Teoria da ação significativa

AutorPedro H. C. Fonseca
Páginas91-135
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TEORIA DA AÇÃO SIGNIFICATIVA
O Direito Penal evolui constantemente. A teoria da ação signif‌icativa é a identi-
f‌icação mais atual desta evolução. No presente capítulo, será desenvolvido o estudo
da teoria da ação vislumbrada por Tomás Salvador Vives Antón, com base no segundo
Wittgenstein e na teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas, que acaba por per-
mitir a criação de uma nova estrutura conceitual analítica de crime, onde encontra-se
não mais os elementos tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, mas sim, o tipo
de ação (pretensão de relevância), a antijuridicidade formal (pretensão de ilicitude),
culpabilidade (pretensão de reprovação) e a punibilidade (pretensão de necessidade
de pena). Trata-se de uma ação que deve ser compreendida pelo intérprete à luz de
atos de fé, diferentemente da estrutura f‌inalista, que exige a explicação científ‌ica dos
elementos do crime.
7.1 AÇÃO SIGNIFICATIVA – INTRODUÇÃO
Tomás Salvador Vives Antón1, com base na linha de pensamento do segundo Witt-
genstein, quanto à f‌ilosof‌ia da linguagem, e diante da análise da teoria da ação comunica-
tiva de Jürgen Habermas, formulou o conceito signif‌icativo da ação. No mesmo sentido,
George Patrick Fletcher, em conexão com o desenvolvimento do aspecto dogmático dos
ensinamentos de Hans Welzel, também atingiu o conceito signif‌icativo da ação, em que
pese ter escolhido o nome “intersubjetivo” para o mesmo conteúdo de pensamento.
Esta nova concepção, baseada nos pilares da ação e da norma, procura atender
uma dogmática penal alinhada aos direitos e garantias fundamentais do ser humano.
Em Fundamentos del sistema penal, Tomás Salvador Vives Antón2 questiona o signif‌ica-
do da ação sob o aspecto cartesiano, ou seja, a ação como fato baseado no movimento
corporal e na vontade, somente. É importante registrar que a análise da ação ocorre sob
um ponto de vista diferente, ou seja, perante o signif‌icado da conduta. Observa-se, pela
teoria, que, o que importa, não é o que o agente faz, mas o signif‌icado dos seus atos. Com
isso, a ação humana deve ser interpretada segundo as normas, segundo os sentidos. A
admissão do conceito signif‌icativo da ação, por consequência, leva ao reconhecimento
da linguagem na interpretação. Pela teoria de Tomás Salvador Vives Antón, tem-se a
ação como resultado de comunicação, dos sentidos, da interpretação dos sentidos.3
1. VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del sistema penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 2011. p. 208.
2. VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del sistema penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 2011. p. 343-344.
3. BUSATO, Paulo César. Direito penal e ação signif‌icativa: uma análise da função negativa do conceito de ação em
direito penal a partir da f‌ilosof‌ia da linguagem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 152-153.
DIREITO PENAL & AÇÃO SIGNIFICATIVA • PEDRO H. C. FONSECA
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Paulo César Busato4 ensina que: “Sai do centro de atenção a perspectiva do im-
penetrável aspecto subjetivo, residente na mente do homem para destacar a dimensão
social da atuação humana”
Trata-se, esta teoria, de uma nova luz na doutrina penal, ao considerar o modelo de
conduta penalmente relevante. De acordo com esta linha de pensamento, não existe um
modelo universal de ação, como fórmula básica para todas as ações passíveis de serem
praticadas pelas pessoas. O que signif‌ica dizer que para que a ação tenha relevância, é
importante que, antes dela, tenha a existência de normas. Por exemplo, a ação matar
exige que antes exista uma norma a def‌inindo.
A importância da análise da conduta deve ser contida com base nas características
específ‌icas da lei penal, deixando de lado a preocupação com um conceito geral de ação,
cabível para todo comportamento humano, pois o que interessa é a verif‌icação da con-
duta do agente nos moldes da lei penal. Por isso, a conduta penal relevante identif‌ica-se
com a ideia de conduta típica.
As ações relevantes para o Direito Penal exigem que existam prévias composições
normativas a respeito de específ‌icas ações. A conduta direcionada para furtar objeto de
outrem, tem antes da ação, uma norma a def‌inindo. A ação de furtar somente existirá se
existir norma a def‌inindo. Não existe a ação sequestrar se antes não existir a norma dando
aquela conduta relevância penal. Previamente, as normas def‌inem o que o corpo social
entende pelas ações penalmente relevantes. Por causa disso que se pode concluir que
matar alguém para roubar objeto é latrocínio. Há, dessa forma, um signif‌icado jurídico,
cultural e social na prática do latrocínio. Nesse sentido, a teoria da ação signif‌icativa
identif‌ica que os fatos criminosos somente podem ser verif‌icados através das normas.
