Teletrabalho: uma releitura do conceito de organização do trabalho na sociedade do desempenho, no contexto da pandemia

AutorCristiane Modesto de Brito / Paulo Henrique Tavares da Silva
CargoMestranda em Direito e Desenvolvimento Sustentável, Linha de Pesquisa: Direito e sustentabilidade sóciopolítica pelo Unipê; Graduada em Administração de Empresas pelo Unipê ? Centro Universitário de João Pessoa/PB - Brasil. Advogada. Email: cris. modesto@hotmail.com OCRID: 0000-0002-4183-7515 / Doutor e mestre em Direitos Humanos e ...
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TELETRABALHO: UMA RELEITURA DO CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO DO
TRABALHO NA SOCIEDADE DO DESEMPENHO, NO CONTEXTO DA PANDEMIA
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 12, n. 2, p. 102-120, jul./dez. 2021.
TELETRABALHO: UMA RELEITURA DO CONCEITO DE
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA SOCIEDADE DO
DESEMPENHO, NO CONTEXTO DA PANDEMIA
TELEWORKING: A RE-READING OF THE CONCEPT OF WORK
ORGANIZATION IN THE PERFORMANCE SOCIETY, IN THE
CONTEXT OF THE PANDEMIC
Cristiane Modesto de Brito1
Paulo Henrique Tavares da Silva2
RESUMO:
Conforme o preceito losóco aristotélico, a dependência que nós humanos possuímos dos demais
membros da espécie nos faz seres sociais. Por vezes, a quebra dessa mutualidade é marcada por
comportamentos generalizados, fomentadores de patologias especícas de cada época. O presente
artigo tem por pretensão realizar uma releitura da organização do trabalho, na modalidade do
teletrabalho, frente aos desaos impostos pela pandemia, na sociedade do desempenho. Nesse
cenário, questionamos se tal modelo organizacional contemporâneo estimula sofrimento e traz
potenciais riscos para a saúde, sobretudo psíquica, do trabalhador. Apresentando a hipótese de
que, tanto as características peculiares deste modelo contratual como as alterações normativas
efetuadas acerca do assunto, provocaram uma ruptura dos laços sociais no meio ambiente laboral,
gerando nesses trabalhadores diculdade em dissociar vida e trabalho, estimulando a sobrecarga
de horas trabalhadas para além do suportado. Para tanto apoiamo-nos em análises bibliográca
e jurisprudencial, utilizando por referencial teórico Christophe Dejours. Concluindo que, apesar
de tratar-se de uma recente modalidade, tendente a permanecer, traz consigo riscos potenciais a
saúde mental daquele que a exerce.
Palavras-chave: Pandemia. Saúde psíquica. Sociedade do desempenho. Teletrabalho.
Classicação sistema journal of economic literature (JEL): K1 - Basic Areas of Law.
ABSTRACT:
According to the Aristotelian philosophical precept, the dependence that we humans have on
other members of the species makes us social beings. Sometimes, the breakdown of this mutuality
is marked by widespread behaviors, promoting specic pathologies of each age. This article aims
to re-read the organization of work, in the form of teleworking, in the face of the challenges
imposed by the pandemic, in the performance society. In this scenario, we question whether
1 Mestranda em Direito e Desenvolvimento Sustentável, Linha de Pesquisa: Direito e sustentabilidade sóciopolítica pelo Unipê;
Graduada em Administração de Empresas pelo Unipê – Centro Universitário de João Pessoa/PB - Brasil. Advogada. Email: cris.
modesto@hotmail.com OCRID: 0000-0002-4183-7515
2 Doutor e mestre em Direitos Humanos e Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João
Pessoa/PB. Professor Adjunto A da UFPB. Professor Titular no Centro de Ciências Jurídicas do Unipê, em João Pessoa/PB. Integrante
permanente do PPGD (mestrado) do Unipê. Vice-Diretor da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, em João
Pessoa/PB - Brasil. Email: phsilva13@gmail.com.
