nova estratégia de gestão de recursos humanos. (Hernandez, 2011, p. 23).

Assim, corroborando o item anterior do presente estudo, o trabalho em domicílio não é algo recente na história da humanidade. Conceitualmente, dado o progresso histórico da humanidade rumo à sociedade da informação, o trabalho em domicílio evoluiu para o que hoje denomina-se home office, uma espécie do teletrabalho. O teletrabalho é, nesse sentido, revestido de novas características, como a mobilidade e a ubiquidade, exigidas pelo contexto empresarial contemporâneo.

Dados sobre o teletrabalho no Brasil

A edição de 2016 da pesquisa Home Office Brasil, conduzida pela Sociedade Brasileira de Teletrabalho e

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Teleatividades (SOBRATT, 2016), mostrou que a prática de home office é uma tendência em crescimento no Brasil. O estudo foi feito com 325 empresas de diferentes segmentos e portes, de diversas regiões do país, no período de outubro de 2015 a março de 2016. Em relação à edição anterior, publicada em 2014, houve um 50% de aumento no número de empresas que estão implantando a prática, 15% de aumento no número de empresas que estão estudando a implantação da prática e de 28% de aumento na formalização da prática.

Segundo o referido estudo, estatísticas mundiais mostram que a taxa geral de adoção do teletrabalho tem aumentado como um todo nas últimas décadas. Cada país tem vivenciado essa tendência de maneira diferente, de acordo com seus aspectos culturais, legais e econômicos. No Brasil, segundo projeções de dados do Censo IBGE de 2010, existem mais de 20 milhões de trabalhadores em domicílio. Uma significativa parcela deste contingente adota a prática de home office, que é o teletrabalho realizado no domicílio do trabalhador, estando vinculados a uma empresa.

A Pesquisa Home Office Brasil 2016 revelou que:

– 37% das empresas no Brasil possuem prática de home office junto a seus colaboradores;
– 80% das empresas praticantes da modalidade de home office foram dos setores de Serviços e Indústria de Transformação, sendo os segmentos mais presentes, em ordem decrescente de participação: Tecnologia da Informação e Telecom (24%), Químico, Petroquímico e Agroquímico (12%)...

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