O signif‌icado das condutas penalmente relevantes somente existe em decorrência das
normas. Desse modo, o signif‌icado da conduta não pode ser prévio à norma. A ação
signif‌icativa pede um signif‌icado da conduta, para conexão com a norma prévia. O novo
conceito de ação requer a interpretação da ação, baseada nos signos sociais, no signif‌ica-
do social, além da avaliação perante uma norma prévia. Não é simplesmente uma ação
fundada nos requisitos do movimento corporal voluntário, para todo e qualquer ato.
Uma ação baseada em signo social, dependendo do meio praticado, é justif‌icada perante
o direito, descaracterizando eventual ação negativa para norma previamente adotada
pelo poder legislativo como conduta penalmente relevante. Há, com a teoria da ação
signif‌icativa, o registro de uma mudança do plano cartesiano e geral para um plano de
sentidos, com avaliação social do signif‌icado da ação praticada e suas consequências.
7.2 BASE TEÓRICA DO CONCEITO SIGNIFICATIVO DA AÇÃO
A ação signif‌icativa apresenta contornos que decorrem de fenômenos jurídicos
serem parte da luz irradiada pela f‌ilosof‌ia da linguagem. A teoria da ação signif‌icativa
faz parte de novas respostas para a evolução do pensamento jurídico baseado na racio-
4. BUSATO, Paulo César. Direito penal e ação signif‌icativa: uma análise da função negativa do conceito de ação em
direito penal a partir da f‌ilosof‌ia da linguagem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 147.
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7 • TEORIA DA AÇÃO SIGNIFICATIVA
nalidade pós-moderna, que identif‌ica-se com rígidos sistemas fechados para explicar
as coisas. Nessa linha, verif‌ica-se que o Direito Penal, diante de rígidos sistemas, se
desenvolve com intensa repressão perante conf‌litos decorrentes de condutas penal-
mente relevantes. Conforme ensina Fernando Galvão5, “a perspectiva teórica da ação
signif‌icativa foi elaborada para atender a tal necessidade.”
A teoria da ação signif‌icativa, do ponto de vista de Tomás Salvador Vives Antón,
foi estruturada com apoio nas bases de pensamentos de Ludwig Wittgenstein, Jürgen
Habermas, Robert Alexy6.
Paulo César Busato7 expõe que
[...] Vives Antón, partindo de uma análise da losoa da linguagem de Wittgenstein e da teoria da ação
comunicativa Habermas, chegou a um conceito signicativo de ação identicando-a, como vamos
ver em seguida, com o “sentido de substrato normativo”.
Ludwig Wittgenstein8 expõe que as palavras em seus variados sentidos inf‌luen-
ciam na construção da linguagem social. O instrumento de comunicação do ser hu-
mano, partindo da linguagem envolvida, tem relação direta com o desenvolvimento
social, que por sua vez, funciona por meio dos signif‌icados dados às palavras e gestos.
Diante disso, o Direito Penal, como instrumento de soluções de questões relevantes
do corpo social, se instrumentaliza no sentido dogmático, ao ter como fonte os senti-
dos atribuídos às ações humanas diante do signif‌icado existente no sistema social em
que está inserido. Tomás Salvador Vives Antón9 identif‌ica o sentido da ação de acordo
com as práticas realizadas e reconhecidas na sociedade, aos moldes do pensamento
de Ludwig Wittgenstein.
Jürgen Habermas10, em posição similar, ao evidenciar a teoria da ação comunica-
tiva, admitiu o Direito como um sistema organizador de ações direcionadas e que se
justif‌ica através de um discurso corretivo. Af‌irma que no sistema social existem normas
decorrentes de acordo prévio quanto a comportamentos dos indivíduos que a compõe.
Havendo pacto sobre comportamentos, há também expectativas dos indivíduos para
que sejam cumpridas as regras acordadas. Nesse sentido, obedecer a norma jurídica é
também cumprir a expectativa social. Com a teoria da ação comunicativa verif‌ica-se
revelação de uma racionalidade comunicativa, que acaba por inf‌luenciar no âmbito jurí-
dico. Esta racionalidade comunicativa se envolve na perspectiva jurídica como fonte de
5. GALVÃO, Fernando. Direito penal: parte geral. 7. ed. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016. p. 111.
6. ROCHA, Fernando Antônio Nogueira Galvão da. Resistência à imposição tributária ilícita e crime contra a ordem
tributária: na perspectiva da teoria da imputação objetivo-comunicativa do crime. 2014. Tese (Doutorado). Univer-
sidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014. p. 130;138.
7. BUSATO, Paulo César. Direito penal e ação signif‌icativa: uma análise da função negativa do conceito de ação em
direito penal a partir da f‌ilosof‌ia da linguagem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 143-144.
8. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações f‌ilosóf‌icas: pensamento humano. 4.ed. São Paulo: Editora Vozes, 2005.
p. 194.
9. VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del sistema penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 2011.p. 208.
10. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 257-258. v. 1.

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