Teoria Geral do Estado
Autor | Ari Ferreira de Queiroz |
Ocupação do Autor | Doutor em Direito Constitucional |
Páginas | 83-104 |
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Embora este livro seja de Direito Constitucional, penso ser importante apresentar algumas noções sobre a Teoria Geral do Estado, que pode ser entendida como a parte geral deste ramo da ciência jurídica. A Teoria Geral do Estado não é um ramo do Direito Constitucional, nem constitui disciplina autônoma, senão apenas uma divisão que estuda os conceitos a serem por ele utilizados, como as formas de Estado e de governo, os sistemas de governos, o poder, a origem da federação, a república, a monarquia, o parlamentarismo, o presidencialismo, enfim, o Estado. Esses conceitos e outros conexos serão analisados a seguir.
Se a disciplina em análise é a Teoria Geral do Estado, primeiramente impõe-se saber o que é uma teoria e, depois, o que é o Estado. Segundo José Albuquerque Rocha51, teoria é um conjunto de conceitos sistematizados, enquanto que conceito, por sua vez, o mesmo autor define como sendo a expressão do que é geral e comum a vários objetos. A teoria geral é um conjunto de conceitos sistematizados que possibilitam o conhecimento dos diferentes ramos de determinada disciplina ou ramo científico. Como o objeto é o Estado, a teoria geral sintetiza o conjunto de conceitos sistematizados que possibilitam o conhecimento do estado sobre enfoques variados.
Feitos esses esclarecimentos, ainda resta conceituar o Estado a fim mesmo de distingui-lo da nação. O que é o Estado? Deixando a outro plano os vários significados que a palavra “estado” pode apresentar conforme o lugar, momento e gênero em que seja empregada – situação, estado civil, estado econômico –, em sede de Direito Constitucional significa a sociedade política, a mais perfeita organização da humanidade. Para Sahid Maluf52, “Estado é a nação politicamente organizada”, significando ser a nação uma realidade de fato, e o Estado, realidade jurídica por ser criado e organizado pelo homem para satisfazer o bem comum53.
O Estado, como se sabe, é uma realidade jurídica, porque criado pelo homem para atender ao bem comum e assim pode ser alterado segundo sua vontade. Diferentemente,
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a nação é realidade de fato, sociológica, não jurídica. A nação é um fato, um acontecimento independente da vontade; o Estado, um ato. Como surge a nação? Surge pela reunião de um conjunto homogêneo de pessoas ligadas permanentemente por laços de sangue, costumes, religião, idioma, cultura e ideais. A nação é anterior e pressuposto de existência do Estado; sem ela não há Estado, embora possa existir nação sem Estado, porque, a rigor, é apenas um dos elementos de formação estatal, ao lado do governo e do território.
Seria conveniente que a cada Estado correspondesse uma nação, e vice-versa. A conveniência, entretanto, frente à realidade, nem sempre se mostra possível, pela simples razão de que a nação é um acontecimento independente da vontade. Quando no mesmo País se verifica a existência de dois ou mais conjuntos homogêneos de pessoas ligadas pelos mesmos laços de sangue, costumes, religião, idioma, cultura e ideais diz-se que acomoda mais de uma nação e assim caracteriza o denominado Estado heterogêneo; quando só há uma nação, estado homogêneo.
Exemplo de Estado heterogêneo é a Grã-Bretanha, que congrega as nações inglesa, irlandesa, galesa e escocesa; exemplo de Estado homogêneo é o Brasil, formado por única nação. A consequência maior da heterogeneidade é a diversidade de costumes e anseios em um mesmo espaço territorial, o que leva, quase sempre, a guerras civis intermináveis, como a que se viu na ex-Iugoslávia, ceifando a vida de milhares de pessoas. Ideal é a existência de Estados homogêneos em que cada qual serve de base para uma nação, fazendo, possivelmente, diminuir os conflitos por serem os mesmos os ideais de todos.
Há uma questão peculiar resultante da divisão de Estados em consequência de guerras, em que a mesma nação passa a pertencer a mais de um Estado, como a extinta Alemanha Oriental e Alemanha Ocidental, cada qual formando um Estado, mas não há como negar em ambas a identidade de nação. Outros exemplos são o Vietnam do Sul e o Vietnam do Norte e a Coreia do Norte e a Coreia do Sul.
Elementos são partes de um todo. O corpo humano, por exemplo, é formado por vários elementos, como os membros inferiores e superiores, a cabeça, o tronco e outros, incluindo elementos internos. É certo que alguns elementos são essenciais, e outros, apenas acidentais. Sem os elementos essenciais o todo inexiste; sem os acidentais, existe de forma anormal. O mesmo ocorre com o Estado como produto de criação humana.
Portanto, para transformar a vontade humana em realidade é imperiosa a reunião de certos elementos que, isoladamente, quase nada representam – salvo a população por ser a própria nação. Somados, os elementos formam o Estado perfeito. Como no corpo humano a falta de elemento essencial retira a vida, no campo jurídico a falta de elemento essencial também impede a existência do estado, pelo menos da forma perfeita. Pode até existir, mas será um Estado imperfeito. Diz-se perfeito o que reúne todos os elementos de sua definição legal; imperfeito, quando lhe falte um ou outro elemento ou sofre limitação quanto ao seu exercício. Na verdade, o imperfeito é apenas quase-Estado.
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Quais são os elementos necessários para caracterizar o Estado perfeito? São a população, o território e o governo soberano, considerados elementos morfológicos, dos quais resultam o próprio Estado e de cuja variação decorrem as várias formas.
Autores há, e não poucos, que colocam o povo como sendo o elemento humano formador do Estado. Sem embargo, penso, junto com tantos outros, que melhor seria referir-se à população. O termo população compreende todas as pessoas sob o império do mesmo ordenamento jurídico, sendo, assim, conceito mais abrangente que o de povo, do ponto de vista jurídico, que designa apenas os eleitores de certo Estado, ou do ponto de vista sociológico, determinada raça. Em poucas palavras, população é o conjunto de todas as pessoas nacionais ou estrangeiras que vivem no País54.
O território é a base física sobre a qual ocorre a validade de certa ordem jurídica. Além do solo, compreende o espaço aéreo, o subsolo, o mar territorial, as embaixadas no exterior, os navios mercantes em alto-mar e os navios de guerra e aviões em qualquer lugar.
Governo é a soberania posta em ação, isto é, é o conjunto das funções necessárias à manutenção da ordem jurídica e da Administração Pública; soberania denota independência, autodeterminação. Segundo Pinto Ferreira, “a soberania é a capacidade de impor a vontade própria, em última instância, para realização do direito justo”55. Para os antigos, o poder de soberania era divino por se imaginar que vinha de Deus, de quem o rei, em quem se concentrava, era o representante na terra. Pela origem divina, os poderes do soberano eram ilimitados, absolutos, perpétuos e incontestáveis. Superada essa ideia, formularam-se várias teorias tentando explicar a fonte da soberania, destacando-se as da soberania popular, soberania nacional e soberania do estado.
Embora admitindo a ideia de poder divino, refutou-se que essa soberania viesse do sobrenatural. O rei tinha poderes divinos, não por tê-los...
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