Teletrabalho e reforma trabalhista: uma reflexão sobre os direitos e obrigações dos sujeitos da relação de emprego e suas repercussões processuais

AutorSergio Torres Teixeira, Gelba Carolina Siqueira Serpa
Páginas154-193
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TELETRABALHO E REFORMA TRABALHISTA: uma reflexão sobre os
direitos e obrigações dos sujeitos da relação de emprego e suas repercussões
processuais
TELEWORK AND THE BRAZILIAN LABOR REFORM: a reflection on
the rights and obligations of the subjects of an employment relation and
their repercussions on judicial procedure
Sergio Torres Teixeira1
Gelba Carolina Siqueira Serpa2
RESUMO: O dinamismo do processo produtivo, aliado às inovações tecnológicas da sociedade informacional,
exige transformações nas relações empregatícias para se adaptar à flexibilidade típica do mundo contemporâneo.
Dentre elas, surge a modalidade denominada de teletrabalho, que obteve regulamentação específica no
ordenamento brasileiro a partir da Lei n.º 13.467 de 2017. A Reforma Trabalhista foi além da conceituação do
teletrabalho, trazendo também disposições quanto às formalidades prescritas para o contrato, ao regime de
duração de jornada do teletrabalhador, às condições de alteração para a prestação de serviços presencial, à
responsabilidade pelos instrumentos e meio ambiente de trabalho e à autonomia negocial. Contudo, muitas
dessas inovações ensejaram polêmicas, seja devido às tentativas de restrição de direitos do obreiro, seja devido à
obscuridade na regulação em alguns pontos ou até mesmo à omissão em dispor sobre relevantes questões
relacionadas ao teletrabalho, como a competência territorial para ajuizamento de ações judiciais. As novas
prescrições transcendem o âmbito dos direitos materiais e provocam repercussões na seara processual, como
reflexos na distribuição do ônus probatório e nos limites da cognição judicial. Baseado nessas novidades, o
presente artigo está informado por método de abordagem dedutivo e uma técnica de documentação direta
mediante pesquisa na literatura especializada, resultando em uma metodologia expositiva por meio da qual são
aferidos os impactos que as disposições da Lei n .º 13.467 de 2017, referentes ao fenômeno telelaboral, geraram
nas esferas material e processual do sistema justrabalhista. Ao final serão relacionadas nas conclusões as
principais constatações extraídas da metodologia adotada.
PALAVRAS-CHAVE: Teletrabalho. Inovações legislativas. Reforma Trabalhista.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Caracterização da relação de teletrabalho. 3. Exceções à informalidade contratual:
alcance na esfera de direitos do trabalhador. 4. Requisitos e prerrogativas para alteração contratual da modalidade
de teletrabalho. 5. Uma fissura na alteridade: inovações na responsabilidade quanto aos instrumentos, à
infraestrutura e ao meio ambiente de trabalho. 6. Atuação jurisdicional e (im)previsibilidade normativa: alguns
questionamentos diante de vácuos legislativos deixados pela Reforma Trabalhista. 7. Conclusões. 8. Referências.
ABSTRACT: The dynamic development of the productive process, coupled with the technological innovations
of the information society, requires transformations in the employment relationships to adapt to the flexibility
typical of the contemporary world. Among them, there is the so-called teleworking model, which obtained
specific regulations in the Brazilian legal system based on Federal Law 13.467 of 2017. The Labor Reform went
beyond the conceptualization of teleworking, also providing provisions regarding the formalities prescribed for
the labor contract, the working time regime of the teleworker, the conditions of change for the provision of
presential services, responsibility for instruments and the working environment and business autonomy.
However, many of these innovations have provoked controversy, whether due to attempts to restrict workers'
rights or due to the ob scurity in regulation in some points or even the omission to have relevant issues related to
teleworking, such as territorial jurisdiction for filing lawsuits for judicial proceedings. The new prescriptions
transcend the scope of material rights and cause repercussions in the judicial process, as reflections on the
distribution of the burden of proof and within the limits of judicial cognition. Based on these innovations, this
Artigo recebido em 08/07/2019.
Artigo aprovado em 08/10/2019.
1 Doutor em Direito pela UFPE. Professor Adjunto da FDR/UFPE e UNICAP. Desembargador do TRT da 6ª
Região. Líder do Grupo de Pesquisa LOGOS - Processo, Tecnologia e Hermenêutica.
2 Pós-graduada em Direito Processual Civil e do Trabalho pela UNIT/ESMATRA. Advogada.
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article is informed by a deductive approach and a direct documentation technique through research in specialized
literature, resulting in an expository methodology through which the impacts that the provisions of Brazilian
Federal Law 13.467 of 2017, referring to the teleworking phenomenon, generated in the material and procedural
spheres of the labor system. The main conclusions drawn from the adopted methodology will be related in the
conclusions.
KEYWORDS: Telework. Legislative innovations. Labor Reform.