Recebido: 08/01/2021
Aprovado: 02/01/2022
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Cristiane Modesto de Brito • Paulo Henrique Tavares da Silva
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 12, n. 2, p. 102-120, jul./dez. 2021.
such a contemporary organizational model encourages suering and brings potential risks to
the health, especially psychic, of the worker. Presenting the hypothesis that, both the peculiar
characteristics of this contractual model and the normative changes made on the subject, caused
a rupture of social ties in the work environment, causing these workers diculty in dissociating
life and work, stimulating the overload of hours worked for beyond what is supported. To this end,
we rely on bibliographic and jurisprudential analyzes, using Christophe Dejours as a theoretical
framework. Concluding that, despite being a recent modality, tending to remain, it carries with
it potential risks to the mental health of the one who exercises it.
Key-words: Pandemic. Psychic health. Performance society. Teleworking.
1 INTRODUÇÃO
Costuma-se associar o termo disrupt ivo” a tecnologia, tal palavra vem do inglês
“d isr uption ” e es tá li gada à int err upçã o radi cal na se quênci a natu ral de um pro cesso. Is so expl ica
su a imer são em uma so cied ade onde os apa ratos tec nológicos são con side rados, prat icamente ,
órgãos humanos alimentados pela internet. Manipulados sabiamente pelo capital, que para
atingir seus objetivos nos faz acreditar que o excesso de positividade e a auto exploração geram
um sentimento de liberdade individualizada. Assim como na tecnologia, tal rompimento
provocou no indivíduo contemporâneo a const ante necessidade de ser sempre produtivo,
autêntico e inovador, causando-lhe uma espécie de cansaço psíquico de cunho nocivo.
Cronologicamente, segundo Byung-Chul Han3 (2019), estamos imersos naquilo que
denomina “sociedade do desempenho”. Em sua obra intitulada “Sociedade do Cansaço”, dialoga
com lósofos como Michel Foucault4 (1978-1979 - Sociedade da Disciplina) e Han nah Arendt5
(2007 – A Condição Humana), bem como, em grande medida, com aportes da psicanálise.
Se n a “So cied ade da Di scip lina” de Michel F oucaul t (197 8-197 9), eri gid a no séc ulo XV III
em função do processo de industrialização (matéria-prima, estoques, máquinas e ocinas),
os i ndivíduos eram v igiados constantemente por uma espécie de controle comportamental
institucionalizado, guiados por proibições advindas de leis, mandamentos ou proibições. Na
so cied ade do des empe nho, o s sujeitos são em pres ários de si m esmo s, aut omat iza ndo a própr ia
vida através de técnicas que transformam o poder em uma espécie de dever do sujeito para
consigo, causando um alargamento dos riscos psicossociais, em contraponto aos riscos físicos
provocados por aquela.
É nesse panorama que o teletrabalho se apresenta como uma nova modalidade
de prestação de serviços, permitindo a realização das atividades remotamente, fora das
dependênci as da em pres a, com u ma propos ta de e xibi liz ação d o temp o de tra balho, util iza ndo-
se da tecnologia da comunicação e informação como ferramentas. Disso adviriam mudanças
na cultura organizacional das empresas e, especialmente, no perl comportamental dos
empregados submetidos a essa forma de organização, impactando no conjunto societário.
No ordenamento jurídico brasileiro, formas de teletrabalho passaram a ser reguladas
inicialmente numa perspectiva de igualar o trabalho presencial aquele realizado à distância,
implicitamente, por meio da lei 12.551/2011, alterando o artigo 2ª da CLT, estabelecendo em seu
pa rágra fo único que “os meios teleti cos e in formati zado s de com ando, controle e sup erv isão
se equiparam, para ns de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando,
3 HAN, B.-C. Sociedade do cansaço / Byung-Chul Han ; tradução de Enio Paulo Giachini. 2ª edição ampliada – Petrópolis, RJ :
Vozes, 2019.
4 FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica (1978-1979), SP – SP, Martins Fontes, 2008
5 ARENDT, Hannah. A condição humana. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

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