A tentação da prova ilícita

AutorJosé Laurindo de Souza Netto
CargoDesembargador do TJPR
Páginas158-168
158 REVISTA BONIJURIS I ANO 30 I EDIÇÃO 650 I FEVEREIRO 2018
SELEÇÃO DO EDITOR
José Laurindo de Souza NettoDESEMBARGADOR DO TJPR
A TENTAÇÃO
DAPROVAILÍCITA
Oprocesso penal sempre esteve preso na ten-
são entre o controle do crime e o devido
processo legal, ou seja, na escolha entre a
necessidade de lutar contra certas formas
de delinquência e o respeito aos direitos e
liberdades fundamentais.
Historicamente, os direitos fundamen-
tais nasceram como proteção contra os excessos poten-
ciais do Estado, configurando-se como instrumento de
contração do âmbito da atuação repressiva estatal.
No Iluminismo, por exemplo, a intervenção penal era
limitada sob o ponto de vista normativo, sancionador e
processual, assumindo, assim, uma “função de escudo”,
ou seja, uma espécie de barreira frente ao ímpeto cri-
minalizador do Estado. Entretanto, os avanços de um
Estado penal e sua perspectiva de segurança pública
acabaram por fazer da repressão não mais um meio em
busca de um fim (supostamente bom), mas um fim em
si mesmo.
A preocupação da sociedade contra as ameaças re-
ais, imaginárias e potenciais da criminalidade realçou a
dimensão de segurança dos direitos fundamentais, pri-
vilegiando sua função de “braço armado”, no dizer de
Mirrelle Delmas Marty (2007). Nesse sentido, destaca-
-se, então, função inversa, que transforma os direitos
congênitos em “espada” da repressão, contribuindo
para a legitimação da via penal como único meio de
prevenir condutas indesejadas e tutelar direitos.
Amplia-se, assim, a doutrina da dupla natureza e
dimensão dos direitos fundamentais, ideia de Niklas
Luhmann (2003), segundo a qual eles emergem tam-
bém como valores ou fins do moderno estado de direi-
to, a serem tutelados pelo recurso processual/penal.
Como bens jurídicos, aparece de um lado o interesse
de perseguição encabeçado pela comunidade ofendida
pela infração criminal e de outro a ideia de estado de
direito e o imperativo de um processo conforme as exi-
gências da constituição.
As proibições da prova ilícita surgem, neste contex-
to, como instrumento de defesa de direitos fundamen-
tais contra a atividade de persecução penal.
No Brasil o tema da prova ilícita encontra-se poten-
cializado em relação a outros países em virtude de estar
inserido na Constituição como direito fundamental (art.
5º, LVI) e como cláusula pétrea (art. 60, § 4º). Tal previsão
constitucional envigora o sistema brasileiro de proteção
de direitos fundamentais em relação ao direito com-
parado. O estabelecimento desse direito seminal como
princípio e não como regra tem, entretanto, conduzido a
uma arbitrária discricionariedade judicial, lastreada em
possíveis sopesamentos e manejada por uma herme-
nêutica depuradora da ilicitude da prova.
O julgador pode desprezar os direitos fundamentais
do cidadão baseando-se em “princípios da verdade”
e não em regras determinadas pela constituição?
Revista_Bonijuris_NEW.indb 158 23/01/2018 21:07:06

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