Teoria do erro

AutorCristiano Rodrigues
Páginas309-349
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TEORIA DO ERRO
Como vimos, estruturalmente, a grande novidade do finalismo para a Teoria do De-
lito foi a transferência do dolo, antes parte integrante da culpabilidade, para dentro do
tipo penal, sendo que este dolo se separa da consciência da ilicitude, que permanece na
culpabilidade, como elemento normativo essencial de seu conceito.
O dolo, como parte integrante do tipo, passou a ser chamado de dolo natural, ou seja,
despido de qualquer elemento valorativo, significando apenas vontade livre e consciente
de realizar o tipo objetivo, independentemente de o autor possuir ou não conhecimento da
ilicitude de seus atos, fato este que será objeto de análise da culpabilidade.
Como consequência lógica das modificações ocorridas a partir do finalismo, tam-
bém a culpabilidade teve suas bases sensivelmente atingidas, principalmente pela retirada
do dolo de seu interior, para situá-lo como elemento subjetivo do tipo.
Depois da retirada do dolo (elemento subjetivo) da culpabilidade, esta passou a pos-
suir somente elementos objetivos, passando a ser tratada como puramente normativa, sen-
do, de acordo com a doutrina finalista, “puro juízo de valor, de reprovação que recai sobre
o autor do injusto penal, excluída de qualquer dado psicológico”.
A partir do momento que a culpabilidade passou a possuir esta nova feição de sim-
ples juízo de censura, sem contar mais com a presença do dolo em sua estrutura, surgem
as chamadas teorias da culpabilidade (estrito senso), que acima de tudo pretenderam
redimensionar a Teoria do Erro, principalmente no que tange à análise da falta de cons-
ciência da ilicitude, agora livre do dolo, corrigindo as falhas e preenchendo as lacunas de
punibilidade, deixadas pelas ideias serôdias, das chamadas teorias do dolo.
Dentro da Teoria Normativa pura da culpabilidade, hoje adotada em nosso ordena-
mento, há duas vertentes doutrinárias, a Teoria Extremada da Culpabilidade e da Teoria
Limitada da Culpabilidade, teorias estas que, embora partam do mesmo paradigma dou-
trinário e estejam arraigadas nas bases da Teoria Finalista da Ação, divergem em alguns
pontos, e serão estudadas a seguir.
13.1 TEORIA EXTREMADA DA CULPABILIDADE
A Teoria Extremada da Culpabilidade tem suas raízes na concepção finalista de
delito, considerando o dolo como elemento integrante do tipo penal e a consciência da
ilicitude como elemento autônomo da culpabilidade.
Esta ideia ocasionou uma grande mudança na análise da Teoria do Erro e na própria
estrutura da culpabilidade, já que o desconhecimento da ilicitude do fato não mais atinge
o dolo, que permanece intacto, afetando somente a culpabilidade, e, de acordo com a evita-
MANUAL DE DIREITO PENAL • CRISTIANO RODRIGUES
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bilidade deste erro, afasta-se a culpabilidade ou a atenua, possibilitando assim a aplicação
de uma pena reduzida para o fato praticado.
A Teoria extrema ou extremada da Culpabilidade foi defendida pelos principais
autores finalistas, entre eles Welzel, Maurach, Armin Kaufmann, embora com o passar dos
anos tenha sofrido inúmeras críticas dentro da própria doutrina alemã, e dos próprios
autores vinculados ao finalismo, que passaram a preferir a adoção da Teoria Limitada da
Culpabilidade da qual falaremos mais adiante.
De acordo com a concepção finalista, culpabilidade é reprovação da conduta pratica-
da pelo autor, baseada em uma resolução de vontade antijurídica, quando este, de acordo
com sua possibilidade de compreensão do caráter antijurídico de seus atos, poderia ter
evitado esta prática, direcionando sua conduta de acordo com essa compreensão, para a
consecução do resultado por ele objetivado, sem, no entanto, contrariar o Direito.
Contudo, a grande modificação estrutural trazida pela Teoria Extremada da Culpabi-
lidade reside no fato de que, diferentemente das chamadas teorias do dolo de bases causa-
listas, que consideravam o conhecimento da ilicitude como elemento do dolo e este como
elemento da culpabilidade, esta nova teoria de bases finalistas separa o dolo, que passa a
fazer parte do tipo de injusto, da consciência da ilicitude, que permanece na culpabilidade
como elemento autônomo desta.
Na prática, com esta alteração sofrida pela Teoria do Delito e pela própria culpabi-
lidade, modifica-se de forma completa o entendimento a respeito das hipóteses de erro
e suas consequências, o que na verdade é o cerne das modificações trazidas pela Teoria
Extremada da Culpabilidade.
Com o desenvolvimento desta referida teoria, afasta-se o tratamento unitário do erro
(causalismo) passando-se assim a separar o erro, com base nos seus efeitos, em erro de
tipo, que afastará o dolo, e erro de proibição, incidente sobre a consciência da ilicitude,
que afasta ou atenua a culpabilidade conforme seja inevitável ou evitável respectivamente.
