Teletrabalho. A reforma trabalhista brasileira e a experiência estrangeira

AutorElton Duarte Batalha
Páginas92-98

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Elton Duarte Batalha 1

Introducao

A revolucao tecnológica nas últimas décadas tem afeta-do o estilo de vida do ser humano, em variados graus de intensidade, nas mais diversas partes do globo terrestre. Um campo em que tal impacto é sentido de forma sen-sível é o trabalho. A prestacao de servicos foi fortemente influenciada pelo desenvolvimento de novas tecnologias, acarretando aumento de produtividade, mudanca no modo de executar certas tarefas, criacao e extincao de determinadas atividades humanas. Esse estudo dedica-se á análise de um tema cuja importancia é evidente na atu-alidade: o teletrabalho.

Sem regulamento específico antes da edicao da Lei n. 13.467, de 2017, principal instrumento jurídico a implementar a reforma trabalhista, o teletrabalho é realidade cada vez mais presente no Brasil, fato que demandava a adequacao da normatizacao vigente á concretude das relacóes produtivas no país. Já regulado em outros países da América do Sul e, especialmente, da Europa, o instituto a ser examinado atende aos imperativos de uma era plasmada pelo forte desenvol-vimento tecnológico, na qual a nocao de distancia foi profundamente alterada.

No decorrer deste estudo serao analisados os pontos essenciais do teletrabalho, entre os quais destacam-se o conceito, vantagens e desvantagens, direitos e deveres de ambas as partes, notadamente no que tange á duracao do trabalho e questóes de saúde e seguranca. Nesse sentido, a perquiricao acerca da experiencia estrangeira auxiliará na reflexao quanto a alguns pontos que nao foram tratados pelo legislador brasileiro ou, quando tocados, pro-vocaram dúvidas nos profissionais da área jurídica e na populacao em geral.

Conceito

O artigo 75-B da Consolidacao das Leis do Trabalho (CLT) determina o seguinte:

Considera-se teletrabalho a prestacao de servicos preponderante-mente fora das dependencias do empregador, com a utilizacao de tecnologias de informacao e de comunicacao que, por sua natureza, nao se constituam como trabalho externo.

Nota-se, pela análise do texto legal, que a exata compre-ensao do que seja o teletrabalho demanda a existencia de tres aspectos: o local em que o trabalho é realizado, a na-tureza do servico prestado e a utilizacao de determinado instrumento na execucao do labor.

Quanto ao primeiro ponto, o teletrabalho, para que seja caracterizado, deve ser realizado de modo predominante em local diverso do estabelecimento do contratante. É, evidentemente, elemento essencial para a existencia do instituto, sendo mandatório observar, porém, que nao é necessário que a labuta ocorra sempre fora das dependencias do empregador, algo que, para evitar dúvida, foi esclarecido pelo legislador no parágrafo único do referido dispositivo, ao estatuir que "o comparecimento ás dependencias do empregador para a realizacao de atividades específicas que exijam a presenca do empregado no esta-belecimento nao descaracteriza o regime de teletrabalho".

A segunda dimensao conceitual da espécie de trabalho sob análise atine á natureza do servico prestado. Destarte, o teletrabalho deve recair sobre atividade que, teoricamente, poderia ser prestada da forma clássica, em que o emprega-do exerce o labor no interior do espaco providenciado no estabelecimento do empregador. Tarefas que, pela própria característica, nao possam ser executadas no interior das instalacóes do contratante, nao sao caracterizadas como te-letrabalho e, portanto, estao sujeitas a outro regime jurídico. Tal constatacao tem importancia, sobretudo, na análise de questóes relativas á duracao do trabalho.

O terceiro elemento a ser realcado é a utilizacao de tecnologias de informacao e comunicacao (TIC), as quais podem ser definidas como aquelas que "permitem a aquisicao, producao, armazenamento, tratamento, co-municacao, registro e apresentacao de informacao em forma de voz, imagens e dados contidos em sinais de natureza acústica, ótica ou eletromagnética"2. É a face mais evidente da genese dessa forma específica de pres-tacao de servicos, pois demonstra o fator que permite o exercício da atividade profissional distante do ambiente

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do empregador, mas com a possibilidade de contato ou entrega de resultado a qualquer momento3.

Na América do Sul, há contribuicóes conceituais interes-santes á nocao de teletrabalho4. Na Argentina, Mariano Piacenti, em obra dirigida por Adrián Goldín, determina que o instituto sob análise consiste no "trabalho realizado por uma pessoa física, fora do ámbito do estabelecimento mediante a utilizacao de ferramentas de processamento de dados e de comunicacao e que implique o aporte de valor agregado mediante o uso intensivo de técnicas da informática"5. Observa-se que há, em tais palavras, a referencia á necessidade de o empregado ser pessoa física, algo inexistente na definicao legal brasileira, uma vez que é elemento inerente á nocao de trabalhador subordinado. Ademais, fica realcada, na definicao argentina, a ideia de valor agregado pelo uso da informática, ponto que nao consta na legislacao brasileira, que, entretanto, parece-nos, desnecessária na delimitacao conceitual, pois ínsita á própria utilizacao da tecnologia.

