Sobre a teoria da vida útil do produto

AutorCarlos Pinto Del Mar
Páginas236-245

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Por quanto tempo subsiste a responsabilidade do construtor por vícios de solidez e segurança

Dúvida frequente diz respeito ao prazo durante o qual pode surgir um vício ou defeito (oculto), que possa ensejar a reclamação. Em outras palavras: durante quanto tempo pode surgir um vício ou defeito (oculto)?

Essa questão se coloca porque, em se tratando de vícios aparentes, nas relações apenas civis, o Código Civil prevê o direito do contratante ou comprador de rejeitar a coisa no ato, caso constate a sua existência. Já para as relações de consumo, o CDC concede o prazo de noventa dias depois da entrega para que seja feita essa reclamação452. Porém, tanto num caso como no outro, o momento de reclamar é aquele da entrega ou dias depois, e não há dúvida quanto à sua determinação. O prazo de liberação da responsabilidade do construtor no caso de vícios aparentes fica, assim, definido no tempo, porque depois de decorrido esse prazo não caberá mais reclamação.

Relativamente aos vícios ocultos, nas relações apenas civis (em que se aplica a teoria dos vícios redibitórios prevista no CC), a lei também estabelece o prazo para reclamar: um ano contado da entrega e, se o vício, pela sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo é contado a partir do surgimento, dentro, porém, do prazo de um ano (um ano para surgir, e um ano para reclamar). Também não há dúvida quanto ao prazo final para que seja feita a reclamação e, consequentemente, quanto ao momento em que o construtor fica liberado da responsabilidade, uma vez que a lei especifica, tanto o prazo de um ano para surgimento do vício, como o prazo de um ano para reclamar453.

Não se pode deixar de observar uma situação multiface na questão do prazo de reclamação dos vícios ocultos nas relações apenas civis, pelo cotejo entre o disposto

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no § 1º, do art. 445, do CC454, e a disposição do art. 189, do mesmo código, que consagra o princípio da actio nata455 . Enquanto o § 1º, do art. 445, do CC, estabelece o prazo máximo de 1 (um) ano para surgir o vício oculto, o art. 189 (que contempla o princípio da actio nata) estabelece que a pretensão nasce – e o prazo prescricional de reclamação começa a fluir – somente a partir do momento em que houve a violação do direito (isto é, a partir do surgimento do vício), igualando-se à regra prevista no art. 26, § 3º, do CDC456. Trata-se de dicotomia a ser dirimida pela jurisprudência, valendo observar que, à época da elaboração do Código Civil, a sociedade não tinha conhecimento dos prazos de vida útil dos diversos sistemas construtivos, e nem da recomendação de prazos “técnicos” de garantia (que ultrapassam o período de um ano, previsto no § 1º, do art. 445, do CC), informação esta que veio a ser dada pela NBR 15575:2013 e serve de fundamento para a Teoria da Vida Útil do produto, defendida pelos autores consumeristas e acolhida pela jurisprudência do STJ.

Ou seja, enquanto não se tinha conhecimento do prazo de vida útil e de prazos técnicos de garantia recomendados pela sociedade técnica, era compreensível que se estabelecesse o limite de um ano para surgimento do vício. Agora, porém, que se tem essas informações, resta saber se a jurisprudência as adotará como prazos referenciais para o surgimento do vício nas relações apenas civis – a exemplo do que acontece nas relações de consumo, fundamentada no art. 26, § 3º, do CDC e na Teoria da Vida Útil do produto – ou se manterá o limite de um ano para surgimento do vício oculto, independentemente da vida útil do sistema construtivo em questão.

Enquanto se observa a situação acima nas relações apenas civis, paralelamente, nas relações de consumo, a questão merece o detalhamento que segue.

O prazo em aberto para surgimento do vício ou defeito – lacuna ou cláusula geral (omissão proposital)

Como visto, o Código Civil estabelece um prazo máximo para o vício se manifestar (de 180 dias no caso de bens móveis e de um ano no caso de bens imóveis)457.

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O CDC inovou e, diferentemente, deixou de estabelecer, para relações de consumo, uma data limite para o vício se manifestar. Diz o artigo 26, do CDC, que o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em 30 (trinta) dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não duráveis, e em 90 (noventa) dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis458.

De acordo com o § 1º, do art. 26, a contagem do prazo decadencial inicia-se a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços, e, conforme o § 3º, em se tratando de vício oculto, a contagem do prazo decadencial inicia-se a partir do conhecimento do vício. Porém, não há limite de tempo estabelecido para o surgimento do vício oculto459.

Ora, se a contagem do prazo de decadência só se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito (CDC, art. 26), até quando pode surgir o vício, que está oculto?

Isto é, nas relações de consumo, até quando perdura a responsabilidade do fornecedor pelo vício oculto, nos produtos duráveis? O vício oculto que se manifesta no produto depois de 5, 10, 20, 40 anos ou mais, a partir da sua aquisição ou entrega, ensejaria a responsabilidade do fornecedor, prevista no art. 18 do CDC?

Parte da doutrina entende tratar-se de uma lacuna legislativa, defendendo que deve ser aplicado, por analogia, o prazo previsto no Código Civil (180 dias para surgir e 180 dias para reclamar – CC, art. 445 e § 1º460).

Essa corrente é rebatida por autores que entendem que, admitindo tratar-se de uma lacuna no CDC, não se haveria de aplicar outra regra mais restritiva para o consumidor (como seria a regra do CC), sob pena de violar o princípio de defesa do consumidor, inserido na Constituição Federal461.

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Paralelamente, desenvolveu-se outra doutrina, entendendo que a falta de estabelecimento de um prazo fatal para surgimento do vício é uma omissão proposital.

Primeiramente porque, diante da infinidade de produtos que existem no mercado de consumo, seria inviável estabelecer datas específicas para surgimento de vícios para cada um dos produtos e para toda a variedade de produtos lançados ao consumo. Seria impraticável. E por fugir à razoabilidade, disso não teria cogitado o legislador.

Essa parte da doutrina – nesta altura dominante – entende que o dispositivo legal corresponde, na verdade, a uma “cláusula geral”, assim compreendida como uma cláusula com um grau máximo de indeterminabilidade, possibilitando ao julgador um maior poder de interpretação e decisão, diante do caso concreto.

E como o CDC não define o prazo para surgimento do vício, dentro do qual se poderá reclamar do fabricante ou construtor, a garantia de adequação do produto vigora ad aeternum nas relações de consumo? Não.

Surge, assim, a “teoria da vida útil do produto”, defendida, entre outros, por Claudia Lima Marques, Antonio Herman V. Benjamin e Leonardo Roscoe Bessa462, este último que assim comenta:

“Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no...

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