Somente por meio do novo tratamento das hipóteses de erro, o que só foi possível
mediante a reestruturação da Teoria do Delito e do surgimento das chamadas Teorias da
Culpabilidade, é que se conseguiu responder às dúvidas e críticas da doutrina para estas
hipóteses de erro evitável quanto à ilicitude do fato, que deverá então, de acordo com esse
novo entendimento, ser tratado como erro de proibição, atenuando a culpabilidade e re-
duzindo assim a pena pelo fato doloso praticado.
Entretanto, a Teoria Extremada da Culpabilidade, ao mesmo tempo em que abriu
as portas para a diferenciação de tratamento entre o erro de tipo e o erro de proibição, in-
correu em uma falha no que se refere ao tratamento do erro que incide sobre as causas de
justificação ou excludentes de ilicitude, hipóteses chamadas de descriminantes putativas.
Do ponto de vista desta teoria, todas as modalidades de erro quanto à proibição,
quanto a ilicitude do que se faz, possuem a mesma consequência, qual seja, afetar a culpa-
bilidade, ou afastá-la, se o erro for inevitável, ou apenas atenuá-la, caso o erro seja evitável,
e é exatamente neste ponto que ocorre a divergência entre os adeptos da Teoria Extremada
da Culpabilidade e os defensores da Teoria Limitada da Culpabilidade.
Percebe-se que ao mesmo tempo em que não se questiona o mérito da Teoria Extre-
mada da Culpabilidade de tratar como erro de proibição o erro quanto à consciência da
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13 • tEorIA Do Erro
ilicitude, também fica evidente que exatamente neste ponto reside seu principal problema,
já que há diferentes formas de se constatar a ausência de conhecimento da antijuridicidade
de uma conduta por seu autor, e abordar todas elas sobre o mesmo prisma não poderia
resultar em outra coisa que não em problemas práticos e principalmente críticas por parte
da doutrina.
A título de exemplo, para a Teoria Extremada da Culpabilidade não importa se um
agente acredita estar agindo em legítima defesa por pensar (erroneamente) que está na
iminência de sofrer uma agressão injusta (erro fático), ou por se confundir a respeito dos
limites da excludente e achar que pode matar quem lhe furta o relógio (erro de valoração),
porque, em ambas as hipóteses, haverá erro de proibição gerando as mesmas consequên-
cias (afastar a culpabilidade ou reduzir a pena).
Por esta falha em não reconhecer diferença entre o erro que incide sobre pressupos-
tos fáticos de uma causa de justificação e o erro que recaia sobre a existência ou a abran-
gência ou limites de uma causa de justificação, a Teoria Extremada da Culpabilidade foi
perdendo adeptos para a moderna concepção limitada dentro das teorias da culpabilidade,
embora seja ainda defendida e adotada por alguns nomes de peso no Direito Penal, princi-
palmente aqueles mais tradicionalistas e fiéis ao finalismo puro de Hans Welzel.
Seguindo o posicionamento da maioria da doutrina nacional e com base na exposi-
ção de motivos do nosso Código Penal, preferimos adotar a Teoria Limitada da Culpabi-
lidade, que passaremos a analisar a seguir, e que teve como principal caraterística, passar
a tratar do erro fático nas descriminantes putativas, como erro de tipo permissivo e não
mais como erro de proibição, deixando este erro (de proibição) restrito apenas aos erros
de valoração quanto ao caráter ilícito de uma conduta.
13.2 TEORIA LIMITADA DA CULPABILIDADE
A Teoria Limitada da Culpabilidade, como foi visto, parte dos mesmos pressupos-
tos finalistas da Teoria Extremada da Culpabilidade, entretanto surgiu como um aperfei-
çoamento dela, buscando diferenciar as hipóteses antes unicamente tratadas como erro de
proibição, ou seja, se o erro recair sobre os limites jurídicos ou existência de uma causa de
justificação, será erro de proibição, e se recair sobre elementos fáticos de uma causa exclu-
dente da ilicitude, será chamado de erro de tipo permissivo.
Em suma, a diferença prática trazida pela Teoria Limitada da Culpabilidade está no
fato de que ela separa as hipóteses de erro quanto à consciência da ilicitude em três ca-
tegorias, as quais são:
a) erro de proibição direto: quando o autor acredita erroneamente que sua conduta
simplesmente não está proibida pelo ordenamento jurídico, logo, fica afastada ou reduzida
a culpabilidade
b) erro de proibição indireto: quando por pensar estar autorizado pelo ordenamen-
to atua em erro (de valoração) sobre a proibição do que faz, incidindo esse erro sobre os
limites ou a existência de uma causa excludente de ilicitude, e, portanto, igualmente afas-
tando ou reduzindo a culpabilidade
c) erro de tipo permissivo: nasce de uma errônea representação do autor a res-
peito da situação fática em que se encontra, ou seja, erra sobre elementos objetivos de

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