Temas relevantes sobre assédio moral

AutorJorge Luiz de Oliveira da Silva
Ocupação do AutorMestre em Direito Público e Evolução Social (UNESA-2004)
Páginas277-304

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Com a consolidação do fenômeno do assédio moral no ambiente de trabalho, diversas questões relevantes foram surgindo ao longo do tempo. O objetivo do presente capítulo é abordar estas questões, de forma a esclarecer alguns pontos ainda controversos e obscuros. Neste contexto, selecionamos três questões que têm inquietado os estudiosos sobre o tema. Assim, passaremos a discorrer sobre questão da prova nos processos de assédio moral, a questão da prescrição e a questão das falsas acusações.

7. 1 - Assédio moral e prova
7.1. 1 - A Importância da Prova

No mundo jurídico o tema “prova” é de essencial importância. Nada pode ser movimentado na Justiça, nada pode ser pleiteado em juízo, se o destinatário do direito não possuir o mínimo aporte probatório necessário a comprovar o direito alegado. Até mesmo nas hipóteses clássicas em que a lei estabelece a inversão do ônus da prova, não significa dizer que o julgador decidirá exclusivamente com base nas meras alegações do autor da ação, tendo este que demonstrar inicialmente a verossimilhança de suas alegações. Na

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hipótese, por exemplo, da responsabilidade civil objetiva, atribuída ao Estado pelo art. 37, § 6º, da Constituição Federal, terá o terceiro prejudicado que demonstrar, através de provas, a lesão por ele suportada (moral e/ou material) além da relação de causalidade entre esta e a atuação do Estado, ainda que não dependa da comprovação de dolo ou culpa.

A prova é a ponte que une o desconhecido à convicção do juiz. Neste sentido, J. E. Carreira Alvim alertou que “idem est et non esse et non probari”1, ou seja: “não ser e não provar é a mesma coisa”. Aí reside a importância da prova. Sem uma prova consistente, construindo a ponte que fará com que o julgador desbrave o desconhecido, nenhuma postulação em juízo logrará o êxito desejado.

Portanto, a prova constitui o elemento basilar com o qual as partes aguçarão o convencimento do julgador. Qualquer tipo de decisão judicial somente poderá ter como base fundamental as provas produzidas nos autos do processo. Após avaliar as provas encartadas nos autos, o juiz julgará a demanda, com base em seu livre convencimento (livre convencimento este que deverá ser extraídos das provas produzidas nos autos), devendo sempre motivar sua decisão.

Desta forma, meras alegações sem nenhum suporte probatório, direto ou indireto, não possuem o condão de consagrar os direitos pleiteados. Trata-se, pois, de regra básica atinente ao Estado Democrático de Direito, pois estaríamos diante do caos jurídico se houvesse tal possibilidade, onde uma pessoa simplesmente alegaria determinado fato e se revestiria automaticamente dos benefícios a ele correlatos, em detrimento dos direitos da parte contrária.

7.1. 2 - Ônus da Prova

A palavra “ônus” é derivada do latim onus, significando gravame, encargo, fardo. A expressão “ônus da prova” designa o personagem processual incumbido de provar as alegações que apresenta.

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Em regra, o ônus da prova incumbe àquele que alega os fatos constitutivos. No entanto, o ônus da prova é deferido ao réu em relação aos fatos de natureza impeditiva, modificativa ou extintiva do direito do autor, consoante o previsto no art. 333 do Código de Processo Civil:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:

I - recair sobre direito indisponível da parte;

II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

A norma legal é de simples compreensão. Digamos que o reclamante alegue que foi demitido sem justa causa. Apresenta em juízo as provas cabíveis. A reclamada contesta, alegando que o reclamante agrediu fisicamente, sem justo motivo, o gerente da loja onde trabalhava, razão pela qual teria sido demitido por justa causa. Ao alegar um fato impeditivo, o empregador atrai o ônus da prova, devendo comprovar em juízo que, realmente, tais fatos ocorreram a motivar a demissão por justa causa.

Logo, o ônus da prova no Direito do Trabalho não cabe necessariamente à parte que alega o fato, muito embora o art. 818 da CLT assim disponha. Não obstante, o TST consagrou a tese de aplicabilidade do art. 333 do CPC, nos termos da OJ nº 6 (VIII). No entanto, tal decisão deve ser aplicada somente quando a parte contrária alega a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

Pois bem, as alegações em juízo acerca da ocorrência de assédio moral no ambiente de trabalho são de natureza constitutiva, em regra. Portanto, caberá ao autor da ação produzir as provas necessárias à comprovação de seu pleito. Obviamente, não basta a mera alegação de ter sido vítima de assédio moral,

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devendo a parte comprovar de forma substancial a ocorrência efetiva do fenômeno. Neste ponto, o Judiciário brasileiro tem sido bastante prudente ao aferir as questões afetas ao assédio moral. Isto porque uma visão mais flexiva na aferição das provas poderia conduzir a decisões injustas e incentivar a utilização do Judiciário como instrumento de vinganças pessoais. Assim, o Judiciário brasileiro tem cumprido o seu papel com precisão, em relação à apreciação das questões relacionadas ao assédio moral no ambiente de trabalho.