No Peru, o artigo 40 da Lei Geral do Trabalho define o teletrabalho como aquele em que nao há a "presenca física do trabalhador na empresa com a qual mantém cone-xao através de meios informáticos, de telecomunicacóes e análogos, mediante os quais se exercem, por sua vez, o controle e supervisao dos trabalhos"6. Há referencia, essencialmente, ao local de prestacao de servicos (fora do estabelecimento do empregador) e ao meio de conexao entre os atores produtivos7.

Na Europa8, o tratamento conferido ao teletrabalho é positivado na legislacao dos países que apresentam maior proximidade cultural com o Brasil, com destaque para a legislacao lusitana. Em Portugal, o artigo 165 do Código do Trabalho define o instituto estudado do seguinte modo: "Considera-se teletrabalho a prestacao laboral realizada com subordinacao jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informacao e de comunicacao"9. O legislador realcou, além do caráter subordinado, o local de realizacao do trabalho e o uso de tecnologia na prestacao de servicos. O fato de o teletra-balho ser realizado habitualmente fora do estabelecimento do empregador deixa campo para a mesma interpretacao cabível no Brasil, sendo possível o comparecimento do em-pregado á sede do contratante, em determinadas oportunidades, sem que tal fato, por si só, desnature o instituto10.

Na Franca, o artigo L1222-9 do Código do Trabalho define que "o teletrabalho designa toda forma de organizacao do trabalho que, podendo ser igualmente executado dentro dos locais do empregador, é efetuado por um assalaria-do fora de tais locais de modo voluntário, utilizando-se as tecnologias da informacao e da comunicacao"11. Nota-se que o legislador frances ressalta que a atividade, por sua natureza, nao é externa, ao realcar que tal tarefa poderia ser executada no ámbito interno do estabelecimento da contratante, aspecto também presente na regulamenta-cao brasileira. Outro elemento essencial atine ao uso das tecnologias, fator que define o teletrabalho em qualquer país que regule tal regime de prestacao de servico.

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Vantagens e desvantagens do teletrabalho

Há muita discussao a respeito das vantagens e desvan-tagens do teletrabalho em comparacao ao trabalho prestado no interior do estabelecimento do empregador. Para análise mais adequada, o tópico será tratado sob a ótica do trabalhador, do contratante e da sociedade12.

Para o empregado, a prestacao de servicos como tele-trabalhador apresenta diversas vantagens, como: a flexibi-lidade de horário, permitindo distribuicao mais adequada das atividades pessoais e profissionais ao longo do dia; a diminuicao do cansaco e do estresse, em virtude da inexistencia ou da menor necessidade de deslocamento para o trabalho; aumento de possibilidades profissionais para pessoas com deficiencia física. Há, porém, possíveis des-vantagens oriundas do teletrabalho ao obreiro, como o natural isolamento dos colegas, que, se excessivo, pode ter implicacóes psicológicas negativas. Além disso, a falta de convivencia com os companheiros de trabalho tende a diminuir o sentimento de solidariedade entre os emprega-dos, com efeito deletério sobre a uniao da categoria e a acao sindical na busca de melhores condicóes de vida para os prestadores de servico.

O empregador, por sua vez, usufrui algumas vantagens com o uso do teletrabalho, como a reducao de custos, dada a eliminacao ou, ao menos, a diminuicao da necessi-dade de pagamento por infraestrutura, deslocamento de trabalhadores e horas extraordinárias; elevacao do animo dos trabalhadores em virtude da flexibilizacao de horário, fato que pode redundar em aumento de produtividade. Entre as desvantagens do teletrabalho para o contratante, destaca-se a possibilidade de enfraquecimento da cultura do empregador, dada a inexistencia de convívio intenso dos trabalhadores no ambiente produtivo.

Por fim, a sociedade percebe como vantagens decor-rentes do teletrabalho a diminuicao do tráfego de veí-culos e, consequentemente, da poluicao, em virtude da diminuicao de deslocamento por parte dos obreiros. Em contrapartida, surge como desvantagem para a comuni-dade, a eventual diminuicao de senso de solidariedade na categoria profissional como decorrencia do menor con-vívio entre os trabalhadores, podendo levar ao enfraqueci-mento da acao sindical e dificultar, por conseguinte, a luta por melhores...

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