SUMMARY: 1. Introduction; 2. Telework relationship characterization; 3 Exceptions to contractual informality:
scope in the rights of the worker; 4. Requirements and prerogatives for contractual modification of
telecommuting; 5. A Fissure in alterity: innovations in responsibility for tools, infrastructure, and the work
environment; 6. Jurisdictional performance and normative (un)predictability: some questions before legislative
vacuums left by the Labor Reform; 7. Conclusion; 8. References.
1 INTRODUÇÃO
O exercício de atividades profissionais na modalidade de teletrabalho se apresenta
como forte tendência nos dias atuais. No Brasil, estudo conduzido pela SAP Consultoria RH
em 325 empresas nacionais3 constatou que 68% das empresas participantes já instituíram
alguma das espécies de teletrabalho em sua organização. Esse percentual é fruto dos impactos
diretos que as relações de trabalho sofreram com a evolução dos modelos de produção e com
os avanços tecnológicos sucedidos nas últimas décadas. Tais repercussões são registradas no
âmbito do próprio Poder Judiciário: precisamente no Supremo Tribunal Federal, o “trabalho
remoto” de servidores públicos é disciplinado na Resolução n.º 621 de 2018, permitindo
exercer as atividades laborais fora das instalações físicas do respectivo órgão jurisdicional.
No surgimento do modelo de produção fordista início do século XX , não havia
condições para o desenvolvimento do trabalho em estrutura telemática. Isso se dava tanto pela
exiguidade de incrementos tecnológicos necessários ao estímulo de atividades nessa
modalidade à época, como também pelas próprias características inerentes a esse sistema
produtivo. Afinal, com o trabalho fragmentado em série dentro de uma estrutura verticalizada
na empresa, cuja gestão se encontrava fortemente centralizada nas mãos de superiores
hierárquicos, não havia a flexibilidade necessária à execução dos serviços em teletrabalho.
Na segunda metade do século XX, todavia, o toyotismo transformou os paradigmas
produtivos das empresas e permitiu o ingresso de novas formas de trabalho no cenário
capitalista. Contrapondo-se aos grandes arranjos empresariais do fordismo, o sistema Toyota
prezava por empresas mais enxutas com vistas à redução de custos. É a partir dessa concepção
que se difunde a máxima do just-in-time, segundo a qual os produtos só devem ser fabricados
3 http://www.sobratt.org.br/site2015/wp-content/uploads/2016/05/Estudo_Home-
_Office_Consolidado_2016.pdf.
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sob demanda do consumidor, a fim de evitar desperdício de materiais. Como consequência da
aplicação dessa diretriz, são percebidas repercussões em todos os aspectos da empresa: a
manutenção de estoques, por exemplo, torna-se desnecessária, ao passo que a hierarquização
estrutural lugar à horizontalidade, permitindo a subcontratação e terceirização de setores
produtivos.
Essas modificações, aliadas à integração entre ciência, tecnologia e produção, cada vez
mais estimulada pela Revolução Tecnológica emergida após a Segunda Guerra Mundial,
proporcionaram dinamismo ao processo produtivo, refletindo inevitavelmente no modo de
administração das empresas e nas formas de prestação de trabalho. Controlar os resultados
obtidos com a atividade passou a ser mais relevante que a fiscalização do processo produtivo
em si, pois assim se economizavam recursos materiais e humanos.
Havia, portanto, conjuntura bastante propícia para o surgimento da modalidade
teletrabalhista de prestação de serviços, cuja expansão é irrefreável diante da atual sociedade
informacional. Como não poderia ser diferente, as relações empregatícias foram influenciadas
por essas transformações, passando a urgir a necessidade de atualização das normas jurídicas
para se adaptar à nova realidade, sob pena de a regulamentação do Direito Laboral se tornar
defasada e incapaz de propiciar a segurança jurídica ansiada por seus destinatários.
Nesse contexto, a Lei n.º 13.467 de 2017 introduziu na Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT) um capítulo específico versando sobre o teletrabalho, além de outras
referências no decorrer de seu texto. No entanto, como se perceberá, a novidade legislativa
trouxe normatização passível de críticas e, ainda, insuficiente acerca do tema. A incompletude
da nova legislação, além de ensejar controvérsias e incertezas quanto à sua aplicação, até
certo ponto põe em risco a manutenção de direitos do empregado em teletrabalho.
Posto isso, este artigo busca contribuir com as discussões derivadas da nova
legislação, propondo-se a uma análise tanto das transformações perpetradas no direito
material do trabalho quanto de seus impactos no âmbito processual. Nesse ínterim, foi
aplicada uma metodologia baseada na exposição das mudanças e na conjectura de cenários
hipotéticos que podem se concretizar a partir delas, recorrendo-se, eventualmente, a
comparações com o direito português e a incursões sobre os reflexos das novidades na
atuação judicial e no âmbito probatório.
2 CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE TELETRABALHO

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