Portanto, aqueles que pretendem se aventurar numa demanda judicial, versando sobre assédio moral, não devem se iludir e imaginar que o juiz irá determinar a inversão do ônus da prova, ante a meras alegações. Em sede de Direito do Trabalho, a inversão do ônus da prova é possível, mas aplicada de forma restrita e cautelosa, em especial no tocante a situações que somente estejam ao alcance do empregador comprovar. A grande maioria destas hipóteses está elencada no art. 333 do CPC. Sobre o tema, é bastante elucidativa a decisão da 4a Câmara - 2a Turma do TRT da 15a Região, nos autos do RO nº 0024500-08.2009.5.15.0153 RO (Decisão nº 043622/2011-PATR), sob a relatoria do Des. Dagoberto Nishina de Azevedo:

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. A questão tornou-se recorrente, inversão do ônus da prova, debatendo-se a transferência do encargo entre os litigantes, quando o Artigo 818, da CLT e o seu equivalente na legislação processual comum, Artigo 333, do Código de Processo Civil, estabelecem invariavelmente: o ônus da prova incumbe a quem alega o fato a ser provado.

Trocando em miúdos:

  1. se o autor deve apresentar petição inicial contendo os fatos e os fundamentos do seu pedido e indicar as provas com que pretende demonstrar a veracidade de suas alegações, como determina o Artigo 282, incisos III e VI, do Código de Processo Civil, evidentemente que cabe ao iniciador da demanda

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descrever os fatos constitutivos nos quais funda sua pretensão, indicando as provas através das quais irá prová-los, sendo, portanto, este o seu ônus probatório;
b) ao réu, Artigo 302, do Código de Processo Civil, cabe apresentar contestação, contendo todas as matérias pelas quais impugna a pretensão do autor, especificando as provas que pretende produzir, ou seja, atrai o ônus da prova quanto aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos com os quais contrapõe-se aos pedidos deduzidos pelo autor.

Portanto, a repartição do ônus da prova é fixa, a lei define, biso e friso, de forma inflexível, a quem cabe provar os fatos controvertidos, o autor incumbir-se-á dos fatos constitutivos e o réu daqueles que visam resistir à pretensão.

Não há permissivo legal para que as partes ou o Juiz, invertam ônus da prova. (DEJT 14.7.2011)

Desta forma, se a pessoa que se diz vítima do processo de assédio moral no ambiente de trabalho aciona o Judiciário com meras alegações, destituídas do mínimo conteúdo probatório capaz de emoldurar suas postulações, não só terá rechaçada sua pretensão, como também contribuirá para o enfraquecimento do fenômeno. A consequência da reiteração de tais ocorrências será o descrédito que pairará sobre a temática, estabelecendo nos julgadores justificada desconfiança. Vale citar as precisas considerações de Júlio Ricardo de Paula Amaral, comentando a posição de Manuel Antônio Teixeira Filho:

Para Manoel Antônio Teixeira Filho, não haverá incidência da regra do in dubio pro operario em matéria probatória, tendo em vista que ou a prova existe ou não se prova. A insuficiência de prova gera a improcedência do pedido e, portanto, o resultado será desfavorável àquele que detinha o ônus da prova, seja ele o empregado seja ele o empregado. Por outro lado, se ambos os litigantes produzirem as suas provas e esta ficar dividida, deverá o magistrado utilizar-se do princípio da persuasão racional, decidindo-se pela adoção da prova que melhor lhe convenceu, nunca pendendo-se pela utili-

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zação da in dubio pro operario, já que neste campo não há qualquer eficácia desta norma.2A jurisprudência pátria tem abordado a questão da prova, nos temas afetos ao assédio moral, com a prudência necessária à consagração de uma decisão justa. Vejamos alguns exemplos:

ASSÉDIO MORAL. INDENIZAÇÃO. Conforme se infere da leitura do acórdão regional, o julgador, diante da prova oral produzida e com base no princípio do livre convencimento motivado (artigo 131 do CPC), concluiu que não é possível se saber, com segurança, se, efetivamente, havia assédio moral por parte da Srª C. Neste contexto, não se cogita ofensa aos dispositivos legais e constitucionais invocados. Não conheço. (TST - 5a Turma - RR 152800-57.2009.5.03.0044. Rel. Min. Emmanoel Pereira. J. 23.11.2011, DEJT...

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